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Categoria: cinema & TV

comentários e críticas de filmes, seriados, vídeos ou similares.

“Crash – no limite”, de Paul Haggis.

CrashEm Los Angeles, a vida de várias pessoas se interelaciona através de eventos que devassam seus posicionamentos e comportamentos com relação às diferencas raciais.
Paul Haggis, roteirista de “Menina de Ouro”, escreveu e dirigiu este filme. Seu longa tem boas atuações, direção convencional, mas isso só não basta. Ele está muito longe de ser a obra-prima que pintam por aí, já que nem bom “Crash” chega a ser. O fato é que, ao encerrar-se a sua apreciação, o expectador permanece instintivamente imóvel, a espera de que algo aconteça. No entanto, a expectativa é frustrada.
Este é o maior problema do filme de Haggis. O longa simplesmente não acontece, preferindo correr abaixo do limite estipulado, contentando-se em ser um filme burocrático e maçante. É tanto clichê junto e tantas fontes de inspiração não assumidas e mal utilizadas que se tem a impressão que o diretor fez o seu trabalho lendo, ao mesmo tempo, a cartilha dos filmes cool, dos cult, dos independentes, e dos político/socialmente engajados na mão.
“Crash” quer ser muitas coisas mas não consegue ser satisfatoriamente nenhuma. No campo da segregação étnica ele quer ser o que “Código desconhecido” de Michael Haneke é com anos-luz de qualidade à frente. A opressão contra os negros de “Manderlay” foi retratada com muito mais originalidade pelo gênio inventivo de Lars Von Trier. O recurso das estórias fragmentadas mas interligadas já foi utilizado com muito mais competência por tanta gente no cinema, “Amores Brutos” sendo o exemplo recente mais bem sucedido. A tentativa de investigação das razões sociológicas que ocasionam – entre outras coisas – a miséria chega a ser constrangedora se comparada à qualquer um dos filmes do brasileiro Sérgio Bianchi.
O filme, tão celebrado pelo público leigo, é simplesmente isto: uma costura mal orquestrada de todas essas obras juntas. No final das contas, percebe-se que o diretor/roteirista quis fazer de seu filme um novo “Magnólia” que, ao invés de resumir-se apenas à dramas afetivos e pessoais como fez Paul Thomas Anderson em seu longa, envereda pelo filão da universalidade do caos da vida na sociedade urbana de hoje. As similaridades entre os dois filmes são tantas que me dou ao direito de citar apenas duas: primeiro, depois de todo o acontecido, os inúmeros personagens encerram sua jornada como uma experiência de auto-conhecimento e evolução pessoal e, se não chega a ser um final feliz pode ao menos ser considerado confortante para todos; segundo, a utilização da música pop/rock na sequência-chave final, que sela a conclusão da estória de cada personagem. É tão evidente o plageamento que é impossível encerrar o filme sem se sentir um completo idiota por estar assistindo aquilo. No entanto, quero deixar claro que tenho verdadeira ojeriza por “Magnólia” e, sendo assim, não haveria de ser diferente com um filme que usa este longa como esqueleto da concepção de seu argumento.
A pergunta que fica é: qual a razão de tanta celeuma por conta de “Crash”? Desde quando um poço de obviedades foi elevado à consideração de ser uma obra-prima? Me desculpem, mas meu cérebro merece mais do que isso: foi-se o tempo que um roteiro repleto de “riscos” milimetricamente calculados me surpreendia. E se eu bem me lembro, nem na minha adolescência isso tinha mais efeito em mim.

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Prévia: “X-men 3: The Last Stand”, de Brett Rattner.

Previa: Xmen 3 - The Last StandNo final de “X-Men 2″, a câmera opera um vôo sobre o lago criado com o rompimento de uma represa e focaliza-se sobre o que parece ser a forma de um pássaro de fogo no fundo de suas águas. Ninguém precisava ser maníaco por quadrinhos para ter se arrepiado com esta sequência, bastava gostar do grupo de mutantes e ter algum contato com uma das histórias mais dramáticas envolvendo os X-Men, que ocorreu nos gibis por volta do fim dos anos 80. Estou falando do episódio da Fênix Negra. E, felizmente, os roteiristas Zak Penn e Simon Kinberg tomaram este como um dos fios condutores daquele que afirmam ser o último capítulo da saga dos mutantes – para mais completo desespero de fãs como eu. Obviamente a estória foi devidamente atualizada e adaptada para o cinema, pois deve fazer sentido que os acontecimentos dos dois filmes anteriores. Resta saber se o resultado foi bom ou ruim. Além da fúria da Fênix Negra, a história da “cura” desenvolvida para eliminar os poderes dos mutantes também é tratada no filme. Para aqueles que não aguentam de tanta ansiedade, segue abaixo o endereço do trailer e também o endereço de uma imagem que reúne os 6 pôsteres/teaser do filme – que, como diz o próprio nome, não são ainda o pôsteres oficiais, mas apenas um aperitivo para atiçar a massa de maníacos. E, tendo já visto o trailer, posso afirmar: parece que a trilogia ganhou uma conclusão absolutamente épica e apocalíptica. Apertem os cintos!

http://www.jurassicpunk.com/clips/x-men3.trailer.mov

http://a-arca.uol.com.br/v2/images/pipoca_news_x3teasers_01.jpg

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Prévia: “United 93”, de Paul Greengrass.

Previa: United 93Tudo bem, há de se compreender a dro desolamento dos americanos com os eventos do 11 de setembro – apesar de que não se deve esquecer do cárater cosmopolista das vítimas, pois os mortos não foram somente de nacionalidade norte-americana. Porém,fazer um filme sobre o único dos aviões que não atingiu um alvo, espatifando-se no chão do estado da Pennsylvania depois da ação dos passageiros contra os terroristas, já é demais. Isso mesmo: um filme sobre o ocorrido. Acho que vocês já tiveram o bom senso de perceber que as chances de algo assim resultar em bom cinema são ínfimas, não é mesmo? Quer mais um dado que confirma as chances disso ser verdade? Aí está: a produção do filme foi toda feita, segundo noticiado, com o apoio dos parentes das vítimas do vôo. Pronto, isso basta. Claro que só podemos confirmar e comentar sobre a qualidade do filme depois de assisti-lo. Porém, em se tratando de um filme americano que fala sobre este evento, já dá para prever o tom da estória: ufanismo exacerbado, demonstrações de heroísmo e honradez do americano comum, enaltecimento da nação americana. Ou você acha mesmo que uma produção feita envolvendo os parentes dos mortos não ia dar este tratamento à estória. Recomendação de equipamento indispensável para acompanha-lo na pareciação do longa, quando de sua estréia: saco de vômito. Tudo bem que o filme pode ser bom (quase impossível), mas não custa se prevenir. Lembrem que nem todo mundo enjôa em uma viagem de avião, mas os tais saquinhos estão sempre estrategicamente à disposição dos viajantes. Clique no link abaixo para assistir ou baixar o trailer do filme. E não esqueça de opinar e deixar suas impressões usando os comentários!

http://www.jurassicpunk.com/clips/United.93.trailer.mov

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“Manderlay”, de Lars Von Trier.

ManderlayDepois da experiência em Dogville, onde a presença de Grace alterou os rumos da vida de todos os que lá viviam, a jovem chega a Manderlay, acompanhada de seu pai e seus gangsters. No momento em que se preparavam para ir embora uma mulher negra implora por socorro. Entrando nas dependências da fazenda descobrem que os proprietários do local mantém o regime da escravatura, mesmo depois de 70 anos de sua abolição. Grace interpela pelos escravos subjugados e decide ali permanecer, acompanhada de gangsters de seu pai, até garantir que os ex-escravos descubram como (sobre)viver em regime de liberdade e que seus ex-senhores tenham assimililado a concepção de que eles agora são livres e tão plenos de direitos quanto eles próprios.
Lars Von Trier é, como alguns diretores que constroem um projeto cinematográfico, presunçoso e ególatra. Porém, vindo dele isso é plenamente aceitável, já que ele possui todos os fundamentos para sê-lo: o diretor dinamarquês é um dos cineastas vivos mais geniais. Enquanto a imprensa propaga que o cinema oriental é a vanguarda do novo século, Von Trier mantém o trabalho mais verdadeiramente coeso, ousado e “avant-garde” da atualidade, criando e recriando seu cinema de uma forma inimaginável.
Apesar de avaliar o primeiro filme da chamada trilogia “Terra das oportunidades” como o mais fraco já produzido por Von Trier, ainda assim um filme seu é sempre melhor do que a maior parte do que é lançado durante todo o ano. Meus problemas com “Dogville” são a sua estética seca, seu argumento um pouco infantil e a óbvia presença de Nicole Kidman, que apresentou uma boa atuação mas que também causou enjôo, já que na época ninguém conseguia pisar em uma videolocadora sem trombar com algum dos inúmeros filmes que ela vinha fazendo. No entanto, em “Manderlay” Lars conseguiu amadurecer sua crítica aos Estados Unidos e à seu povo, concebendo uma fábula mais sombria e desesperançada.
À exceção de Lauren Bacall, que marca uma presença rápida como outro personagem, e do onipresente Jean-Marc Barr – ator fetiche do diretor dinamarquês – os personagens que marcaram presença no filme anterior retornam neste longa personificados por outros atores. Grace, por exemplo, muda de aparência, sendo aqui interpretada por Bryce Dallas Howard – filha do diretor Ron Howard. Esta é uma idéia interessante do diretor, já que ao mesmo tempo que abre caminho para novas nuances na personalidade do personagem ainda tem a obrigação de preservar os traços que foram anteriormente apresentados. Isso acabou gerando um problema, percebido por alguns críticos: Grace volta neste filme com um furor idealístico ainda maior, reforçando o caráter ingênuo da personagem. Isso não deixa de ser uma contradição, visto a experiência que Grace viveu em Dogville. No entanto, também não deixa de ser relevante a insistência nestes mesmos traços da personalidade da jovem ruiva, já que tudo nela é uma metáfora da América e de sua cruzada pela justiça, liberdade e democracia pelo mundo.
E já que entramos na questão do simbólico, qualquer pessoa mais esclarecida que assista ao novo filme de Lars Von Trier vai reconhecer na estória uma analogia à invasão americana ao Iraque: os delírios idealistas de Grace; a imposição na vida alheia daquilo que acha moralmente correto, e com o uso da força, se necessário; seus atos baseados em decisões impensadas; sua ingênua ignorância das diferentes concepções de valores e conceitos – tudo remete ao modo de pensar e agir da América e da maior parte de seu povo.
A cenografia da segunda parte da trilogia continua minimalista: um palco com fundo escuro, iluminação teatral, objetos cenográficos pontuais, marcações no chão propositalmente visiveis. Já comentei não ter gostado do experimentalismo teatral em Dogville, mas é fato que neste segundo filme o público já entra mentalmente pré-disposto a assimila-lo mais rapidamente. E Lars consegue mostrar estranha simbiose entre o visual desidratado da ambientação das cenas e o esporádico uso de alguns efeitos especiais muito bem aplicados, que servem de apoio direto ao argumento do filme. O efeito de uma tempestade de areia em pleno palco, por exemplo, é ao mesmo tempo de constraste e complementação.
Depois de toda essa experiência de cinema, ironicamente concebida com uso violento de recursos teatrais, Lars ainda reserva uma surpresa – das mais chocantes – nos créditos finais do filme, ao som da famosa canção “Young Americans” do britânico David Bowie. Não cometa o pecado venial de parar o longa antes de observa-lo até o fim. O diretor dinamarquês evita poupar seu público até mesmo neste momento, normalmente a sequência mais puramente formal de um filme. Lars Von Trier não tem mesmo quaisquer pudores em concretizar suas idéias, por mais doentias que possam parecer.

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“Capote”, de Bennet Miller.

CapoteAo tomar conhecimento do assassinato de toda uma família em Holcomb, uma cidadezinha interiorana dos Estados Unidos, o jornalista e escritor Truman Capote parte para o local para escrever um artigo sobre o acontecido para a famosa revista The New Yorker. Ao chegar na cidade o seu interesse sobre o ocorrido se amplia, e ao invés de um simples artigo Capote sente que deve escrever um livro. Assim, ele passa a dedicar alguns anos da sua vida envolvendo-se intensamente com a estória, fazendo pesquisas e entrevistas com os amigos da família e seus assassinos, produzindo aquilo que viria a ser considerado uma obra-prima, o livro “À sangue frio”.
Bennet Miller foi sábio e astuto ao decidir sobre a estrutura de sua cine-biografia de Capote: ao invés de se utilizar de todo o material disponível no livro de Gerald Clark resolveu retratar apenas o breve período que descreve a gênese do livro mais famoso do jornalista americano. Com essa decisão, Miller evitou uma enxurrada de sequências desnecessárias e tornou “Capote” uma das melhores biografias filmadas por Hollywood nos últimos anos, afastando do seu filme o traço mais comum em obras do gênero: a pieguice e apelação ao sentimentalismo fácil produzidos em cima de momentos dramáticos da vida do biografado. Porém, o longa metragem de Bennet Millernão se contenta apenas com a função de retratar o figura de Capote, formando ainda um discurso notadamente contrário à pena de morte ao explorar o sofrimento do jornalista durante o longo processo de sucessivas apelações para cancelamento da pena concedida aos crimininosos. O diretor também foi inteligente ao escolher o tom de seu longa-metragem, construindo um silêncio inquietante e seco durante todo o filme, o que torna ainda mais brutal a chocante sequência que retrata os assassinatos. Nada mais sensato: o silencio que percorre a maior parte de “Capote” é análogo àquele encontrado nas comunidades mais tradicionais dos Estados Unidos, que sempre tem algo de soturno e mórbido escondido sob sua atmosfera de aparente tranquilidade – quem conhece o trabalho de David Lynch sabe muito bem disso.
A atuação de Phillip Seymor Hoffman é, de fato, excelente: o ator soube incorporar o tom certo para não retratar de forma caricata um intelectual homossexual, construindo um Truman Capote que é sim egocêntrico e afetado, mas nunca é fresco e arrogante. Deve-se dar o devido mérito ao ator por conseguir atrair a simpatia do público ao compor um personagem que poderia facilmente ser mal compreendido por um ator menos atento. Mas Hoffman soube captar as sutis nuances do personagem: apesar de acreditar ser insensível à situação e pensar estar apenas usando os criminosos com o intuito de produzir seu livro, Capote se descobre sensibilizado com a estória dos assassinos e do crime em si, e acaba profundamente deprimido pelo misto de carinho e horror que nutre pelos homens reponsáveis pelo crime que queria retratar. É por compor um trabalho tão complexo que Hoffman merece o Oscar de melhor intepretação que ganhou este ano. E já que estou falando de Oscar, é bom informar que Miller consegue deixar para trás o celebrado – com justiça, admito – filme de Ang Lee, conseguindo fazer de seu sutil e brutal “Capote” o maior merecedor dos prêmios da Academia. No entanto, mais uma vez, Hollywood se recusou à ser sensata.

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“De tanto bater, meu coração parou”, de Jacques Audiard.

De Battre Mon Coeur s'est ArrêtéThomas Seyr trilha o mesma caminho de seu pai fracassado Robert, fazendo parte de um grupo de violentos corretores que agem criminosamente, sabotando imóveis para obter lucro com sua revenda. Robert, imoral e insensível, só faz manipular emocionalmente seu filho para que intimide comerciantes que lhe devem dinheiro de seus imóveis. Apesar de estar há muito tempo anestesiado por um cotidiano tão opressor, o jovem acaba animado-se com o convite para uma audição por um amigo de sua falecida mãe, que era uma promissora pianista. Tendo abandonado a prática com o instrumento há anos, Thomas contrata uma pianista chinesa para aprimorar seus dotes musicas até o dia da audição.
O filme da Jacques Audiard é um remake de um longa americano de 1978 chamado “Fingers” – raro que a Europa apresente uma refilmagem de uma obra americana -, com Harvey Keitel no papel que é, neste filme, de Romain Duris. Não tenho conhecimento sobre o filme original, mas Audiard foi competente na sua empreitada, concebendo um filme atualíssimo, ao revelar a face derrotada do seu país: sem identificar exatamente a cidade onde decidiu encenar sua estória – supõe-se ser Paris -, o diretor revela na sua película uma França miserável e infeliz através da fotografia realista e das sequências em que mostra desabrigados rufigiando-se em edifícios rotos.
Porém, o filme também revela-se poético na importância da música na trama – particularmente da música clássica, já que a música eletrônica, que Thomas insiste em ouvir é mais um reflexo de sua personalidade explosiva. É atraves de elementos como estes que se instaura um paradoxo entre a delicadeza e brutalidade estética do filme, que são a exteriorização do idílio do protagonista, que interioriza o conflito: luta com seu própria natureza rude e primitiva, herança do seu pai, vislumbrando o oportunidade de cultivar a sensibilidade artística, legado da mãe pianista. Sensato, Audiard concebe um protagonista de personalidade realista: ao mesmo tempo que Thomas por vezes emociona, com sua dedicação à sua aprimoração como músico, ele também pode ser extremamente repulsivo e deplorável, como na sua visão machista sobre as mulheres. O ponto que trará equilíbrio no seu conflito de personalidade é a jovem pianista chinesa com quem ele decide ter aulas: na quase total incomunicabilidade com a jovem, Thomas tenta controlar sua personalidade irascível através da única coisa que os une – a música erudita. Ao final do filme vemos que o diretor foi sensato até mesmo aonde seria mais fácil se perder – na conclusão da estória. É ali que Audiard mostra que apesar de todo nosso esforço, nem sempre o que almejamos é por nós alcançado – ao menos não da forma que, ingenuamente, idealizamos.

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“O Segredo de Brokeback Mountain”, de Ang Lee.

Brokeback MountainDois jovens americanos do interior são contratados para trabalho de pastoreio em uma montanha. Com o passar dois dias eles acabam revelando seu anseios. A intimidade e as afinidades acabam os aproximando mais do que imaginavam, e não demora muito para estarem completamente apaixonados. Eles levam à frente o romance e o trabalho, até que são dispensados pelo fazendeiro que os contratou. Ennis e Jack separam-se e seguem seus rumos: o primeiro cumpre a antiga promessa de casamento com sua namorada, ganhando três filhos e vivendo de trabalhos incertos; o segundo acaba encontrando uma jovem simpática de família rica, e acha por bem casar e ter um filho para levar uma vida mais confortável. Passados quatro anos de seu romance, Ennis e Jack voltam a se encontrar e reiniciam a relação que imaginavam nunca mais retomar, mantendo seu romance em segredo por mais de 20 anos na montanha Brokeback, o único lugar onde poderiam, por algumas vezes, se refugiar para viver seu amor.
O filme de Ang Lee é, inicialmente, ingrato com aqueles que procuram lhe colocar o rótulo de “filme gay”: seus personagens tem sim envolvimento homossexual, mas eles também desenvolvem relações com mulheres ao longo de suas vidas. Essa seria a brecha para chamar tais personagens de “bissexuais”, mas a tentativa igualmente cai por terra: ao longo do filme percebe-se que, se um dia Ennis e Jack sentiram atração ou amaram suas esposas, este amor foi completamente sufocado pelo que sentiam um pelo outro; quanto mais os anos se passavam, mas eles se viam fugindo dos relacionamentos com mulheres em detrimento do amor entre os dois. Assim sendo, mesmo sem ser o termo mais apropriado, acaba por se adequar aos personagens muito mais a idéia de que eles eram mesmo gays.
Deixando de lado o mérito puramente classificatório da sexualidade dos dois “cowboys”, o filme faz jus à fama construída – com o naturalíssimo advento de alguns defeitos, que tomo por bem definir no fim deste texto. Ang Lee conduziu o romance entre Ennis e Jack de forma delicada e sutil, e soube informar aos atores o tom adequado de seus respectivos personagens: Jack vive seu romance de forma passional e apaixonada, tentando durante todos os anos convencer Ennis a esquecer o mundo e viver plenamente o amor que sentiam – é especialmente tocante ver como Jake conseguiu, quando tocava Heath, transmitir o carinho e o desejo de seu personagem por Ennis -, já Heath Ledger reveste Ennis em uma personalidade contida e introvertida, sendo esta, em consequência, a maneira de viver seu amor por Jack – todo toque de Ennis em Jack tinha algo de sôfrego e desesperado. A impressão que se acaba tendo é que Jack amava mais Ennis do que o inverso. Porém, a verdade é que Ennis apenas não conseguia externalizar adequadamente o que sentia, nem em gestos muito menos em palavras. Apenas quando acaba sendo tarde demais é que Ennis se dá conta de que a motivação para levar sua vida em frente sempre foi o amor de Jack. E mesmo assim, tendo sido ambos criados em um ambiente machista e preconceituoso, nenhum dos dois conseguem formular a frase simples, mas que solucionaria quaisquer dúvidas e dissiparia quaisquer medos ou temores: “eu te amo” é uma frase que nunca se ouve dos dois personagens. Nem mesmo o visivelmente apaixonado Jack conseguiu formulá-la: o máximo que ouvimos dele para Ennis é “eu não suporto viver sem você”. Pode parecer um detalhe bobo mas, acreditem, isso faz toda a diferença. O próprio Ennis diz para Jack, na ultima parte do filme, que o mais longe que ele poderia ir com seu amor era até a montanha Brockeback; seu amor jamais desceria dali e se revelaria mais intensamente. A sua origem rude, e o preconceito internalizado contra a exposição daquilo que sentiam um pelo outro foi o maior obstáculo ao romance dos dois. E a promessa solitária de Ennis para Jack na cena final, já na impossibilidade de reviver o seu amor, foi a que ele nunca consegui fazer para o homem que amava tanto.
Tecnicamente impecável – fotografia, atuações do elenco, trilha sonora sutil (um arroubo ou outro às vezes), montagem paciente, roteiro seguro -, o filme tem apenas dois “senão”, sobre os quais discorro a seguir.
O primeiro ponto negativo vai para a timidez das cenas afetivas entre Ennis e Jack. É certo que, desta forma, o filme preservou a sua delicadeza e cuidado ao retratar a relação entre os dois homens. No entanto, os contatos físicos ficam resumidos à carinhos, abraços, e beijos que, na verdade, tem algo de forçado – e há pouquíssimas cenas, quase nenhuma, em que os personagens o fazem sem estarem vestidos. Tudo condiz com a sexualidade em grande parte retraída dos personagens – o que acaba fazendo sentido -, mas não deixa de causar uma pontinha de decepção e alguma inverossimilhança ver dois homens que se amavam tanto terem contato pele-à-pele tão tímido. É contraditório com o que eu já disse, repito, mas é uma contradição que não pode ser negada e que reside na concepção do filme. Isso acaba por transformá-los em gays com personalidade, de certa forma, heterossexualizada.
O que nos leva ao segundo ponto negativo: devido ao seu grande sucesso, é muito provável que a composição tão visualmente heterossexualizada da personalidade de Ennis e Jack – quero dizer, sem qualquer resquício gestual mais afetado ou contato íntimo mais explícito entre os amantes – se torne um “padrão” para filmes que lidarão com o assunto. Isso não é pura especulação, há grandes chances de isso acontecer – vide o súbito interesse de Brad Pitt em selecionar um personagem homossexual para um futuro filme. E, por conta desse fato, os personagens mais visivelmente gays – com alguns trejeitos, por exemplo – correm o risco de serem rejeitados pelo público e indústria do cinema em detrimento de personagens homossexuais “machos” – algo que, convenhamos, pode ser o sonho de consumo de qualquer gay, mas que não é o reflexo da realidade. Vamos torcer para que isso não gere um comportamento veladamente preconceituoso – ou pelo menos, um dissenteresse não confesso – contra os gays “menos machos” por parte do meio cinematográfico.

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“Batman Begins”, de Christopher Nolan.

Batman BeginsBruce Wayne, após o assassinato de seus pais, sai pelo mundo tentando entender o universo do violência. No oriente ele recebe treinamento na Liga das Sombras, grupo de mercenários assassinos que julgam ser a única solução contra o crime. Ao ser colocado em xeque sobre sua fidelidade à causa da liga, Bruce a destrói e volta para Gotham City, inundada pelo crime e corrupção. Lá ele decide disfarçar-se como Batman para enfrentar o maior mafioso da cidade e seus comparsas.
Alguns veículos da mídia celebraram este filme como o melhor da série Batman. Eles não estão errados. “Batman Begins” conta com o melhor ator até hoje no papel de Batman – Christian Bale, lindo e perfeito no papel -, uma ambientação mais sombria – que bebe na fonte do homem-morcego desenvolvido pelo quadrinista Frank Miller -, os vilões mais verossímeis e melhor desenvolvidos da série e um argumento bem mais elaborado. Ao contário do que possa pensar a maioria, este Batman não é uma sequência ou “prólogo” dos longas anteriores. Como indica o próprio título, “Batman Begins” inicia uma nova série – uma sequência ja está sendo planejada – ignorando os rumos e aspectos dos filmes de Burton e Schumacher, estabelecendo suas próprias idéias da gênese do herói e do universo que ele habita. E este acaba se transformando no melhor aspecto do filme, já que tudo foi conduzido com todo o respeito pela figura do herói. Além disso, a condução competente do filme não se rende à concessões inaceitáveis com o propósito de garantir público para o longa, encenando com calma e sensatez o Batman mais fiel àquele que habita os quadrinhos. E “Batman Begins” é longo, mas é tão eficiente na diversão arquitetada pelo diretor Christopher Nolan – mais conhecido por “Amnésia” – que nunca aborrece o espectador. Para alegria da legião de fãs do homem-morcego dos quadrinhos, este pode ser o início da melhor adaptação do herói para o cinema.

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Estréia: “Lost”.

LostSucedendo a 4ª temporada de “24 horas”, “Lost” estréia na Rede Globo no mesmo horário infame de sua antecessora. Tratadas como simples solução para ocupar o horário do apresentador Jô Soares durante suas férias, a mais popular televisão do país não sabe fazer uso do que tem em mãos: tanto a série produzida pela Fox quanto pelo canal americano ABC são sucesso absoluto em seu país e são exibidas, com justiça, em horário nobre. Porém, seriados estão para os americanos como as novelas estão para os brasileiros. E enquanto aqui as TVs tentam enfiar garganta abaixo produtos que se repetem uns aos outros sucessivamente e que tem exibição inédita diária – daí a impossibilidade de qualidade -, nos Estados Unidos o produto tem exibição semanal e ideías que se não são absolutamente inovadoras tem, ao menos, a virtude de as reciclar muito bem. É o caso de “Lost”: depois de um desastre aéreo, os sobreviventes, perdidos numa ilha oceânica, tentam levar em frente à vida tendo que lidar uns com os outros – até então meros desconhecidos entre si -, enfrentando a possibilidade de que talvez nunca sejam resgatados e, aí está o pulo do gato da série, convivendo num ambiente sinistro, que é palco de eventos inexplicáveis.
Essa é a mistura bem costurada de séries como “Arquivo X”, e da dinarquesa “The Kingdom” – na qual se inspirou Stephen King para a versão americana, “Kingdom Hospital” -, com uma ambientação tropical e uma vestimenta Robson Crusoé. Não dá para chamar o resultado disso de simples cópia, trata-se muito mais de um produto novo, derivado da inspiração de inúmeras outras idéias. E o resultado é fenomenal: elenco ideal – que mistura estreantes e veteranos, que é o caso do gatíssimo e excelente ator Matthew Fox-, produção que se esmera no capricho, direção exata, roteiro preciso. É a irmã mais rica de uma supreendente “tsunami” de séries de conteúdo excepcional – como “House”, “Nip/Tuck”, “Desperate Housewives” e a já citada “24 horas”), depoia da “aposentadoria” de séries veteranas de qualidade, como “Arquivo X” e “Sex and the City”. E é um mérito da obra conseguir sacudir até o seu público cativo – o viciado em cinema e seriados, como eu.
“Lost” superou todas as minhas expectativas, pelos já citados motivos e também por conseguir criar momentos de tensão absoluta sem apelações: um exemplo disso foi a cena final do episódio piloto duplo: alguns do personagens reunidos no topo de um morro e ouvindo uma mensagem absolutamente sinistra e enigmática num comunicador e que teve origem há cerca de 16 anos. Recordo que poucas vezes uma única cena, em todos esses anos assistindo filmes e séries, conseguiu instaurar em mim um terror tão absoluto como esta. E, como uma legítima e honrosa irmã da saudosa “Arquivo X”, só faz deixar ainda mais confusos os expectadores a cada novo capítulo exibido. Mais do que imperdível.

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“Casa De Areia e Névoa”, de Vadim Perelman.

House Of Sand And FogKathy arrasta-se em seu cotidiano absorta em um longo surto de autocomiseração: abandonada pelo marido há dois anos, cria desculpas para evitar que sua mãe descubra que sua vida parou no tempo. Porém, ela é despejada pela prefeitura da casa em que mora, e que pertence à sua família, sendo informada de que a residência irá à leilão para pagar os impostos comerciais nãO quitados. Kathy, apesar de não dar qualquer valor para o imóvel, decide tentar reaver a casa antes de que sua mãe chegue à cidade para visitá-la e, desta forma, descubra como a filha está. Mas o imóvel é vendido já no dia seguinte em que ela foi despejada para uma família de iranianos, cujo pratiarca, ex-militar em seu país, trabalha em empregos de baixa qualificação e sustenta uma vida luxuosa com o lucro que obtem da revenda dos imóveis que compra. E esse é o motivo pelo qual ele decide não sucumbir à interferência de Kathy.
Ns primeira cena do filme um policial pergunta à personagem de Jennifer Connelly se “essa casa é sua”. Essa é a pergunta que permeia todos os acontecimentos do filme. A casa aqui, na verdade acaba sem pertencer a ninguém pois é o personagem que testemunha o viver dilacerado daqueles que a habitam: a primeira ocupante, uma mulher que é mais culpada do que vítima pala vida desistimulante que leva; os últimos, imigrantes do oriente-médio que, apesar de tentarem adaptar-se à realidade de um país que pouco lhes tem de comum e não os compreende, guardam o desejo silencioso de um dia retornar à terra de onde fugiram. Com a entrada de um policial que vive um casamento conformista, e que tem personalidade instável e dependente, a briga pela casa que já foi de Kathy acaba ganhando contornos ainda mais passionais e desesperados.
O choque entre as duas culturas – a ocidental e a oriental – não chega a se constituir na tônica do filme, mas ganha importância nos trágicos eventos finais da estória. Da maior importância, no entanto, é que se compreenda que a luta dos personagens, não é por uma casa como algo tangível e concreto, mas pelo rumo que desejariam que sua vida tivesse tomado e por raízes que jamais conseguiram firmar. É está “casa”, no sentido mais metafórico, que eles buscam. Aí está o porque do título do filme: a “casa” é tão difícil de se obter porque é de areia e névoa, duas coisas que, apesar de serem plenamente visíveis aos olhos, são impossíveis de serem retidas nãos mãos. Assista.

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