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Tag: cinema romeno

“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, de Cristian Mungiu. [download: filme]

4 Luni, 3 Saptamani si 2 zileNa romênia do fim da década de 80, Otília e Gabriela, duas jovens estudantes de uma politécnica, uma delas grávida, se preparam para a realização de um aborto ilegal.
O elemento mais peculiar do filme de Cristian Mungiu é o retrato da ilegalidade em um país sob o jugo do regime socialista – no caso, o soviético. Desde a sua sequência inicial, que ilustra o comércio clandestino de itens importados em uma residência estudantil, até o processo de contratação de alguém que efetue o aborto, o espectador vai sendo apresentado à alguns exemplos dos obstáculos impostos pelo regime aos afazeres cotidianos e à privacidade dos que são governados, muitas vezes apresentando punições severas tanto para contravenções menos quanto para as mais moralmente reprováveis. A opressiva vigilância, típica destes regimes, também é alvo das lentes do diretor, que mostra ela ser exercida mesmo por prestadores de serviços particulares que se mostram sempre dispostos a cometer arbirtrariedades e grosserias por deter, de certo modo, uma posição de dominação diante do indivíduo comum.
Mas além do caráter político particular ao país que serve de cenário ao filme, “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” também envereda por temáticas mais universais. É através da relação existente entre Otília e Gabriela que o diretor investiga a dedicação, a entrega, a confiança e o companheirismo entre amigos, em algumas circunstâncias fazendo-o de maneira sutil, em outras testando os limites e a equivalência destes sentimentos entre ambas as amigas ao expô-las de modo brutal à situações limite. O silêncio abissal e o visível deslocamento de Otília na longa sequência do jantar na casa de seu namorado é um dos momentos para que o diretor explore efetivamente a união existente entre as duas garotas, já que o comportamento dela é visivelmente o resultado de sua enorme preocupação em ter deixado a amiga sozinha. Contudo, ela não é a única a manter-se calada, já que Adi, seu namorado, também o faz, mas por diferente motivo: Adi cala-se pelo constrangimento diante das tradições, ritos e dogmas familiares, o que extende a cena para, ao mesmo tempo, adentrar questões sociais.
Porém, a questão central do longa-metragem é o processo de aborto induzido, efetuado com um cuidado que ilustra apenas o necessário do método utilizado, de seus efeitos e de seu resultado para que o espectador tenha idéia do que representa um aborto ilegal. Esse realismo, ainda que ponderado, em retratar o procedimento de um aborto provocado é que a primeira vista denuncia o posicionamento do diretor contra a prática do aborto. Porém, as verdadeiras motivações para seu posicionamento – ao menos no que tange esta situação específica – são sutilmente apresentadas em vários momentos aparentemente inofensivos e irrelevantes da trama: o comportamento insistentemente irresponsável e displicente de Gabriela, gerador de toda a situação que ela e sua amiga enfrentam, é que de fato responde ao partido que Mungiu tomou quanto ao tema.
Foi provavelmente muito mais por declarar sua postura contrária ao aborto sem recorrer ao moralismo barato do que por ilustrar a opressão sutilmente dissimulada do regime socialista que este tenha sido o filme escolhido para receber a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2007. A meu ver, “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” não é exatamente um longa que justifique premiação, ainda mais no universo das produções européias, onde raramente há um ano que passe sem pelo menos um filme arrebatador, mas não há dúvidas que ele se mostra efetivamente competente naquilo que se propõe a discutir, pois até mesmo seus recursos técnicos são aplicados conotativamente ao espírito do argumento e da atuação de todo o elenco – afinal, não é tão difícil perceber que os silêncios tensos, exacerbados pela mais completa ausência de trilha sonora, a fotografia simplista, que reforça a fria impessoalidade dos ambientes internos e a intranquilidade claustrofóbica das ruas sombrias, e a câmera desconcertante, que prima por planos longos e se mantém sempre distante dos personagens, quando não os ignora por completo, servem como companhia fiel ao olhar enfastiado, aliviado e incrédulo de Otília que encerra o longa-metragem.
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“Amém”, de Costa-Gavras.

AménNo advento da Segunda-Guerra Mundial, especialista em substâncias químicas para limpeza e tratamento da água é contactado e incluído na força nazista da SS. De fé católica, ao descobrir o uso que os oficiais nazistas fazem de seus conhecimentos em química, o agora agente do império ariano tenta advertir a igreja sobre o extermínio de judeus e acaba recebendo a ajuda de um padre com contatos no alto escalão da organização do Vaticano.
Costa-Gravas é conhecido pelos seus projetos polêmicos, e este filme não foge à regra. A produção francesa é contundente e ousada ao retratar a tolerância de grande parte do clero e da administração da igreja católica romana aos atos da “solução final” da Alemanha nazista – o filme chega a sugerir, na sua sequência inicial, a participação de algumas instituições relacionadas ao Vaticano no extermínio de inválidos internados para tratamento. Diretor cujo cinema é politizado e engajado, Costa-Gavras revela o cinismo do Vaticano em refutar a existência dos campos de extermínio e o temor do alto clero devido as implicações políticas no advento do envolvimento da instituição religiosa no conflito, já que a eventual vitória da investida Nazista no território da União Sovitética interessava ao Vaticano. Além disso, a hipocrisia da igreja diante dos atos perpretados pelos alemães nazistas contra judeus, mesmo dentro de território italiano, também é exposta no filme.
Os protagonistas Ulrich Tukur, como o oficial Gerstein, e Mathieu Kassovitz, como o padre Riccardo Fontana, esbanjam excelente performance nos seus papéis – não há como não se compadecer da dor do oficial da SS, que arriscou-se o quanto pode para tentar intervir nos planos de extermínio nazistas, e do martírio do padre católico, que via, pouco a pouco, a instituição em que tanto acreditava definhar diante do comodismo político.
É importante ressaltar que muitos encontrarão semelhanças entre “Amén” e “A lista de Schindler”, do diretor americano – de origem judia – Steven Spielberg. Isso não é por acaso, já que seus argumentos retratam, igualmente, alemães em conflito com os atos da ditadura de Hitler. No entanto, a abordagem de cada um dos filmes difere bastante: enquanto Spielberg se esbalda em utilizar-se de sequências que retratam os requintes de crueldade da violência do regime nazista contra aqueles que perseguia, Costa-Gravas é muito menos gratuito na proposta de seu filme, evitando cair na exploração visual do genocídio, já que compreende que, no seu cinema, a sugestão dos atos perpretados pelos homens de Hitler é suficiente e bem mais eficiente do que a exposição destes. Um bom exemplo disto são as recorrentes sequências em que locomotivas com inúmeros vagões – por vezes com as portas abertas, em outras com estas fechadas – percorrem trilhos por campos tranquilos: ao assisitir o filme sabe-se que a placidez do ambiente exterior – estonteantemente retratado pela fotografia de Patrick Blossier – contrasta violentamente com o temor da realidade do que estaria no interior dos vagões. A trilha sonora também contribui muito para o tom realista do longa-metragem, já que foi composta e conduzida com a supressão de qualquer grandiloquência sonora, que só faria atrapalhar a sobriedade do filme e ofuscar o trabalho excepcional dos atores.
Ignorado massivamente pela mídia quando do seu lançamento, em 2002, “Amén.” está entre a leva recente de filmes que conseguem reutilizar a temática do nazismo e do Holocausto abordando facetas ainda não exploradas pela maioria dos filmes produzidos até hoje, e que só com o devido distanciamento podem ser analisadas de forma adequada – construindo uma narrativa poderosa sem ser apelativa, evitando o sentimentalismo excessivo e ufanismo que os filmes americanos costumam apresentar ao tratar do tema, por exemplo. Depois de deixar-se tomar pela catarse de filmes como “A lista de Schindler” e “O pianista” é sempre bom acalmar os sentidos e promover uma reflexão daquilo que foi visto, explorando uma visão mais abrangente e distanciada sobre a complexidade do conflito – reflexão esta que é bastante facilitada pela sobriedade de filmes como o de Costa-Gavras.

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“Código Desconhecido”, de Michael Haneke.

Code InconnuUma talentosa atriz que não sabe exatamente como lidar com as vulnerabilidades da vida humana. Seu namorado, um fotógrafo jornalístico que é igualmente incapaz e por isso passa a maior parte do tempo afastado e em meio à uma realidade mais cruel e miserável sem, no entanto, conseguir processá-la. Seu jovem irmão, petulante e irreponsável, incapaz de enxergar algo que não seja a si próprio. Seu pai, um homem embrutecido e que não consegue romper a armadura de insensiblidade que construíu ao redor de si e, por isso, não consegue estabelecer qualquer comunicação com o filho. Uma imigrante ilegal romena que encontra na mendicância a única opção para sustentar a si e sua família, da qual vive afastada. Um jovem imigrante africano que trabalha com deficientes auditivos e tenta lutar contra o preconceito contra os estrangeiros, em vão, obviamente.
Estes são os personagens do incômodo filme Código Desconhecido: relato inacabado de várias jornadas, do diretor Michael Haneke. Incômodo sim, mas de expectação urgente: impossível ser mais atual depois da recente onde de violentos protestos organizada por imigrantes e descendentes de imigrantes franceses. Mesmo utilizando recursos e técnicas comuns no cinema de arte europeu, como tomadas longas e sem interrupções, diálogos pontuados por silêncios gritantes, cenas cuja ação transcende o campo visual do expectador, Haneke consegue prender a atenção pela lógica contrária à de qualquer filme: há momentos tão realisticamente incômodos que o expectador sente vontade de desligar a TV. Mas, sabendo tratar-se da causa desse sentimento a constatação dos fatos retratados no filme serem a mais pura realidade, ele toma coragem e continua a assistir. É uma espécie de catarse expectativa: nos sentimos obrigados a ver isso não porque achamos que vamos encontrar a solução para os problemas do mundo, estejam eles compreendidos em uma esfera mais sócio-universal (como o anti-semitismo e a miséria) ou pessoal (como a incomunicabilidade afetiva), mas para que possamos ter, ao menos, uma atitude mais compreensiva e paliativa diante de tudo. Se pensarmos apenas nas mazelas sociais que o filme mostra – e já expliquei que ele não se contenta apenas com isso – e relacionarmos com a França de hoje, podemos dizer que Haneke foi profético: “Olhem como agimos, olhem o que está acontecendo. Não há o que fazer. É sentar e esperar tudo explodir pelos ares.” Foi o que aconteceu.
A direção, precisa e inteligente o bastante para deixar a ação ser guiada pelo elenco excepcional, dá espaço para que Julitette Binoche destaque-se no elenco com uma atuação estupenda em cada detalhe mínimo. Mesmo quem não tem qualquer familiaridade com a atriz pode afimar, assistindo apenas este seu trabalho, ser ela uma das melhores atrizes do mundo – e Haneke, por consequência, fica na memória como um dos mais promissores diretores europeus.

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