Florence Welch disse que deseja que sua música desperte sentimentos fortes em quem a ouça, como a sensação de atirar-se de um edifício ou de ser capturado para as profundezas do oceano sem qualquer chance de prender a respiração. Parece um tanto exasperante, para não dizer presunçoso, mas é este tipo de sensação que se tem ao ter contato com as criações de Florence + The Machine, a banda encabeçada pela artista britânica. Nela, Florence dá vazão à todo o seu impressionante furor artístico, que mistura melodias vistosas, repletas de complexas camadas sonoras à letras poéticas, em sua maioria enormemente metafóricas. O elemento que dá liga a estes ingredientes saborosos é o seu vocal, utilizado pela garota em todas as suas possíveis matizes e variações de volume, não raro emitido em gritos longos e possantes. A substância obtida desta receita é uma música sofisticada e vibrante que tem a mesma identidade idiossincrática e indefinível de artistas como Kate Bush, a Björk intimista de Vespertine, My Brightest Diamond e Bat For Lashes.
Porém, mesmo sem saber exatamente como definir as criações desta artista britânica devido à sua mistura de gêneros, se há algo que se pode dizer ser recorrente em grande parte das músicas deste seu primeiro disco é o uso extenso de uma percussão escandida com força numa síncope potente e bem marcada, concedendo às canções uma atmosfera algo ritualística. Os acordes agudos do banjo e da harpa em “Dog Days are Over”, o volumoso uso de vocais em “Rabbit Heart (Raise It Up)” e “Drumming”, o piano de toques esparsos e dramáticos e as sintetizações salpicadas em “Howl”, a harpa cheia de calor em “Cosmic Love” e o orgão e o arranjo orquestral salpicado de pizzicatos de “Blinding” chegam todos acompanhados de uma bateria e percussão que não se escondem na canção, ao contrário, mostram-se em toda sua glória, usurpando os ouvidos sem qualquer receio e emitindo uma quase imperativa necessidade de sacudir o corpo.
Mas não há erro em afirmar, no entanto, que as criações de Florence e sua máquina partem de bases rockeiras. Tanto “Kiss With a Fist”, na qual a cantora declara que um amor recheado de socos e pontapés é melhor que amor nenhum, “You’ve Got The Love”, cover de uma canção gospel que prega que o amor divino existe mesmo nos tempos difíceis, e o cover “Girl with One Eye”, apesar de sua sutil camada country, exalam a fragrância mais emblemática do gênero: uma fartura de múltiplos riffs de guitarra assaltando a melodia ou preenchendo todos os espaços possíveis. Mas mesmo neste disco tão repleto de canções fabulosas, “Bird Song”, faixa bônus da versão deluxe do disco que igualmente pertence à faceta mais nitidamente rock da artista, ainda consegue se elevar em meio as que acompanham como a música mais brilhante do lançamento: iniciando com alguns versos a capella, logo acompanhados por uma guitarra melancólica, a melodia vai alternando um crescendo de momentos reflexivos com outros repletos de ira até explodir em uma orgia sonora sem economia nos vocais, no arranjo melódico e no sentimento que jorra como lava do Monte Vesúvio ao desenhar metaforicamente nas letras a consciência arrependida de alguém como o cantar de um pássaro delator. E é assim, expelindo suas emoções sem receios de soar vibrante, urgente e épica, mas também nunca renegando o direito de soar delicada e gentil quando deseja que Florence + The Machine traz para o rock alegorias em sons e versos que enfeitiçam o espírito e hipnotizam os sentidos dos ouvintes, exigindo com toda propriedade seu lugar na seleta galeria de músicos que conseguem encobrir suas composições em erudição e sofisticação e ainda preservar o seu caráter potencialmente acessível. Sim, Florence Welch é mais uma daquelas artistas que dificilmente se contenta em soar comedida ou simples, porém o abundante requinte com o qual suas composições são impregnadas permitem que nossos sentidos captem apenas a sua fervente e quase primitiva beleza.
senha: seteventos
ifile.it/694ows1/machine_-_lungs.zip
19 Comentários