Dois jovens americanos do interior são contratados para trabalho de pastoreio em uma montanha. Com o passar dois dias eles acabam revelando seu anseios. A intimidade e as afinidades acabam os aproximando mais do que imaginavam, e não demora muito para estarem completamente apaixonados. Eles levam à frente o romance e o trabalho, até que são dispensados pelo fazendeiro que os contratou. Ennis e Jack separam-se e seguem seus rumos: o primeiro cumpre a antiga promessa de casamento com sua namorada, ganhando três filhos e vivendo de trabalhos incertos; o segundo acaba encontrando uma jovem simpática de família rica, e acha por bem casar e ter um filho para levar uma vida mais confortável. Passados quatro anos de seu romance, Ennis e Jack voltam a se encontrar e reiniciam a relação que imaginavam nunca mais retomar, mantendo seu romance em segredo por mais de 20 anos na montanha Brokeback, o único lugar onde poderiam, por algumas vezes, se refugiar para viver seu amor.
O filme de Ang Lee é, inicialmente, ingrato com aqueles que procuram lhe colocar o rótulo de “filme gay”: seus personagens tem sim envolvimento homossexual, mas eles também desenvolvem relações com mulheres ao longo de suas vidas. Essa seria a brecha para chamar tais personagens de “bissexuais”, mas a tentativa igualmente cai por terra: ao longo do filme percebe-se que, se um dia Ennis e Jack sentiram atração ou amaram suas esposas, este amor foi completamente sufocado pelo que sentiam um pelo outro; quanto mais os anos se passavam, mas eles se viam fugindo dos relacionamentos com mulheres em detrimento do amor entre os dois. Assim sendo, mesmo sem ser o termo mais apropriado, acaba por se adequar aos personagens muito mais a idéia de que eles eram mesmo gays.
Deixando de lado o mérito puramente classificatório da sexualidade dos dois “cowboys”, o filme faz jus à fama construída – com o naturalíssimo advento de alguns defeitos, que tomo por bem definir no fim deste texto. Ang Lee conduziu o romance entre Ennis e Jack de forma delicada e sutil, e soube informar aos atores o tom adequado de seus respectivos personagens: Jack vive seu romance de forma passional e apaixonada, tentando durante todos os anos convencer Ennis a esquecer o mundo e viver plenamente o amor que sentiam – é especialmente tocante ver como Jake conseguiu, quando tocava Heath, transmitir o carinho e o desejo de seu personagem por Ennis -, já Heath Ledger reveste Ennis em uma personalidade contida e introvertida, sendo esta, em consequência, a maneira de viver seu amor por Jack – todo toque de Ennis em Jack tinha algo de sôfrego e desesperado. A impressão que se acaba tendo é que Jack amava mais Ennis do que o inverso. Porém, a verdade é que Ennis apenas não conseguia externalizar adequadamente o que sentia, nem em gestos muito menos em palavras. Apenas quando acaba sendo tarde demais é que Ennis se dá conta de que a motivação para levar sua vida em frente sempre foi o amor de Jack. E mesmo assim, tendo sido ambos criados em um ambiente machista e preconceituoso, nenhum dos dois conseguem formular a frase simples, mas que solucionaria quaisquer dúvidas e dissiparia quaisquer medos ou temores: “eu te amo” é uma frase que nunca se ouve dos dois personagens. Nem mesmo o visivelmente apaixonado Jack conseguiu formulá-la: o máximo que ouvimos dele para Ennis é “eu não suporto viver sem você”. Pode parecer um detalhe bobo mas, acreditem, isso faz toda a diferença. O próprio Ennis diz para Jack, na ultima parte do filme, que o mais longe que ele poderia ir com seu amor era até a montanha Brockeback; seu amor jamais desceria dali e se revelaria mais intensamente. A sua origem rude, e o preconceito internalizado contra a exposição daquilo que sentiam um pelo outro foi o maior obstáculo ao romance dos dois. E a promessa solitária de Ennis para Jack na cena final, já na impossibilidade de reviver o seu amor, foi a que ele nunca consegui fazer para o homem que amava tanto.
Tecnicamente impecável – fotografia, atuações do elenco, trilha sonora sutil (um arroubo ou outro às vezes), montagem paciente, roteiro seguro -, o filme tem apenas dois “senão”, sobre os quais discorro a seguir.
O primeiro ponto negativo vai para a timidez das cenas afetivas entre Ennis e Jack. É certo que, desta forma, o filme preservou a sua delicadeza e cuidado ao retratar a relação entre os dois homens. No entanto, os contatos físicos ficam resumidos à carinhos, abraços, e beijos que, na verdade, tem algo de forçado – e há pouquíssimas cenas, quase nenhuma, em que os personagens o fazem sem estarem vestidos. Tudo condiz com a sexualidade em grande parte retraída dos personagens – o que acaba fazendo sentido -, mas não deixa de causar uma pontinha de decepção e alguma inverossimilhança ver dois homens que se amavam tanto terem contato pele-à-pele tão tímido. É contraditório com o que eu já disse, repito, mas é uma contradição que não pode ser negada e que reside na concepção do filme. Isso acaba por transformá-los em gays com personalidade, de certa forma, heterossexualizada.
O que nos leva ao segundo ponto negativo: devido ao seu grande sucesso, é muito provável que a composição tão visualmente heterossexualizada da personalidade de Ennis e Jack – quero dizer, sem qualquer resquício gestual mais afetado ou contato íntimo mais explícito entre os amantes – se torne um “padrão” para filmes que lidarão com o assunto. Isso não é pura especulação, há grandes chances de isso acontecer – vide o súbito interesse de Brad Pitt em selecionar um personagem homossexual para um futuro filme. E, por conta desse fato, os personagens mais visivelmente gays – com alguns trejeitos, por exemplo – correm o risco de serem rejeitados pelo público e indústria do cinema em detrimento de personagens homossexuais “machos” – algo que, convenhamos, pode ser o sonho de consumo de qualquer gay, mas que não é o reflexo da realidade. Vamos torcer para que isso não gere um comportamento veladamente preconceituoso – ou pelo menos, um dissenteresse não confesso – contra os gays “menos machos” por parte do meio cinematográfico.
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