Jerry Goldsmith compôs a música de filmes que marcaram o cinema: criou, entre inúmeros outros filmes, as trilhas de “Jornada nas Estrelas”, “Alien”, “Poltergeist”, “Chinatown” e “Planeta dos macacos”. No entanto, é a sua trilha para o clássico “A Profecia”, de 1976, que fez história e definiu para sempre um paradigma para trilhas de filmes de horror. Quer provas? Quantos filmes de terror, sejam superproduções ou filmes assumidamente “B”, que se utilizam de coros em um cantar profundo e grave entoando melodias mórbidas? Dezenas, eu poderia afirmar. Porém, a fonte original da idéia foi do senhor Jerry Goldsmith, falecido em 2004.
Ninguém até hoje saberia dizer como Goldsmith teve a genial idéia de colocar um coro, de inspirações nitidamente sacras, cantando, em latim, versos de adoração ao demônio. Mas todos sabem admitir que o resultado de seu trabalho para o filme é nada menos que uma obra-prima irretocável. O deslumbramento ao ter contato com a profana música do filme é tamanho, que a academia do Oscar simplesmente ignorou a única música “normal” da trilha, “The Piper Dreams” – uma canção romântica e florida, bem ao estilo das músicas enfileiradas até hoje para o prêmio de “Melhor canção” – e indicou “Ave Satani”, o glorioso hino à Satanás que abre o disco e é a base de todos os outros temas musicais desenvolvidos no filme. A canção acabou não ganhando, mas ficou para a história como a indicação para melhor canção menos ortodoxa da academia até hoje. Porém, a justiça ainda foi feita na mesma cerimônia com a premiação, na categoria Melhor Trilha Sonora, para a trilha diabólica de Goldsmith.
A música do filme não é realmente para todos – se você se deixa levar por purismos religiosos ou se assusta com facilidade, não a ouça, ao menos não à noite. Quem não sofre com tabus do tipo pode aproveitar todo o esplendor da trilha. “Ave Satani”, a “prece” que é o tema principal do filme, é o coração deste trabalho de composição de Goldsmith, e introduz a atmosfera diabólica do álbum. Em versos que homenageiam o diabo, o coro surge em sua primeira participação, entoando um cantar diabólico e funesto com orquestração pomposa. Em “Killer’s Storm” o coro acompanha a melodia que se inicia de forma lenta, para repentinamente devassar a canção em uma virada delirante, com direito à violinos rascantes e metais que ampliam a ansiedade da melodia – e com conclusão não menos épica. “The Demise of Mrs. Baylock” já inicia sem poupar o ouvinte, em uma orgia infernal de coros, cordas, percussão, metais e todo um arranjo orquestral diversificado. É aqui que o coral criado para o filme demonstra toda a sua glória diabólica, abusando de seu poderio e explorando o suspense até com uma sequência de sussuros sibilantes – é de arrepiar. “The Fall” ludibria os ouvidos, já que ensaia levemente o tema romântico do filme, para logo suplantá-lo diante da força da sonoridade maléfica do coro. Já em “The Dog’s Attack” o coro começa de maneira algo tímida e pontual, com sutis momentos religiosos, e transpõe a harmonia para o fatalismo e suspense recorrentes na música do filme – com direito a pequenos acordes sinistros de piano. E em “The Altar”, música que que fecha o disco, temos uma variação melódica de “Ave Satani” que mistura temas desenvolidos por todas as canções da trilha para concluir o trabalho em tom vitorioso – e não exatamente celebrando a vitória do bem sobre o mal.
Porém, há espaço para harmonias mais tranquilas na trilha sonora de “A Profecia”. “The New Ambassador”, por exemplo, é o tema romântico do filme, com orquestração farta e bela, e que por vezes tem suas principais nuances introduzidas em meio as sonoridades sinistras preponderantes, como vemos em “A sad message” e “Don’t let him”. “The Pipers Dream”, a única canção com letras em inglês, é praticamente uma versão cantada de “The New Ambassador”, e apesar de ser apenas uma canção tradicional perdida em meio aos cantares infernais, tem bela melodia e letras.
Primorosa e definitiva, a trilha que Jerry Goldsmith criou é eternamente insuperável, deixando pelo caminho trilhas-irmãs que se utilizaram de seu achado, algumas até mesmo sucedendo em trabalhos bastante interessantes – como a trilha composta por Wojciech Kilar para o “Drácula” de Francis Ford Copolla, que antropofagicamente se utilizou da criação de Golsdmith para definir um estilo próprio. É por seu valor histórico e qualitativo incontestáveis que qualquer amante da sétima arte estaria vendendo a alma para o diabo – desculpem, não pude evitar o trocadilho – para colocar as mãos neste disco. E é em nome de todos estes que eu fiz questão de ripar meu próprio CD original da trilha de “A profecia” e colocar na internet. Não percam tempo e bom proveito!
1: http://rapidshare.de/files/22662274/the_omen_1976_jerry_goldsmith_1.zip.html
2: http://rapidshare.de/files/22663681/the_omen_1976_jerry_goldsmith_2.zip.html
senha: seteventos.org
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