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Tori Amos – Abnormally Attracted to Sin (+ 1 faixa bônus). [download: mp3]

Tori Amos - Abnormally Attracted to SinDesde que abandonou a gravadora Atlantic, a cantora americana Tori Amos lança discos que pecam pelo exagero, em mais de um sentido. Primeiro, pela insistência em arquitetar um conceito ou temática que unifique ou englobe todas as canções. Segundo, pela criação de um personagem – ou bem mais de um – que “assume” a interpretação das canções ou que incorpore o conceito destas ou da narrativa composta no disco. Terceiro, pelo número excessivo de faixas, que dilui e tira a força das melhores canções. Quarto, por um excesso de ornamentos e backing vocals adocicados de alto teor lírico. O primeiro álbum que reuniu estes elementos, Scarlet’s Walk – já que Strange Little Girls, a priori, não é um trabalho de composição da cantora e contou com apenas doze faixas, a mesma média dos primeiros lançamentos da artista -, foi o que teve melhores resultados ao utilizar-se destes recursos. Desde então, a insistência neste modelo de criação tem trazido aos fãs da cantora discos que não conseguem sintetizar toda a beleza, força e capacidade de Tori Amos em compor canções ao mesmo tempo tocantes e eletrizantes. Infelizmente, Abnormally Attracted to Sin, seu novo disco lançado há pouco, também sofre um pouco deste mesmo mal, ainda que ele seja o menos rigoroso na temática e conceito desde Scarlet’s Walk e sua utilização de personagens não seja tão efetiva – mas no que tange à algumas melodias o problema foi reiterado. Faixas como o single “Welcome To England”, cujo refrão está cercado de alguns acordes graves e dramáticos de piano típicos do estilo da artista, “Fire To Your Plain”, que tem arranjo leve e harmonioso de bateria, guitarrra e teclado, e “500 Miles”, com seu refrão liricamente equilibrado e sua sequência final com bateria, guitarras, piano e vocal absolutamente empolgantes como há muito não se via em uma canção de Tori, poderiam ter outro resultado, muito mais elegante, emocionante e encantador, não fosse os excessos melódicos glicosados, cuja herança imediata é proveniente de The Beekeeper.
Porém, é preciso dizer que Abnormally Attracted to Sin é o disco que tem um punhado de canções que são as mais bem resolvidas em sua atmosfera melódica desde o álbum lançado em 2002. Algumas delas recuperam o viço e sonoridade de trabalhos de Tori anteriores ao início deste século, outras até mesmo captam vibrações de outros artistas ou bandas. Este é o caso específico da primeira faixa do disco, “Give”. A melodia da canção que claramente trata de prostituição tem algo da perversa morbidez do Portishead nos toques fortes mas exaustos da bateria e na presença distante de uma guitarra que vibra em acordes soturnos e arrepiantes – o piano e as sintetizações também contribuem para a construção desta atmosfera, mas o fazem ao modo da cantora. Já “Flavor” resgata toda a beleza de baladas compostas em discos como To Venus and Back: há reminescências de “Lust” na programação que é base da canção, bem como no vocal distante e difuso e nos toques suaves e esparsos no piano – há alguns discos que não se via uma balada tão perfeita da cantora, que extrai tanta força e emoção de uma melodia tão simples. A faixa-título do álbum também se apóia sem medo na programação eletrônica, e o faz muito bem: banhada por uma hemorragia ocasional de acordes de guitarra e vocais etéreos no refrão, o conjunto de sintetizações que preenche o fundo da canção com a bateria hipnótica cria uma música sensual e sedutora como um ritual ocultista. “Curtain Call” é outra que evoca o clima nebuloso do álbum duplo de Tori lançado em 1999: as notas suaves, curtas e contínuas no piano, a reverberação dos toques da bateria, a ambiência dos acordes da guitarra e o vocal algo arrastado concedem a melodia triste o mesmo sabor elétrico de “Bliss”.
Algumas faixas específicas deste novo disco trazem uma Tori Amos que se aventura a fugir de suas próprias convenções mergulhando em uma certa formalidade melódica, seja lidando tão somente com seu velho e admirável piano Bösendorfer ou colocando-o na penumbra para trabalhar com instrumentação mais farta. No primeiro caso, “Mary Jane”, revela-se absolutamente encantadora devido ao incomum rigor tradicional de seus acordes no piano, ainda que esta melodia seja pontuada por pausas e desvios tão emblemáticos no repertório da cantora americana. Os versos, porém, não enganariam seus fãs: a dramatização do diálogo entre uma mãe e seu filho adolescente sobre o efeito que Mary Jane tem na vida do garoto se mantém fiel ao estilo de composição da cantora até mesmo pelo simbolismo da personagem que nomeia a canção. Já “That Guy” responde ao segundo caso com sua melodia idílica congestionada de orquestrações, cuja teatralidade mostra imediato parentesco com trilhas de musicais. Nas letras, Tori dá voz ao inconformismo de uma mulher que confessa não compreender como um homem que lhe dá tanto amor e conforto na cama possa perder todo seu encanto quando está fora dela.
Mas ainda não foi desta vez – e sabe lá se isso voltará a acontecer – que Tori Amos conseguiu transgredir a condição da sua própria musicalidade e voltar a surpreender com um disco que não sofra engasgos nem contenha vácuos criativos, sendo apenas pontuado por momentos fascinantes. Alguns dizem que isso é culpa de sua rotina de mulher realizada e feliz, mas eu não afirmaria isso com tanta segurança. De qualquer modo, já que ela há algum tempo adora incorporar personagens e não parece que vá mudar de estratégia tão cedo, esse poderia ser um meio de encontrar novamente a química da sonoridade esquecida.

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senha: seteventos.org

2 Comentários

  1. Rodolfo Rodolfo

    Eu conheci a Tori com o lançamento de “The Beekeeper”. Os fãs não gostam muito desse disco. Eu compreendo, principalmente para os fãs das antigas, pois de “Little Earthquakes” para frente houve muitas mudanças. Mas para mim, que me tornei admirador da Tori ao ouvir este álbum, “The Beekeeper” me soa muito bom. De todas as 19 faixas, dispenso apenas a faixa título. Ele tem uma veia pop, que não é descartável. Parece-me que a Tori soube mesclar todo o som alternativo e não-comercial que ela faz com pitadas pop que são de desgustação mais fácil.

    Depois pesquisei o restante da discografias e me impressionei com “Scarlet’s Walk”. Até agora, este é o meu disco favorito dela. Gosto da temática do álbum e dos arranjos que sabem criar um ambiente muito bom. “I Can’t See New York”, por exemplo, me deixa de joelhos bambos. Que arranjos maravilhosos.

    E de certa forma, a Tori vinha seguindo uma linha parecida no álbuns seguintes “The Beekeeper” e “American Doll Posse”. Cada um com um toque diferente, mas uma linha parecida, não se pode negar. E acho que por não seguir essa linha sonora em “Abnormally Attracted To Sin” o álbum não me agradou muito.

    Eu achei algumas canções soturnas demais. Sorturnas demais até mesmo para a Tori Amos. E, de certa forma, esse disco me pareceu meio eletrônico. Não do tipo eletrônico dançante, mas sim nos arranjos. Enfim, não sou um grande entendedor de música. Só sei que não gostei desse álbum. .

    A Tori é uma grande artista, porém, ela tem uma discografia muito irregular. Eu gosto bastante de “Scarlet’s Walk” (como já disse, rs) e do “From The Choirgirl Hotel” e não suporto “Abnormally Attracted To Sin” e “Strange Little Girls”. Tem músicas que são maravilhosas, outras são péssimas. Os clipes… alguns bons, outros ruins de chorar. Uma hora ela se mostra muito boa, outra hora ela se mostra bem… chata! rs.

    Mas o talento dela é inegável. Pena que nesse disco, ela deixou esse talento guardado na gaveta.

  2. Sou um grande admirador e seguidor da Tori e achei este site por acaso, procurando críticas sobre o “Abnormally…” e fiquei surpreso. Sua análise não somente do álbum, mas do estilo e evoluçao da Tori com o passar dos anos foi super coerente, apontando os seus deslizes e inovações. Ela tem mesmo uma fixação com personagens, né? Mas eu acho divertido comprar um cd e imaginar diferentes Toris cantando e tocando enquanto folheio os encartes cheeeeios de conceitos. Por isso gostei muito do American Doll Posse. A inquietação, angústia e raiva deram lugar à incorporação arquétipos que, de alguma forma, devem simular ou traduzir sentimentos escondidos dela, já que agora é uma mãe quarentona, milionária e bem-casada e não tem mais demônios pra exorcizar.
    Agora com este novo… não sei… tô descobrindo ainda… “conversando” com ele, rs.

    Vou recomendar este link pra outros fãs.
    Abraço
    (ouvindo Curtain Call, que até agora, é minha preferida do cd)

    Dave

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