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Tag: rock brasileiro

Fafá de Belém – Humana [download: mp3]

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A brasileiríssima Fafá de Belém, conhecida por sua musicografia genuinamente popular de verve romântica e festiva, aos 62 anos se traja em contemporaneidade, elegância e arrojo musical com o disco Humana. Sob a batuta do produtor Zé Pedro (muito conhecido do tempo em que era DJ do programa Superpop, versão Adriane Galisteu) e direção artística de Arthur Nogueira a partir da concepção da artista paraense, o disco de dez faixas apresenta composições originais e gravações com melodias coletivamente concebidas pelos músicos da banda. Tirando um par de faixas que não parecem se encaixar no projeto (“O Resto do Resto”, que não empolga com seu arranjo de MPB blasé, e “Eu Sou Aquela”, que apesar da qualidade das letras, tem arranjo cansativo, soando repetitiva por não diferir do que a intérprete já fez anteriormente ao longo da carreira), o disco é uma lufada de frescor no atual cenário musical brasileiro, cujos artistas, tanto os consagrados e veteranos da MPB (que jocosamente costumo chamar de “aristocracia artística”) quanto novatos estão mais preocupados em fazer panfletarismo político-ideológico do que música, e mesmo quando resolvem fazê-la, esta é inevitavelmente transformada em panfleto, que se não é algo bastante oportunista, no mínimo é cafona e datado, com prazo de validade fatalmente determinado. Deste modo, mesmo que alguém possa ler a divertida faixa “Alinhamento Energético” (com letras deliciosamente debochadas da artista indie Letrux e recebendo aqui um tratamento de primeira da banda, com bateria requebrada e guitarra e teclado inspirados) como tendo algum posicionamento desta ordem (em poucos dias desde o lançamento de Humana, muita gente já correu pra fazer essa interpretação míope do disco), não se encontra fundamentação alguma para tanto que não seja a vontade de fazer esta leitura, e ainda que esta fosse verdadeira, a despeito disso a faixa reteria todo seu charme e inteligência, diferentemente das “músicas de protesto” concebidas tanto por medalhões da MPB quanto por artistas independentes desde meados do ano passado que, via de regra, tem qualidade sofrível (e estou sendo bem gentil, na verdade são medíocres). E, olhem, Fafá não veio mesmo ao mundo a passeio, como se pode perceber na faixa de abertura do disco, “Ave do Amor”, composição original de Ana Rocha em parceria com o diretor artístico de Humana: iniciando com toques acetinados no piano, a faixa logo ganha ímpeto pelo toque firme na bateria e contornos de indie rock devido ao trabalho genial da guitarra e baixo. O rock, por sinal, é a alma de outra das gravações originais do disco: “O Terno e Perigoso Rosto do Amor”, criada por Adriana Calcanhotto a partir do poema homônimo de Jacques Prévert, esbanja volúpia blues rock para ficar em pé de igualdade com o vocal de Fafá, transbordante de ardor e sensualidade. Porém, em “Eu Não Sou Nada Teu”, de autoria de Zé Manoel, pianista do álbum, Fafá encobre seu vocal no retrato mais fiel da dor, concedendo ao público uma interpretação soberba e impecável em versos como “pois a ausência dos vivos é pior de aguentar, morre em minha vida, como meu pai o fez, doce é a despedida de quem se vai de vez”.
A artista paraense e sua banda, porém, não capricharam tão somente nas faixas lançadas originalmente neste disco, as reinterpretações de músicas já conhecidas (ou nem tanto) também receberam igual atenção e dedicação, como “Revelação”, sucesso conhecido na voz do cearense Fagner. Na versão de Fafá, vocal e melodia transitam entre delicadeza, furor e introspecção. “Não Queiras Saber de Mim”, regravação de música do cantor português Rui Veloso, surge aqui triste e amargurada, com piano doce e frágil e bateria e guitarra recolhidos. “Dona do Castelo”, originalmente cantada por Jards Macalé e muito conhecida na gravação de Adriana Calcanhotto, prossegue no clima tristonho, mas tanto a bateria quanto a forte interpretação da paraense se sobrepõe firmemente ao restante do instrumental. E apesar de a versão de Fafá para “Toda Forma de Amor” não fugir do usual das reinterpretações de clássicos de Lulu Santos, já que preserva a atmosfera pop/rock que é a característica do cantor brasileiro, é compreensível que assim tenha sido feito para fechar este belo projeto com todo o gás, com a cantora cantando a plenos pulmões “eu não nasci pra perder, nem vou sobrar de vítima das circunstâncias”. De fato: Fafá, que sempre foi discretamente colocada de escanteio tanto pelos ditos intelectuais da academia quanto pela elite artística do país como uma artista menor por ter trafegado essencialmente pelos caminhos da legítima música popular, deixou quaisquer lamentações de lado e meteu o pé na porta para melar o clubinho da aristocracia artística brasileira, que está muitíssimo ocupada em vomitar demagogias ideológicas para retroalimentar suas vaidades na modorrenta e patética disputa de quem é mais politicamente engajado, e se colocar como a dona daquele que é possivelmente o melhor disco brasileiro do ano – o público, que está sedento por música de qualidade acima de qualquer outra questão, Fafá, agradece.

Baixe: https://www.mediafire.com/file/tn9ajk07a5ud3l6/belem-humana.zip/file

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Fernanda Takai – Onde Brilhem os Olhos Seus (+ 1 faixa bônus). [download: mp3]

Fernanda Takai - Onde Brilhem os Olhos SeusNão consigo achar o Pato Fu interessante. Não que eu odeie a banda, é mais uma sensação de tolerável indiferença: de passagem por algum lugar, não me incomodo em ficar ouvindo o som deles, mas jamais me disponho a tentar gostar de seu trabalho. Porém, um episódio recente angariou minha atenção para algo relacionado à banda mineira: descompromissadamente bisbilhotando a Saraiva Iguatemi em companhia de uma amiga, passei pela prateleira de lançamentos e me chamou a atenção o empacotamento elegante de um disco, que logo vi ser o primeiro álbum solo de Fernanda Takai – e, diga-se, só descobri naquele momento que ela tinha se arremessado em uma aventura destas. Olhando a lista de faixas, percebi logo que as composições não pareciam ser de sua autoria e foi então que dei atenção a música ambiente da loja: coincidentemente, era justamente Fernanda Takai cantando a penúltima faixa do disco. Me impressionei de imediato com o que parecia ser uma produção cuidadosa e muito delicada, e tratei logo de fazer um “bookmark mental” instantâneo para, chegando em casa, catar o disco e avaliá-lo.
Posso afirmar sem receio que Onde Brilhem Os Olhos Seus, por contar com a participação efetiva de dois outros membros da banda na produção do álbum e nos arranjos das músicas, é mais um side-project do Pato Fu do que propriamente um disco solo de Fernanda Takai. E no disco, Fernanda e seus companheiros regravam canções do repertório de Nara Leão com arranjos que muito pouco lembram a sua roupagem samba/bossa clássica – a exceção mais evidente fica por conta das faixas “Insensatez”, que ganhou uma versão linda e emocionante de Takai, mas parece nunca conseguir fugir do poderoso estigma do violão e do vocal nostálgico, e “Odeon“, que ainda remete ao chorinho gracioso de Nara -, vestindo-as em um pop/rock que as cobre de um manto brilhante, de textura nobre e macia. As músicas “Diz que fui por aí” – guiada por um piano elegante, conta com bateria suave e cheia de categoria, com farpas de uma guitarra tristonha e vocal dulcíssimo -, “Com Açúcar, com afeto” – que ganhou as cores luminosas e resplandecentes de um pop/rock feito de acordes de guitarra e baixo certeiros, teclado de toques ternos, e bateria de cadência firme e sutilmente ligeira – e “Descansa Coração” – que tem como companhia do teclado, da bateria, do violão e do baixo, este último responsável pela espetacular introdução pulsante, a esplêndida adição de um cravo cuidadosamente dedilhado – são todas abordadas nessa musicalidade que soa mais fluorescente e contemporânea. Duas faixas, contudo, ganham uma identidade mais afastada do que se convém imaginar tanto de Nara quanto de Fernanda e sua trupe: “Canta, Maria” ganhou traços sacros, devido à tristeza da programação etérea, que sintetiza a sonoridade cristalina de sinos e orgãos, e “Ta-hi” surge revestida em um silêncio no qual a programação quase cósmica e o cravo intensamente metálico criam uma ambiência dramática fabulosa.
Ao invés do caminho usualmente trilhado por bandas e cantores ao se debruçarem em projetos paralelos, que se divide entre se afastar da sua sonoridade oficial, pisando em terrenos mais estranhos, ou de adotar a sonoridade herdada das canções selecionadas, quando se trata de um projeto de regravações, Takai e companhia decidiram que o melhor era, no conjunto das canções do disco, aproximá-las daquilo que eles sabem melhor fazer – pop e rock, claro. E mesmo que vez ou outra alguma música do disco possa soar chata, os melhores momentos de Onde Brilhem Os Olhos Seus deram chance à Fernanda e seus comparsas do Pato Fu de se por à frente dos holofotes do pop/rock brasileiro mais elegante e culto, colocando os barbudos chatinhos do Los Hermanos bem sentadinhos na arquibancada para assistir à tomada desse palco, sem estardalhaço, bem à moda mineira, com a sensibilidade pop, a classe e, principalmente, a naturalidade que Marcelo Camelo e sua cria não conseguem obter, já que são muito mais afeitos ao uso de todo um exército de artíficios um tanto quando pedantes.
Baixe o disco utilizando o link a seguir e a senha abaixo para descompactar os arquivos.

senha: seteventos.org

http://www.badongo.com/file/7626620

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