Em Los Angeles, a vida de várias pessoas se interelaciona através de eventos que devassam seus posicionamentos e comportamentos com relação às diferencas raciais.
Paul Haggis, roteirista de “Menina de Ouro”, escreveu e dirigiu este filme. Seu longa tem boas atuações, direção convencional, mas isso só não basta. Ele está muito longe de ser a obra-prima que pintam por aí, já que nem bom “Crash” chega a ser. O fato é que, ao encerrar-se a sua apreciação, o expectador permanece instintivamente imóvel, a espera de que algo aconteça. No entanto, a expectativa é frustrada.
Este é o maior problema do filme de Haggis. O longa simplesmente não acontece, preferindo correr abaixo do limite estipulado, contentando-se em ser um filme burocrático e maçante. É tanto clichê junto e tantas fontes de inspiração não assumidas e mal utilizadas que se tem a impressão que o diretor fez o seu trabalho lendo, ao mesmo tempo, a cartilha dos filmes cool, dos cult, dos independentes, e dos político/socialmente engajados na mão.
“Crash” quer ser muitas coisas mas não consegue ser satisfatoriamente nenhuma. No campo da segregação étnica ele quer ser o que “Código desconhecido” de Michael Haneke é com anos-luz de qualidade à frente. A opressão contra os negros de “Manderlay” foi retratada com muito mais originalidade pelo gênio inventivo de Lars Von Trier. O recurso das estórias fragmentadas mas interligadas já foi utilizado com muito mais competência por tanta gente no cinema, “Amores Brutos” sendo o exemplo recente mais bem sucedido. A tentativa de investigação das razões sociológicas que ocasionam – entre outras coisas – a miséria chega a ser constrangedora se comparada à qualquer um dos filmes do brasileiro Sérgio Bianchi.
O filme, tão celebrado pelo público leigo, é simplesmente isto: uma costura mal orquestrada de todas essas obras juntas. No final das contas, percebe-se que o diretor/roteirista quis fazer de seu filme um novo “Magnólia” que, ao invés de resumir-se apenas à dramas afetivos e pessoais como fez Paul Thomas Anderson em seu longa, envereda pelo filão da universalidade do caos da vida na sociedade urbana de hoje. As similaridades entre os dois filmes são tantas que me dou ao direito de citar apenas duas: primeiro, depois de todo o acontecido, os inúmeros personagens encerram sua jornada como uma experiência de auto-conhecimento e evolução pessoal e, se não chega a ser um final feliz pode ao menos ser considerado confortante para todos; segundo, a utilização da música pop/rock na sequência-chave final, que sela a conclusão da estória de cada personagem. É tão evidente o plageamento que é impossível encerrar o filme sem se sentir um completo idiota por estar assistindo aquilo. No entanto, quero deixar claro que tenho verdadeira ojeriza por “Magnólia” e, sendo assim, não haveria de ser diferente com um filme que usa este longa como esqueleto da concepção de seu argumento.
A pergunta que fica é: qual a razão de tanta celeuma por conta de “Crash”? Desde quando um poço de obviedades foi elevado à consideração de ser uma obra-prima? Me desculpem, mas meu cérebro merece mais do que isso: foi-se o tempo que um roteiro repleto de “riscos” milimetricamente calculados me surpreendia. E se eu bem me lembro, nem na minha adolescência isso tinha mais efeito em mim.
Sua opinião é válida e deve ser respeitada. Mas há muito mais do que um roteiro razoável neste filme. As reflexões que dele podem surgir talvez estejam um pouco além da sua compreensão (e por várias vezes precisei redescobrir que muitas dessas reflexões estiveram e que muitas ainda estão, além da minha). Continuo a tentar descobrir o que não vi, e sugiro que você faça o mesmo.
Com respeito… Mr. V.
Mr. V,
A resenha deixa claro porque eu não tenho mais que refletir sobre coisa alguma com relação à “Crash” – acho que foi você que acabou não vendo algo aqui. Está ali, bem claro: eu já vi este(s) filme(s) antes, e ele(s) era(m) bem melhor(es). Não há ali nada de extraordinariamente profundo ou mesmo enigmático que possa estar além de minha compreensão e que exija mais do que uma sessão para que alguém mais sensato se dê conta o que ele de fato é – e ele é exatamente o que eu disse, uma colagem de várias temáticas e filmes que já foram melhor abordadas e produzidos antes.
É isso.
sim sim, você tinha sido claro. eu que quis fazer uma brincadeira e acabei incompreendido. na verdade, eu tenho séria aversão ao bianchi, considero “cronicamente inviavel” um dos filmes mais escrotos a que ja assisti. por outro lado gosto muito do anderson. “embriagado de amor” é um senhor exemplo de boa direção, e “magnolia” não fica muito atras.
mais uma vez parabéns pelo texto! (anda dificil ler criticas decentes hoje em dia..)
Fábio, acho que você confundiu: eu gosto do trabalho de Sérgio Bianchi e odeio o de Paul Thomas Anderson em “Magnólia”. O que eu quis dizer é que, nos aspectos discutidos, Haggis não chega aos pés do discurso formado por Bianchi e é tão ruim quanto Paul Thomas Anderson e seu “Magnólia”. É isso.
muito bonito texto, disse tudo. mas acho que na hora de xingar o sérgio bianchi e elogiar magnolia você inverteu os dois. 😉