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seteventos Posts

AaRON – Birds in the Storm. [download: mp3]

Aaron - Birds in the Storm

Simon Buret e seu fiel comparsa musical, Olivier Coursier, que forma com ele a dupla AaRON, voltaram ao mercado este mês com o sucessor de Artificial Animals Riding On Neverland, o disco Birds in the Storm. Como aconteceu no primeiro trabalho, os dois músicos põe seu bom gosto à serviço do pop e do eletrônico da França, criando mais um álbum recheado de melodias esplêndidas, crivadas de beats elegantes, uma programação irreprimível e vocais irresistíveis de Simon. “Ludlow”, faixa inspirada em um passeio pela rua homônima em New York, já abre o disco matadora com sua melodia contruída aos poucos em uma marcha onde os instrumentos e elementos da programação vão se sucedendo uns aos outros até formarem uma melodia pop homogênea e incandescente. “Rise”, apesar do nome, é levada em um pulso de peso mais melancólico, com guitarras e bateria de toques conformados e vocal sôfrego e consternado. “Seeds of Gold”, porém, encaminha-se para uma trilha liricamente mais esperançosa e melodicamente menos triste, sendo conduzida por acordes de piano singelos, uma batida firme, riffs de guitarra ondulantes e vocais doces e delicados que unidos finalizam um pop simples e eficiente. “Inner Streets” também convoca o piano para dar guia à melodia, que tem como base um beat moderadamente agitado, feito de loops e sintetizações que marcam a melodia dramaticamente em conjunto com o piano – a canção ganha uma versão alternativa no final do disco, “Inner Streets (3rd Street)”, que remove o piano e intensifica a base eletrônica com loops e sintetizações mais sujas, o que confere um caráter mais dançante à canção, porém também imprimindo uma indentidade mais soturna. Também partilham o caráter electronic-heavy e dark da versão alternativa de “Inner Streets” a faixa-título de Birds in the Storm, exibindo traços melódicos mais polidos, com reversões sonoras e solos de piano que inserem lirismo na canção, e “Passengers”, que é introduzida por uma guitarra com sombreado grunge que, ao longo da música, vai aos poucos sendo encoberta por uma programação eletrônica densa e múltiplas harmonias e riffs mais intensos do próprio instrumento, exalando vapores sutis das guitarras que os britânicos do Portishead tanto adoram. De concepção semelhante à esta última, na triste “Arm Your Eyes”, a dupla conduz a melodia com harmonias melancólicas de piano e guitarra, inserindo aos poucos, em um crescendo discreto, a base eletrônica e os próprios acordes de guitarra e piano, que intensificam-se em um todo tão melancólico quando o vocal de Simon.
Mas o traço melancólico, bem como as feições sombrias de algumas composições da dupla, que já existiam no primeiro disco, são ressaltadas quando os franceses se livram do apoio de elementos eletrônicos, atendo-se apenas à acústica de violões ou piano, como ocorre na última faixa do disco, “Embers”, onde os acordes etéreos e difusos do piano, bem como o vocal entre o amargor e o lamento, soam tão estranhamente fantasmagóricos quanto as composições de PJ Harvey em White Chalk, deixando em quem ouve uma enorme curiosidade sobre como seria se a dupla produzisse um disco que se resumisse apenas à este folk tão peculiar. Curiosidades à parte, porém, Birds in the Storm é a confirmação do talento desta dupla francesa, que foge da pasmaceira muitas vezes enjoativa e um tanto rotineira produzida por parte das duplas do electro-pop ao injetar uma dinâmica e calor melódicos que dificilmente são encontrados no trabalho destes músicos, tudo ainda coroado pelos traços sombrios e tristes que emanam de algumas faixas, o que dá todo sentido ao título deste segundo disco, já que, como os pássaros marinhos, a dupla prefere se arriscar nas rajadas traiçoeiras de uma intempérie do que repousar na segurança previsível da brisa de climas mais amenos – e em nome da beleza da música, eu espero que isso seja sempre assim.

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ifile.it/3f6gbpo/sigla_-_storm.zip

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Hoje – Amália Hoje. [download: mp3]

Hoje - Amália Hoje

Criação paralela de quatro músicos de diferentes bandas do cenário atual da música portuguesa, o projeto Hoje, muito semelhantemente ao disco solo de Fernanda Takai, foi criado especialmente com a idéia de produzir regravações de faixas emblemáticas gravadas por uma das mais célebras cantoras de fado, a portuguesa Amália Rodrigues. Para a nada fácil tarefa de dar voz aos versos tornados famosos por Amália, foram chamados Fernando Ribeiro, parte da banda Moonspell, Paulo Praça e Sónia Tavares, esta última membro do The Gift e detentora de uma voz grave, de matizes líricas, que ecoa fundo nas músicas. A caprichadíssima produção do disco, a cargo de Nuno Gonçalves, também membro do The Gift, mistura o transbordamento luxuoso de arranjos orquestrais com o sutil experimentalismo de elementos eletrônicos. É o caso exemplar de “Abandono”, que com um andamento acelerado de bateria, acordes marcantes de piano e várias camadas de vocais é mergulhada em sintetizações espiralantes e em um arranjo de violinos incessante e vertiginoso. “Grito”, que é iniciada com uma base suave de um bolero, mas em pouco tempo é inundada por um onda de violinos intensamente melancólica e dramática que é a combinação ideal à voz triste de Fernando e ao vocal de apoio de Sónia, e “Gaivota”, cuja melodia pomposa devido à programação e acordes de piano espalhados pela canção vai crescendo paulatinamente e ganha um acabamento cada vez mais épico pela orquestração farta, pela percussão em tom marcial na ponte sonora e pelo arranjo escandalosamente cinematográfico de cordas, são também faixas que aliam camadas sinfônicas com intervenções eletrônicas sutis.
Há, porém, momentos em que um elemento sonoro sobressai na melodia, como em “Formiga Bossa Nova”, famosa neste lado do Atlântico na voz de Adriana Calcanhotto, que apesar de não ter ganho dos portugueses uma versão tão lúdica quanto a da brasileira, recebeu um tratamento modernoso e upbeat, cujo ritmo sutilmente swingado da percussão eletrônica e do solo de trompete é salpicado por ruídos, distorções e iluminuras sonoras que aquecem a melodia. Já na belíssima versão de “Medo” acontece o oposto: é a veia sinfônica do álbum que se projeta dona da melodia, acompanhando a espetacular interpretação teatral do vocal de Sónia, que se debulha em sofrimento para fazer frente ao arranjo orquestral inacreditavelmente impecável da London Session Orchestra.
Mas é talvez a sensibilidade na seleção das faixas a grande sacada deste projeto português, como bem se percebe na abertura e fechamento do álbum do grupo: enquanto a suntuosa versão de “Fado Português” apresenta ao conhecimento dos ouvintes uma das prováveis origens deste gênero musical, que dizem deter em si tanta melancolia e nostalgia porque foi criação daqueles que lançaram-se aventureiros ao mar há tantos séculos atrás para desbravar os oceanos, “Foi Deus” fecha o disco chorando admirada as belezas do mundo e divagando sobre a melancolia do fado em uma melodia elegante, que inicia calma e balanceada com o vocal de Paulo Praça e avoluma-se repentinamente ao ser tomado pela extensão do vocal esplêndido de Sónia Tavares e ganhar o peso do arranjo orquestral soberbo que encerra o disco majestosamente.
Muitos em Portugal, em sua maioria fãs de Amália Rodrigues, torceram o nariz para o disco, isso quando não fizeram questão de vociferar toda sua ira por considerar uma heresia regravar deste mito da música portuguesa. A revolta faria algum sentido se o projeto não tivesse respeitado a essência original das canções e resultasse em um apanhado de covers equivocados e de mau gosto, mas não é este o caso de Amália Hoje, que consegue preservar a aura do fado mesmo embalando as canções em uma produção requintada e instrumentalmente rica – o resultado, claro, é gritantemente pop, mas isso nunca vai ser um defeito quando é de bom gosto, não?

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ifile.it/ik6js4t/amalia_-_today.zip

a dica da banda foi dada pelo leitor raukai – levou 10 meses, mas eu resenhei, viu?

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“Bottle”, de Kirsten Lepore. [download: video]

Bottle, de Kirsten Lepore

Tirando proveito do tão conhecido recurso narrativo da mensagem na garrafa, a diretora e animadora Kirsten Lepore recupera o velho brilho das animações stop-motion infanto-juvenis que não apresentavam falas dos personagens – como a famosa Pingu, entre muitas outras produzidas nos anos 80 e 90 -, mas que conseguiam entreter ao transmitir idéias simples para o seu público-alvo. Em “Bottle”, a diretora conta a história de duas criaturas separadas por um oceano, uma feita de areia e outra de neve, que certo dia conseguem estabelecer comunicação trocando itens de seus respectivos habitats através de uma garrafa atirada no mar. Econômico em recursos, já que utiliza sonorização e ambientes naturais como cenários e itens que podem certamente ser encontrados perdidos e deixados pelo chão de quaisquer lugares como estes, o curta-metragem construído pela diretora difere um pouco de boa parte das inocentes produções que o inspiraram por conta do seu final, um tanto quando melancólico e shakespereano demais para gente de pouca idade. A universalidade do argumento simples, porém, preserva o teor infalível de diversão e encantamento dessas belos curtas que certamente ainda cai no gosto de boa parcela de crianças de hoje, bem como da maioria daqueles que já passaram há muito tempo desta fase.

download:
ifile.it/nef2tug/bottle_-_kristen-lepore.mp4

assista:

Bottle from Kirsten Lepore on Vimeo.

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Philip Selway – “By Some Miracle” (dir. David Altobelli). [download: video]

Philip Selway - By Some Miracle

Baterista da tão celebrada banda britânica Radiohead, Philip Selway (normalmente identificado na banda como Phil), lançou há pouco seu primeiro álbum solo, Familial, que por ser calcado firmemente no folk-rock afasta-se radicalmente da produção que tornou famosa a banda da qual faz parte. O primeiro single do disco, “By Some Miracle”, ganhou um vídeo caprichadíssimo do diretor David Altobelli, em cuja história um jovem se prepara para, do alto de um prédio, dar cabo de sua vida, sendo a certa altura flagrado apenas por uma morena no edifício em frente. Enquanto a fotografia esplendorosa, a filmagem em câmera ligeiramente lenta e os enquadramentos da câmera concedem um teor poético ao curta, o semblante entre o indiferente e o sereno dos atores lhe confere o caráter inevitavelmente cool, ainda ressaltado pela conclusão enormemente irônica e um tanto politicamente incorreta da história (depressivos de plantão, anotem aí: mesmo um suicídio necessita de um planejamento cuidadoso). Eu poderia dizer que é um daqueles casos em que há um casamento perfeito entre música e imagem, no entanto, apesar da música ser mesmo boa, é a criação de Altobelli que arrebata o espectador – uma idéia e tanto.

download: clique com o botão direito do mouse neste link e selecione “salvar como”.

assista:

Philip Selway – By Some Miracle from American Millennial on Vimeo.

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Yoav – Charmed and Strange. [download: mp3]

Yoav - Charmed and Strange

Conheço o disco de estréia do cantor e compositor israelense Yoav desde que foi lançado, mas como acontece com alguns discos e alguns artistas, Charmed & Strange foi relegado à um repouso por tempo indeterminado em minha biblioteca de música. Quando isso acontece, revisito descompromissidamente o álbum de quando em quando até que ele atinja um nível aceitável de simpatia. Claro que às vezes isso simplesmente não ocorre, e o destino do disco é o irremediável descarte, mas se insisto por um longo tempo, neste caso praticamente dois anos, é porque sei que a hora certa vai chegar.
A música criada pelo rapaz moreno com rosto de traços rudes e expressivos e voz juvenil é predominantemente acústica, em grande parte armada tão somente sobre guitarra e violão. Normalmente, a limitação de um músico à estes instrumentos invariavelmente enquadra sua produção dentro dos domínios do folk, mas nas mãos desse cantor dotado de uma destreza e flexibilidade impressionantes no manejo deles e, principalmente, dono de uma grande criatividade, ela não se contenta em permanecer dentro das fronteiras deste gênero: usando e abusando das alterações obtidas por pedais, Yoav engendra loops e beats tanto no dedilhar das cordas quanto tirando proveito do corpo dos instrumentos, fazendo as vezes de bateria e percussão batendo com as mãos – o resultado é uma música que emana um fulgor que na vertente acústica dificilmente seria obtido por apenas uma pessoa em um estúdio ou palco, já que em suas apresentações ao vivo o rapaz repete, em real-time, grande parte dos procedimentos. A faixa de abertura, “Adore Adore”, deixa nítido o que ele é capaz de fazer com sua técnica, já que tanto a batida que cresce ligeira quanto os toques precisos que o cantor arranca de sua guitarra, tão cortantemente amargurados quanto o seu vocal melancólico, impressionam sem muito esforço. E se a primeira música não for suficiente pra mostrar a versatilidade do cantor com sua guitarra e pedais, da segunda, “Club Thing”, isso não passa despercebido: introduzida por um beat marcadíssimo e sutilmente dançante e entoada em um registro vocal que alterna entre a voz macia e um falseto delicado, Yoav vai encorpando a melodia com a alquimia dos seus riffs, live loops e toques em sua guitarra e violão até fazer surgir uma mistura de pop e rhythm’n blues que ferve com uma soturna sensualidade. Isso, não significa, porém, que o compositor omita de suas criações a utilização de instrumental de apoio, como pode ser visto na discreta sintetização ao fundo em “Sometimes…”, que tem como destaque o beat curto e veloz que o cantor arranca do violão enquanto seus toques em segundo plano nas cordas fazem a melodia brilhar com luminosidade e calor, e em “Wake Up”, cuja batida e acordes tão característicos do estilo acústico do cantor arrastam-se em marcha até serem encorpados e continuamente acompanhados por uma sintetização de cordas que potencializa a enorme beleza da melodia. Mas mesmo resumindo-se ao seu pequeno arsenal, o cantor consegue mergulhar em ritmos e influências: “There Is Nobody”, por exemplo, tem a sutilíssima fragância do pop europeu dos anos 90 tanto na sua metade inicial, feita de acordes secos e ásperos sobre o ecoar de um pulso bem marcado, quanto no sua última parte, um intenso cavalgar mais melódico de riffs e uma batida mais consistente que nas mãos de um bom produtor de música eletrônica certamente seria convertida e uma faixa inusitadamente dançante, como aquelas feitas à época. Contudo, provavelmente é a angústia e melancolia palpáveis de “Beautiful Lie” que a põe como a melhor faixa deste primeiro disco do cantor isrealense: introduzida pelos acordes espaçados da guitarra que reverberam enquanto o cantor lança sua bela voz, a canção tem mais da metade de sua duração constituída de um vibrante solo harmônico de guitarra, feito de toques breves, ligeiros e virtuosos, que expande-se em uma harmonia de exuberante emoção. E pra quem está pensando que o rapaz só gosta de exibir-se virtuoso, o tradicionalismo das notas suaves, simples e discretas da triste balada “Angel and the Animal” comprovam que ele sabe compor dentro do estilo pop/rock mais clássico, o que também, espertamente, serve como “respiro” para não cansar o público em meio à quase um álbum inteiro de experimentações percussivas e acústicas – ufa!

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ifile.it/65qdza3/yoav_-_strange.zip

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Amon Tobin – “Esther’s” (dir. Charles De Meyer). [download: video]

Amon Tobin - Esther's

Não sou exatamente fã da produção musical eletrônica e todas as suas variadas derivações. À exceção de um Portishead (que, claro, vai muito além do eletrônico, mas tem óbvia relação com o gênero), uma ou outra coisa de fato cai no meu gosto. O brasileiro Amon Tobin, cujo trabalho já espiei há muito anos atrás, é um desses casos: sua produção é bem interessante, mas não adianta que não cai nas minhas preferências no mundo da música. Isso, porém, não me impede de dizer que o clipe produzido recentemente para “Esther’s”, uma das faixas do seu álbum lançado em 2007, é de um requinte escandaloso: utilizando como protagonistas uma bela inglesa de olhos expressivos e um robô cujo design e movimentação ficam no entrelugar da serpente e da aranha, o diretor Charles De Meyer consegue ilustrar o opressivo tecnicismo, o suspense obtuso e o romantismo delicado da faixa criada pelo músico e DJ brasileiro, contando também para isso com todo o apoio de uma fotografia irreprimível e um trabalho de câmera inteligente e preciso. Apesar do pouco tempo de duração, De Meyer ainda conseguiu inserir como trilha incidental a faixa “Nova”, uma das músicas mais famosas de Tobin que serviu de base para a canção “Samba da Benção”, lançada por Bebel Gilberto no seu disco Tanto Tempo. Pra quem não conhece o diretor – ou mesmo o músico -, o curta-metragem serve como um cartão de visitas e tanto.

download: clique com o botão direito do mouse neste link e selecione “salvar como”.

assista:
https://www.youtube.com/watch?v=gYKqrjq5IjU

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Spoon – Transference. [download: mp3]

Spoon - Transference

Como aqueles Fiatzinhos à álcool do início dos anos 90 numa fria manhã de inverno, certos discos não dão partida logo de primeira – ao menos é essa minha impressão com Transference, o mais recente álbum dos americanos do Spoon. A faixa de abertura do disco, “Before Destruction”, com bateria e acordes de guitarra embaçados e uma melodia morna construída sobre um pulso maçante, não exatamente oferece de entrada o que de melhor a banda pode fazer. Em “Is Love Forever” a banda já tem uma melhora de desempenho com a injeção maior de ânimo da melodia pela batida mais forte e as guitarras de notas mais marcadas e vibrantes, mas ainda não é suficiente para remover a indiferença que resiste em quem se dispõe a ouvir o disco. Contudo, é bem quando você já considera descartar o álbum que os rapazes americanos salvam a própria pele: a terceira faixa “The Mystery Zone”, chega como a tábua de salvação ao mostrar o talento da banda em inundar os ouvidos com uma melodia onde o baixo exala charme com sua vibração sutil, a guitarra e a bateria hipnotizam com a parceria em uma marcha firme e contínua e o orgão faz o arremate final ao preenche-la com o calor agradável de suas notas. “Who Makes Your Money”, tira o pé do acelerador e baixa a rotação do motor uns bons ciclos com uma música onde o baixo novamente faz a liga da melodia que traz acordes de guitarra equilibrados, teclado sutil e uma bateria contida mas segura, mas o refrão um tanto monótono traz de volta a sensação de que a banda não vai conseguir convencer. Mas como aconteceu antes, “Written in Reverse” captura novamente a atenção do público com seu swing inequivocamente sexy: o vocal deliciosamente solto e latente de libido, as guitarras arfantes, os acordes suplicantes ao piano e a bateria potente seduzem completamente os sentidos e despertam uma vontade violenta de eleger um belo alvo para arrancar a roupa em um strip-tease fulminante e algo mais. Logo em seguida, a banda não falha em sustentar o ânimo do ouvinte em “I Saw The Light”, faixa armada em dois tempos que parte de uma vertente de acordes de guitarra em uma base de bateria em cadência firme e breve e reverte-se abruptamente em um compasso bem marcado e contínuo junto com o piano, organizando um crescendo no qual a guitarra é reincorporada à melodia em clima de jam session. Em “Out Go The Lights” o grupo muda a tonalidade para uma melodia mais melancólica com um que vocal vagueia entre o tom suplicante e o ressentido, assim como os acordes da guitarra, que surgem em um lamento metálico que se sobrepõe à bateria em cadência discreta. Mas, ao que parece, a tristeza de “Out Go The Lights” foi apenas um intervalo para o compasso infalível da bateria de “Got Nuffin”, penúltima música do álbum, atravessada por volteios de guitarra e um piano de notas reprimidas e breves ao fundo. Fechando Transference com “Nobody Gets Me But You”, na qual a banda mergulha em um melodia minimalista, explorando com esmero variações discretas e detalhes harmônicos tanto na base construída pela bateria, baixo e guitarra quanto no toques prodigiosos ao piano que temperam o pulso da faixa, fica a certeza de que a banda poderia ter investido na faceta sutilmente experimental desta e de outras faixas e talvez conceber assim um disco mais homogêneo, já que como está, Transference sofre de uma certa incosistência ao intercalar sequências aborrecidoras com momentos enormemente inspirados e felizes – estes últimos valem cada byte do download, mas baseado apenas neste álbum, ainda assim não há como apagar a impressão de que o Spoon é mesmo daquelas bandas cuja irregularidade frustra imensamente seu desejo de ser acolhido como fã – na próxima, quem sabe.

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“Between Bears”, de Eran Hilleli [video, curta]

Eran Hilleli, que vive atualmente em Tel Aviv, é daqueles estudantes de artes gráficas que fazem jus ao termo “arte” em sua produção. Prova disso é “Between Bears”, o vídeo que o jovem criou como seu trabalho de conclusão de seu curso de graduação: com um visual estilizadíssimo, exibindo uma ambientação etérea e distante e cujos desenhos são todos feitos partindo de formas geométricas de ângulos fortes, o curta-metragem brevíssimo traz como personagens ursos melancólicos e peregrinos silenciosos em uma história com inequívocas reminiscências metafísicas. A trilha utilizada, composições do amigo músico Ori Avni com algumas vocalizações da cantora Daniela Spector, reforça a delicadeza que transpira no visual sofisticado criado pelo artista. É uma tremenda viagem minha, mas vale comentar que o idílico encontro entre os dois ursos da trama no final do vídeo me trouxe à mente algo de “A Dupla Vida de Véronique”, obra-prima inquestionável do mestre do cinema Krzysztof Kieslowski. A criação de Hilleli é tão tocante e intensamente poética que seu único defeito é durar tão pouco – terminei o vídeo querendo ver muito mais deste jovem artista.

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“A Origem” (“Inception”), de Christopher Nolan. [download: filme]

Inception, de Christopher Nolan.Grupo que rouba segredos industriais de grandes executivos invadindo seus sonhos tenta fazer com que o filho de um grande empresário do ramo da energia divida o conglomerado de empresas invadindos os sonhos deste para inserir a idéia.
Antes e mesmo depois de assistir “A Origem”, as poucas críticas ao filme das quais tive notícia afirmavam que Christopher Nolan, também roteirista do longa-metragem, se apropriou ou mesmo plagiou conceitos de outros filmes, como “Cidade das Sombras” e o “Ano Passado em Marianbad” e até mesmo, em tom de brincadeira, que teria se inspirado em uma história dos quadrinhos do Pato Donald. No que tange ao primeiro filme citado, muito pouco ou nada pode ser encontrado para apontar algum indício de plágio e, no caso de “O Ano Passado em Marianbad”, não faz muito sentido fazer esta acusação por uma razão um tanto quanto óbvia. Se houve influência, Nolan e seu filme não estão sozinhos: por ser daquelas obras únicas que estabeleceram novos paradigmas para o cinema, do lançamento deste ousadíssimo longa-metragem nos anos 60 até hoje, há incontáveis, inúmeros filmes que podem igualmente ser apontados como tendo se apropriado da dinâmica da narrativa complexa e difusa criada pelo diretor francês Alain Resnais – a apropriação da idéia criada por Resnais é moeda corrente ininterrupta do cinema hollywoodiano há coisa de duas décadas, já que, digamos, ao menos meia dúzia de longas são concebidos todo ano a partir desta idéia. Os problemas de “A Origem” são outros e poucas pessoas devem ter dado à devida atenção à eles porque estão escondidos sob a carapaça visual e narrativa que tanto fascinou a platéia.
Claro que “A Origem” é um filme ardilosamente bem realizado – quanto à isso, não há onde apontar problemas. Nolan é já há um bom tempo um diretor dotado de grande argúcia: sempre consegue reunir um bom elenco em uma produção que organiza em seus mais diversos elementos de modo a atingir o clima por ele almejado. Isso, unida à sua grande capacidade em arquitetar belas sequências de ação e de efeitos especiais é sempre garantia de entretenimento – e este seu novo filme é provavelmente a sua criação mais divertida até hoje. Porém, à medida que sua competência técnica aumenta, a artística vem diminuindo em igual proporção: desde “O Grande Truque” que a incapacidade de Nolan em aliar emoção com diversão vem degringolando – isso quando ela não escorrega na pieguice mais desprezível, como aconteceu na última hora de duração de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. No caso de “A Origem”, na composição cada vez mais intrincada de seu roteiro, Nolan vai despindo-o de seu cerne emocional: a cada mergulho na dinâmica cíclico-labiríntica do seu argumento, o diretor-roteirista vai nivelando o longa à sua própria natureza material, cada vez mais assemelhada à trama de um videogame (os “níveis” dos sonhos no filme são claramente análogos à tradicional arquitetura em níveis ou fases da maior parte dos games produzidos até hoje). Intoxicada por si própria, pela beleza de sua concepção intrincada, a história termina vazia da fabulosa camada emocional que continha e que anunciava poder explorar e, por isso, apesar de Leonardo DiCaprio basicamente repetir o papel de homem cheio de culpa e amargor pela perda do amor que vimos em “Ilha do Medo”, tanto não há espaço em meio à trama narcisística para ele ou qualquer dos personagens terem sua camada emocional explorada como a própria vaidade do personagem afasta a possibilidade de empatia deste com o público – e isso parece ser uma sina de Christopher Nolan, pois justamente este é o maior problema de “O Grande Truque”.
É evidente que se restringirmos a análise do filme às suas artimanhas narrativas e técnico-criativas o resultado será facilmente favorável à Nolan e sua obra: as diferentes partes que compõe o argumento são bem costuradas e concatenadas, auxiliadas ainda por uma edição que aproveita esta característica da história, uma trilha que funciona como eixo que as aproxima e unifica e uma concepção visual que expande e ilustra soberbamente as idéias que nascem do roteiro. No entanto, se nos desvencilharmos do estado de fascínio que esses elementos como um todo causam, defeitos também surgem. No campo narrativo, ainda que o trabalho seja bom, a bem da verdade ele é calcado na repetição do seu mote inicial – os sonhos de um personagem servem como palco à ação e este dá partida ao próximo nível, que terá como arena os sonhos de outro personagem que, por sua vez, dará a partida ao próximo nível, e assim sucessivamente enquanto alguns imprevistos surgem para injetar algum suspense. Pensando objetivamente, isso acaba sendo um pouco monótono e deixando, a certa altura, a história e seu desfecho bem previsíveis. E isso acaba nos levando à frente técnico-criativa: uma vez que a idéia base do roteiro deixa em aberto cada um dos níveis para serem preenchidos com uma série de alternativas visuais, Nolan dá vazão à sua já conhecida megalomania e os inflaciona com a soluções e efeitos tão adorados pela maior parte do público – é a grande diversão do filme, sem dúvidas, mas é por isso mesmo que acabam por tonar-se a sua tônica, o que, volto a dizer, infelizmente o reduz à sua mera materialidade e destrói todo o aspecto humano da história – isso pra não ser mais criterioso e considerar que, deste modo, Nolan desperdiça seu roteiro e o usa apenas como desculpa para dopar a platéia com um espetáculo visual que, entorpecida e, não raro, viciada que se torna, pouco se esforça ou mesmo se nega a encontrar os problemas apontados. Ou ao contrário, extasiada pelos prazeres oferecidos pelo visual requintado e pela história aparentemente intrincada, mergulha em análises delirantes sobre a suposta profundidade do longa-metragem – que ele até poderia ter, mas descarta em detrimento de seu caráter comercial. Por essa razão, sou obrigado a admitir que, em se tratando de técnicas de inserção de idéias e convencimento, o diretor é bem mais eficiente do que seu elenco: enquanto o grupo leva mais de dez horas pra convencer uma pessoa por vez, Nolan lobotomiza toda uma platéia em coisa de duas horas e meia – é um mestre.

hotfile.com/list/721922/27bb0b9

legendas (português):
opensubtitles.org/pt/subtitles/3755975/inception-pb

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“Direito de Amar”, de Tom Ford. [download: filme]

A Single Man, directed by Tom FordGeorge, professor universitário que tenta lidar com a perda do namorado com quem conviveu longos 16 anos, encontra o caminho para dissolver a rotina dolorosa que enfrenta há 8 meses.
Se ao observar os créditos iniciais do primeiro projeto cinematográfico de Tom Ford, estilista dos mais famosos e gabaritados do mundo, não se tem sinais suficientes de que este quis estabelecer absoluto controle sobre os rumos de “Direito de Amar”, ao constatar que Ford também co-produziu e foi co-autor do roteiro adaptado, não há como não se dar conta disso ao iniciar-se o longa-metragem: a fidelidade com que a cenografia, figurino e direção de arte remontam a atmosfera elegante dos personagens de classes abastadas dos anos 60 e a fotografia esplêndida e cristalina que ressalta ainda mais a perfeita caraterização de época demonstram o quanto o agora cineasta americano, quando não foi direto responsável por algum aspecto de sua produção, teve certeza de cercar-se apenas de quem o fizesse com o apuro que certamente trouxe de sua ocupação principal até antes de aventurar-se no cinema. E apesar de dedicar-se com tanto afinco para garantir a excelência técnica que enche os olhos em cada mínimo detalhe de seu filme, Ford não deixou de dar a atenção necessária à esfera artística de sua produção. O roteiro, composto por ele e David Scearce a partir do livro homônimo de Christopher Isherwood, cadencia com muito cuidado e enorme inteligência as experiências simples do cotidiano que ganham nova e singular importância neste dia crucial da vida de George com as lembranças de momentos importantes e felizes que ele viveu ao lado do homem que tantou amou e com quem partilhou grande parte de sua vida. Isso, claro, foi de enorme auxílio à caracterização segura, precisa e enormemente emocionante dos atores ao desempenhar seus personagens – em especial Colin Firth que, em atuação escandalosamente irretocável apoiada em uma caracterização econômica e comedida, consegue expor em gestos mínimos toda a carga de sofrimento que o personagem carrega desde que perdeu aquele que dava sentido à sua existência, expressando também de modo delicado toda a intensidade de sensações que experimenta neste dia.
O único senão, talvez, esteja justamente nos artifícios cinematográficos aos quais Tom Ford recorreu para retratar o vigor sensório que George experimenta neste dia de sua vida que o filme retrata: os enquadramentos – closes, em particular – e a utilização desnecessária de câmera lenta em conjunto com a aplicação da trilha sonora – que diga-se, é de uma beleza ímpar – em algumas sequências do filme acabam por fazer o oposto do que objetivava o cineasta, reduzindo tais experiências à sua mera superfície – ou seja, por conta deste maneirismo estético, a atenção do espectador acaba desviada do sentido para a imagem em si. Não é difícil supor que nestes momentos falou alto a alma de estilista do novo diretor. Isso, porém, é mero detalhe, talvez até uma implicância gratuita. Diante da abismal delicadeza que a história ganhou nas mãos de Tom Ford, que conseguiu explorar toda a enorme carga de emoções da narrariva de um homem cansado do amargor e sofrimento trazidos pela perda de seu amor sem acometer a história um instante sequer com pieguices e emoções baratas, as pequenas obsessões estéticas do diretor não são nem de longe suficientes para desmerecer os imensos méritos de Ford e deste seu esplêndido filme de estréia – é a alvorada de um cineasta extremamente promissor que, sem dúvidas, já ganha a sensibilidade como a sua mais valorosa e representativa marca.

megaupload.com/?d=FAZIW9NU

legendas (português):
http://legendas.tv/info.php?d=4f554cd750621cca869bc3b0a3e5d3e9&c=1

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