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Tag: ingmar-bergman

“Sonata de Outono”, de Ingmar Bergman. [download: filme]

HostsonatenEva convida a mãe, Charlotte, uma pianista de sucesso, para visitá-la depois de longos sete anos sem que as duas tenham estabelecido qualquer contato entre si. A pianista aceita, e ao chegar é informada por Eva da presença na casa de Helena, sua filha mais nova, uma mulher com severa debilitação física que Charlotte imaginava ainda estar em uma instituição onde a colocou e não mais procurou ver. Dentro de pouco tempo sua estadia vai servir para que Eva exponha toda a mágoa do passado que levou-as ao afastamento.
O cinema de Ingmar Bergman é marcado pela construção de uma cenografia, fotografia e composição de cenas que não apenas possuíam imensa beleza plástica, mas que contribuíam com o tecido próprio da história que queria contar, pelo modo como trabalhava as interpretações de seus fiéis atores com o máximo de eficiência e pelo olhar inquisidor e crítico que o diretor sueco debruçava sobre os temas que abordava. “Sonata de Outono”, filme de 1978, é mais um exemplo excepcional deste trabalho tão requintado e cauteloso do celebrado diretor europeu.
A qualidade dos aspectos técnicos de “Sonata…” supera a sua própria utilidade, pois a cenografia e fotografia irretocavelmente belas foram arquitetadas de modo a reforçar a idéia de que os personagens que ali estão tentam disfarçar inutilmente as profundas atribulações que carregam à tanto tempo cercando-se com um manto de solidez, constância, equilíbrio e austeridade que são, claro, pura aparência, assim como também a composição e enquadramento das cenas foi delicadamente planejado afim de aprofundar e potencializar o impacto, no espectador, das emoções em que os personagens se encontram imersos. O que nos leva ao trabalho das atrizes, que abrilhanta o labor sempre genial do diretor sueco incorporando estas três protagonistas amarguradas com invejável afinco, concedendo-lhes, em iguais e intensas doses, uma emoção enormemente palpável tanto nos seus gestos e reações mais mínimas e contidas quanto nas mais explosivas e extravasadas. E, por falar em personagens, grande parte da análise e da crítica que é abordada no argumento de “Sonata de Outono” foi montada por Bergman explorando o comportamento e os atos de uma personagem apenas: se por um lado Charlotte foi concebida como um poço dos sentimentos, atitudes e reações dos mais reprováveis, devido à displicência e aversão disfarçadas mas implacáveis que nutria por seu marido e filhas, tudo servindo ao intuito de que o diretor expiasse a que níveis o egocentrismo, o egoísmo, a indiferença e insensibilidade podem existir em uma relação na qual a oferta de carinho, amor e compreensão seriam mais certos, por outro lado, ao ser caracterizada como alguém incapaz de oferecer amor genuíno e desviar seu olhar de seus próprios e objetivos e de suas eventuais frustrações, ela acaba também materializando uma crítica à imposição das convenções sociais – um tema recorrente no cinema do diretor -, já que, para uma mulher como Charlotte, a constituição de uma família é uma ruína previamente declarada para si e para aqueles que dela farão parte.
Do trabalho e auxílio de cada um destes elementos temos um filme onde o foco de Bergman, uma vez mais, concentra-se em revelar a vida como palco de um sofrimento que, se não é interminável é, ao menos, bem mais certo do que a tão almejada felicidade: produto de frustrações, dramas, amarguras e mágoas que acumulam-se sorrateira e silenciosamente, este sofrimento tão espetacularmente exposto pelo diretor sueco faz apenas aguardar de modo silencioso o momento de solapar traiçoeiramente a frágil, débil felicidade que tentamos salvaguardar grande parte de nossa existência. E, após sofrer com as chagas deixadas pela sua impiedosa chegada, tentamos nos agarrar a esperança de que, um dia, ele dará lugar a felicidade, que julgamos ser possível reconstruir dos cacos que esta acabou miseravelmente se transformando. É inútil: para Bergman, o sofrimento é a constante da vida.
Baixe o filme utilizando os links a seguir.

OBS: legendas embutidas em inglês.

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“Gritos e Sussurros” de Ingmar Bergman.

Viskningar Och RopKarin e Maria cuidam de sua irmã Agnes em seus momentos finais de vida, com a ajuda integral de Anna, a empregada desta família abastada.
Muitos críticos afirmam que “O Sétimo Selo” seria a obra-prima máxima de Ingmar Bergman. No entanto, que validade tem tal afirmação diante de um cineasta cujas obras são quase sempre geniais? “O Sétimo Selo” é apenas uma das grandes obras de Bergman, e “Gritos e Sussurros” é uma das suas obras-primas mais contundentes.
De estrutura teatral, mas tecnicamente luxuoso, o longa-metragem é um dos retratos mais cruéis do estertor físico e mental humano, um painel sem concessões da mesquinharia e egoísmo, mas também um testemunho da resignação, fé, compaixão e placidez espiritual. Explorando um pensamento cristão com destreza, o filme mostra a vida como palco do sofrimento e dos defeitos humanos mais condenáveis e a morte como o encontro com aquilo que define nosso destino inevitável, quer este encontro ocorra com resignação ou não. Enquanto Maria, mimada e fútil, e Karin, fria e distante, não conseguem estabelecer contato entre si como membros de uma mesma família e vivem uma vida de conformismo social, avaliando-se sempre como infelizes e incompletas, Agnes, mesmo com todas as crises de sofrimento físico e psicológico, exige muito pouco do que lhe resta de vida, desejando apenas algum companheirismo e um pouco de afeto. Como já se pode prever, suas irmãs nunca seriam capazes de lhe oferecer isto, uma vez que encontram-se ali apenas por conta da mesma formalidade social que as colocou em seus casamentos de aparência, e apresentam-se mais preocupadas com o que julgam ser seus dramas pessoais do que em auxiliar a diminuir o sofrimento da irmã. À Agnes só resta Anna, a empregada que, tendo há alguns anos perdido a única filha por conta de uma enfermidade, lhe oferece o conforto e amor maternal necessários neste momento, com implacável compreensão e afeto. O luxo e a impecabilidade técnica não são pura frivolidade ou esteticismo vazio do diretor. Para expressar esse mundo de aparências e convenções sociais, era mesmo necessário retrata-lo de maneira convincente, em todos os seus detalhes: o guarda-roupa esplêndido e inacreditável, a arquitetura soberba e a mobília irretocável só confirmam esta realidade tão cheia de cerimônias e frivolidades. O uso intenso de um tom de vermelho vivo nas paredes dos cômodos também tem seu objetivo: esta é cor do sangue, portanto cor que remete à vida – e não há como falar de vida sem falar também em morte.
Dois momentos no filme mostram o quão espetacular um cineasta pode ser. Primeiro, a longa seqüência que apresenta um dos momentos de maior sofrimento de Agnes, em que permanece horas com uma respiração cortante e ríspida. A cena é de uma agonia quase insuportável, e quem sobrevive a esta cena, por si só, pode considerar-se vitorioso como espectador de cinema. A segunda é a cena em que as irmãs Karin e Maria ensaiam, enfim, um entendimento e aproximação: é espetacular a consciência de Bergman de manter privado o conteúdo da conversa entre estas duas mulheres, substituindo-o por uma peça musical soberba e mantendo apenas a imagem das duas irmãs trocando carinhos.
Porém, o momento mais tocante do filme é mesmo a sua cena final, quando Anna nos apresenta uma lembrança de Agnes, registrada em seu diário: em um dos seus poucos momentos de tranqüilidade física, passeando no jardins da mansão da família em companhia de Anna e suas duas irmãs, ela reflete, mesmo consciente de sua situação terminal, o quanto sente-se feliz só por estar vivendo aquele momento de união com suas irmãs, a quem amava tanto. Tendo testemunhado, momentos antes, a indiferença de Karin ao seu amor e o nojo de Maria com a situação da enferma, é impossível evitar lágrimas nos olhos diante do testemunho da elevação espiritual de Agnes, do alto de todo o sofrimento pelo qual passava e passaria. Não há mais o que dizer depois disso – e Bergman, soberbamente genial, entende que só lhe resta encerrar o filme ali mesmo.

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