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“Os Prêmios”, de Julio Cortázar

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Grupo diverso de cidadãos de Buenos Aires, ganhadores de uma loteria fomentada pelo governo argentino, embarca em um navio misto – de passeio e de carga, portanto – para desfrutar de seu prêmio: um cruzeiro oceânico. Uma vez lá, uma inquietação se instaura nos passageiros pelas restrições no livre trânsito através da embarcação e pela falta de informações sobre o trajeto da viagem.
Escrita por Julio Cortázar, escritor de origem argentina, nascido na Bélgica e que adotou a França para passar metade de sua vida, a novela “Os Prêmios” figura entre suas obras menos conhecidas. Parte disto deve-se ao fato de que Cortázar tornou-se muito conhecido pelos seus contos, histórias que algumas vezes frustram o leitor por sofrerem de uma aparente falta de sentido e dinamismo – impressão esta que, de um certo modo, não é errada mas se configura num equívoco, já que estes contos em especial procuram obter o efeito de estranhamento pelo destrinchamento do ordinário e não do bizarro ou inóspito. Porém, talvez o fato mais determinante que conferiu um certo status underground à “Os Prêmios” é que esta novela foi elaborada, segundo o próprio autor, para que ele pudesse desviar-se de certezas pré-concebidas que, com o tempo, os leitores foram formulando sobre o estilo de sua narrativa. As mudanças estilísticas conscientes não chegam a ser numerosas nem alteram profundamente a narrativa de Cortázar – o ritmo lento, possível devido aos diálogos extensos que exploram desde questões metafísicas até costumes e relações humanas, é a alteração que fica mais aparente -, no entanto, a sua atuação conjunta acaba tendo um efeito negativo bastante concreto: por consequências disto, a narrativa de “Os Prêmios” ganha identidade incerta na bibliografia de Cortázar, vagueando confusa entre a fuga de seu estilo e adoção dele. Os mistérios da história criada por Cortázar, com isso, acabam diluindo-se na batalha com os inúmeros e longos diálogos, e a narratava, assim, aparenta arrastar-se mais do que se propõe intencionalmente, perdendo muito do impacto, força e fascínio que desperta no leitor inicialmente.
Mas, apesar dos deslizes, a metade da narrativa que preserva as características do trabalho de Cortázar mantém o interesse do leitor até o epílogo de sua história. A sustentação da natureza misteriosa das proibições, da improbabilidade da veracidade das informações veiculadas para mantê-las e mesmo as dúvidas e o desconhecimento quase total sobre a origem da tripulação, da própria embarcação e do seu destino mantém o leitor intrigado, ainda mais por conta da incerteza de que qualquer destas coisas venha a ser esclarecida na conclusão da trama, como é habitual nas obras do escritor argentino, que acaba por explorar o mistério muito mais pelo gosto do efeito despertado do que para levar o leitor a construir lentamente a resolução dos enigmas. A variada gama de personagens, bem como o breve desvendamento de suas personalidades também é outra virtude desta novela: à exceção de Persio e seus monólogos introspectivos que insistem em versar sobre o oculto e o místico sem exibir sequer uma sombra do charme da emblemática narrativa difusa do autor, o restante dos passageiros criados por Julio Cortázar constroem ao mesmo tempo uma analogia à sociedade, seus costumes e convenções e uma sagaz ilustração das aspirações e incertezas humanas, que o escritor nunca deixa de lembrar estar sempre inundadas pela subjetividade de cada personagem.
É uma pena que o desenvolvimento adequado de certos aspectos da trama tenham sido afetados pelas ambições do autor em recriar seu estilo. A leitura de “Os Prêmios” se tornaria muito mais fascinante se Cortázar tivesse dado vazão à sua capacidade natural de manipular os mistérios idiossincráticos mais aparentemente cotidianos e se rendido à materialização do fluir de sua narrativa tão peculiarmente difusa e prolixa, mas infelizmente o autor sucumbiu ao desejo de mudança estilística e, com isso, sucumbiram em “Os Prêmios” boa parte dos encantos que alçaram Cortázar à condição de um dos maiores nomes da literatura latino-americana.

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The Boy / Julho 2009: todo Victor Benain [fotos]

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Todo mundo que acompanha os ensaios do site The Boy do portal Terra já sabe bem que os fotógrafos contratados pelo portal tem algumas sinas, tanto no que se refere na escolha do modelo quanto na configuração do ensaio em si. Dentre as mais recorrentes, posso destacar que os modelos com silhueta esguia e sua personificação como surfistas são das mais exploradas no site. E como Marcio del Nero, fotógrafo responsável pelo ensaio deste mês de julho de 2009, encontrou reunidas no modelo Victor Benain estas duas características, de tanta satisfação ele deve estar se sentido um verdadeiro Sputnik entrando em órbita e desbravando o espaço sideral. Mas vocês bem devem saber que junto com o Sputnik foi a pobre coitada da Laika, que não teve um destino nada feliz nessa história toda – e apesar de adorar cães, eu nao sou ingênuo o suficiente como eles pra ficar dando pulinhos, abanando o rabo e latindo de alegria pra qualquer coisa, principalmente quando aquilo não me contenta.
Bem, nao me entendam mal. Victor é um belo rapaz, com aquela morenice que normalmente me encanta sem muito esforço. Porém, falta Sustagen no rapaz. Não sou assim tão contra modelos esguios como eu mesmo o sou, mas além de eu préprio me bastar em termos de magrinhos malhados, eu acho que pra escolher um modelo com este biotipo ele tem que ter algum diferencial pra causar algum impacto. E ele simplesmente não tem. Tanto não apresenta diferencial que, pior, chega a ser uma espécie de Luke Wilson reloaded, numa versão sem o maxilar proeminente e mais magro do que o ator americano – sim, porque Wilson atualmente está gordo feito um leitão de frigorífico. Então é aquela história: uma graça o Victor Benain, mas não me causa encantamento pra ficar me perseguindo durante dias nos momentos mais inesperados, como quando você se pega lembrando daqueles detalhes fascinantes do corpo do rapaz e se perde em um olhar distante no meio de uma frase que você trocava com um colega de trabalho.
Agora, em se falando do ensaio, temos que admitir que Marcio del Nero instaurou no panteão de personagens dos ensaios do The Boy uma figura inovadora: o surfista de piscina. Alguém aí me explica de onde ele tirou essa idéia? Foi um ataque fulminante de preguicite que não permitou levar a produção para uma praia meia-boca qualquer ou foi restrição orçamentária? Bem, isso nos não vamos saber provavelmente nunca, só vamos desejar que isso não se repita porque ficou muito kitsch. Já que temos aqui tanta coisa emulada da historiografia do site – o jogador de pelada de futebol, o pseudo-nerd com o indefectível óculos de polietileno, o ninfeto do sofá, o modelo da Richards – era melhor tirar a prancha do rapaz e assumir que esta fazendo mais uma sessão de fotos na piscina do que tentar transformar isso em algo diferente ou, se foi o caso, ficar tentando satisfazer o modelo ao inserir elementos de sua personalidade no ensaio. Sim, porque Victor é surfista, daqueles que tem como livro da vida a biografia de Kelly Slater. Uau, Kelly Slater, que deve ter assim uma vida super fascinante pra render uma biografia. Quantas páginas deve ter o livro, duas? Dá pra ver que se o modelo não é bem um catalisador de tesão no quesito físico também não me parece excitar pela sua fulgurante personalidade. A coisa mais surpreendente foi colocar o rapaz, no ensaio fechado, falando no celular. Isso sim deu um ar descontraído às fotos em questão – mesmo que jogar futebol de cueca não pareça a coisa mais natural do planeta, ainda que seja uma coisa bonita de ser ver…ei, os clubes de futebol aí pelo mundo podiam adotar essa idéia. Quem sabe na Copa do Mundo do ano que vem, heim? Nao custa lançar a idéia…

Clique neste link para conferir todo o ensaio do site The Boy com o modelo Victor Benain.

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Kasabian – West Ryder Pauper Lunatic Asylum (+ 2 faixas bônus). [download: mp3]

KasabianOlhe bem para a capa do novo disco da banda britânica Kasabian. Olhou? Agora leia bem o título ali em cima. Não custa repetir: West Ryder Pauper Lunatic Asylum. Até alguém com meio cérebro percebe que com este novo lançamento os rapazes resolveram se aventurar no filão da música conceitual e experimental. A bem da verdade, a sonoridade não é assim tão experimental, diria que é ainda bem linear, e o conceitual não vai tão longe, fica tão somente na capa do disco – imagem sobre a qual, por sinal, já falei antes em um post no meu outro blog -, onde os rapazes se fantasiam com o intuito de melhor ilustrar a insanidade dos pacientes da instituição psiquiátrica que inspirou o título do disco e também se resume à algumas declarações de Sergio Pizzorno e Tom Meighan, que garantem que as canções foram imaginadas como trilha sonora de algum filme avant-garde como “A Montanha Sagrada” , de Alejandro Jodorowsky – essa sim uma obra experimental e conceitual com todas as idiossincrasias a que tem direito. Nem é preciso parar pra pensar muito pra se dar conta de que, na verdade, o disco é mais uma tentativa de atrair uma aura cult à banda, e eu já devo ter dito por aqui que tudo o que é intencionalmente cult acaba nunca atingindo o seu objetivo – ou seja, ser cult -, ao menos não de um modo que soe natural. No entanto, mesmo tendo-se conhecimento de que tudo está encoberto por boas doses de pretensão, isso não impede de reconhecer que, sim, West Ryder Pauper Lunatic Asylum é um disco com uma boa quantidade de belas canções compostas pela banda.
Começando pelo começo, “Underdog” é um single típico da banda, misturando muito bem os riffs arfantes de guitarra e do vocal sempre britanicamente petulante de Tom Meighan com uma batida que bebe direto no gargalo da cadência ligeira do trip-hop. Mas é a sacolejante “Fast Fuse” que consegue de fato embriagar a bateria na síncope acelerada da música eletrônica, compondo com os acordes precisos da guitarra e do baixo, com o vocal aos brados de Meighan e com os vocais de fundo de Pizzorno uma melodia hipnoticamente dançante. “Take Aim” entra em ação logo em seguida, e apresenta o flerte da banda com elementos orquestrais, como mostra a introdução triste, algo fúnebre, feita de um arranjo de sopros e cordas e acompanhada por um violão e baixo que respiram latinidade e infectam a bateria com o mesmo ar ibérico. “West Rider Silver Bullet”, que surge um pouco mais a frente, também experimenta com elementos orquestrais, mas o faz de outro modo: a canção, que inicia com uma breve narração feita pela atriz Rosario Dawson, usa ostensivamente um arranjo cortante de cordas para pontuar dramaticamente a música, que incorpora baixo e violão em um andamento que remonta as trilhas sonoras de filmes clássicos de faroeste – Ennio Morricone sendo o criador de algumas das mais emblemáticas composições para o gênero.
Esta, por sinal, parece ter sido uma obsessão do Kasabian neste disco, visto que “West Rider Silver Bullet” não é a única canção que suscita as composições que ficaram no imaginário popular como trilha para paisagens áridas e empoeiradas do meio-oeste norte-americano. “Thick as Thieves” assume a empreitada sem receios, invocando no seu banjo, bateria, vocais e violões todo o tracejado do estilo e a melodia de “Fire” prossegue forte nesta mesma toada, investindo no violão, no baixo e na bateria de inconfundível fragrância western, ainda que as guitarras do refrão destoem para um leve perfume oriental.
Mas como o álbum foi gestado com as pretensões artístico-conceituais em mente, não poderia faltar canções que respondessem à este propósito, e “Secret Alphabets”, a meu ver, seria a que melhor materializa a idéia: desda a introdução de vocais e pratos reverberando brevemente, passando pela melodia de andamento algo minimalista, guiada pela bateria e temperada por uma sintetização contínua e por econômicos acordes de guitarra, até o fechamento conduzido por cordas e um teremim ameaçadores, tudo procura conjugar uma atmosfera de estranheza e mistério que imagina-se ser a dos filmes experimentais que inspiraram os membros da banda neste lançamento. Mas se o cinema experimental foi fonte de inspiração para o Kasabian de West Ryder Pauper Lunatic Asylum é devido ao poder exercido pela música da época sobre este cinema, e que também é palpável neste disco, haja visto que a balada “Happiness” escancara suas influências, contando com a sempre infalível beleza de um coral gospel armado de suas vozes e palmas acompanhando a melodia que, claro, vai sem medo transitando pelo blues, o que dá um evidente “Beatles touch” à canção. É claro que essa música, e pra ser sincero, o disco como um todo não é diferente de um sem número de outros tantos que já ouvimos por aí, mas se por um lado a banda se acomoda copiando fórmulas consagradas, ao menos deve-se reconhecer que o Kasabian o sabe fazer muito bem.

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Jarvis Cocker – Further Complications. [download: mp3]

JarvisApós uma estréia solo bastante elogiada pelos críticos por conta do seu rock embebido em elegantes pitadas pop, Jarvis Cocker, mais conhecido por ter sido o vocalista da banda britânica Pulp, lançou este ano Further Complications, um disco cuja sonoridade rock depojada é resultado consciente de um trabalho de composição mais concentrado na instrumentação básica do rock – guitarra, baixo e bateria. Em consequência disso, boa parte das canções ganha ares de first take, como se tudo tivesse sido produzido sem muito ensaio e esmero de produção, emulando uma sonoridade simples e direta. Os acordes curtos e certeiros da guitarra e baixo e os toques quase rudimentares da bateria na faixa “Angela” ilustram bem esse estilismo musical que permeia grande parte do disco, assim como acontece em “Fuckinsong”, onde a cadência forte da bateria e os riffs graves de guitarra, combinados ao vocal algo afetado de Cocker, que não tem a menor vergonha de decorá-lo com deliciosos artifícios, como gritos, sussuros e gemidos, resultam em uma música petulantemente dançante. Há, claro, algumas faixas em que há um maior esmero na produção e instrumentação, como em “Homewrecker!”, que inclui um saxofone desvairado em consonância com a melodia efusiva, mas ainda assim Jarvis preserva a atmosfera de improviso com seu vocal extravagante.
Porém, é bom ressaltar que muito da graça das composições de Jarvis Cocker não nasce apenas das melodias, mas de suas letras irônicas, que satirizam a vida moderna com um histrionismo que foge do prosaico – como acontece em meio a aglomerada agitação da bateria, baixo, guitarra e backing vocals nostálgicos de “Further Complications”, onde encontramos versos como “saí do útero com três semanas de atraso, sem a menor pressa de me juntar ao resto da humanidade” ou “eu preciso de um vício, eu preciso de uma aflição para cultivar uma personalidade”. Em outras canções, Jarvis enfatiza nas letras sua verve intelectual sem resvalar no pedantismo – como na balada “Leftovers”, com guitarras, bateria, baixo e vocais cheios de malemolente dramaticidade, que mesmo ao situar um flerte em um museu de paleontologia não transforma em clichê o trocadilho dos versos “aprisionado em um corpo que me denuncia, me permita ser sucinto, antes que nós dois nos tornemos extintos” – ou revela conhecimento de causa nas ambições afetivas do homem moderno, sem cair em vulgaridades mesmo sendo bastante direto – como em “I Never Said I Was Deep”, onde os acordes abatidos de guitarra, baixo, saxofone e bateria formam uma melodia triste que partilha o desencanto da letra em que Jarvis diz “se você quer alguém pra conversar, você está perdendo seu tempo, se você quer alguém pra dividir a vida, então você precisa de alguém vivo”.
Apesar de seu estilo bastante formal de se vestir sugerir austeridade e serenidade musical dignas de um João Gilberto, cujo imaginário mítico dele derivado nos faz pensar ser capaz de passar horas em cima de um acorde para atingir exatamente aquilo que almeja, em todo o decorrer de Further Complications, Jarvis Cocker prova exatamente o oposto – que é muito mais um cara descoladíssimo que, imagino eu, é muito mais afeito a improvisações descompromissadas saborosíssimas que depois ele nem vai lembrar exatamente como repetir. Isso sem nunca perder de vista o gosto em explorar em sua música todas as nuances de sua idiossincrasia cult encoberta por uma fina ironia britânica – porque só um cara muito bem-humorado teria a idéia de fechar um disco disco tão rockeiro com “You’re In My Eyes (Discosong)”, uma balada disco-soul swingada cheia de glamour setentista.

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“Budapeste”, de Walter Carvalho.

BudapesteJosé Costa é um ghost-writer, um escritor que põe seu talento a disposição de quem deseja ter um livro publicado, delegando a autoria de sua própria obra para estas pessoas e relegando-se ao anonimato. Casado por conformidade, é quando José decide ir à Europa para uma convenção que ele conhece Budapeste, cidade em que sua vida ganharia novos contornos.
Ao finalizar o breve discurso que fez antes da exibição de seu novo longa-metragem no FAM 2009, Walter Carvalho dirigiu-se à platéia dizendo, “vou pedir uma gentileza: gostem do filme”. O problema, porém, é que eu não poderei ser gentil.
Walter, muitos devem saber, é um dos diretores de fotografia mais requisitados do cinema brasileiro, com um trabalho impecável de iluminação. E justamente aí está o elemento que problematizou todo o seu trabalho como diretor de “Budapeste”: é a partir do seu olhar treinado para processar incessantemente o belo que existe em (quase) tudo que nascem as problemáticas visíveis no longa-metragem.
Por uma enorme ironia, é a fotografia do longa-metragem que se percebe como problema mais notável de “Budapeste”. Executada por Lula Carvalho, ela traz à tona a elegante antiguidade da capital da Hungria, tingindo-a em matizes poéticos, porém, certamente seguindo as diretrizes de Carvalho, sua fotografia também causa cansaço por retratar a nudez feminina do modo mais cliché possível, num amontoado de sombras e nuances óbvias para denotar a beleza, sempre sedutora para qualquer fotógrafo, das curvas e detalhes do corpo das mulheres. Isso, somado a forma demasiadamente contemplativa com o que o diretor filma o nú de suas atrizes e a trilha descaradamente óbvia, que tenta ampliar ainda mais o encanto feminino, soa tão excessivo que acaba resultando em um amontoado de cenas de sexo cuja definição mais imediata é o brega.
Por falar em trilha, ela se configura como outro problema do longa-metragem – tanto na sua própria composição como no procedimento de utilização adotado. Embora alguns momentos detenham uma beleza consistente extraída de arranjos sutis, em outras a composição se apresenta com uma harmonia tão destoante que fica mais parecendo uma sintetização barata para sonorizar uma novela qualquer do que uma peça orquestral feita para o cinema. E a insistência em utilizá-la para banhar qualquer cena em contornos dramáticos ou efusivos não poucas vezes resulta na mais pura desarmonia audiovisual – é por isso que, por exemplo, metade do brilho da cena da estátua de Lênin no rio Tâmisa é destruída.
Estes, porém, são componentes isolados, estorvos em sequências que não necessariamente são um equívoco. Desastre mesmo foi o cometido por Walter Carvalho na sequência do sonho, parte do epílogo da trama. Ao conceber a cena o diretor conseguiu obter o maior feito do seu filme: reunir, em uma única sequência, todos os elementos problemáticos de “Budapeste”, transformando em equívoco inclusive o que não era até então. Trilha, fotografia, direção de atores, enquadramentos de câmera, tudo foi trabalhado de forma a resultar na sequência mais embaraçosa do filme, convertendo o delírio, que com uma atmosfera sombria poderia ganhar impacto e causar calafrios, em um teatrinho kitsch da pior espécie – do jeito que está, encoberto por uma trilha óbvia, uma fotografia tosca e uma composição descaradamente farsesca, a único impacto garantido é o de causar gargalhadas constrangidas.
Mas é bom avisar que as falhas não se contentam em assolar os aspectos técnicos do filme – o roteiro adaptado do livro de Chico Buarque pela roteirista e produtora Rita Buzzar também partilha deste mérito indesejável, já que a adaptação não sabe como fundamentar as atitudes de seu protagonista – por isso é que fica difícil compreender porque Costa se revolta ao cometer o mesmo erro duas vezes, quando vê entregue à outro o sucesso de um livro cuja autoria relegou – e não consegue equilibrar suas idiossincrasias comportamentais – tornando sua defesa apaixonada pela integridade da literatura, que já soava excessivamente diletante, em algo grotesco, uma vez que ele próprio contribuiu contra ela.
O livro mais celebrado de Chico Buarque merecia uma adaptação menos afeita a tantas obviedades, incongruências e equívocos que acumulam-se em um painel final desastroso. Tivesse Walter Carvalho, ao ocupar a cadeira de diretor, se livrado dos paradigmas do belo incutidos em seu olhar pelo hábito da fotografia e o resultado teria sido bem mais elegante e consistente – aí, quem sabe, ele não precisaria ter que mendigar a gentileza do público em gostar de seu filme.

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The Boy / Junho 2009: todo Ronan Bertoli [fotos]

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Estamos em Junho e o modelo que “estampa” o novo ensaio do fotógrafo Cristiano Madureira para o site The Boy neste mês é Ronan Bertoli, catarinense de Joinville, cidade onde já morei por algum tempo e que ganhou muitos apelidos desde sua fundação – cidade das flores, cidade das bicicletas, cidade dos príncipes. E é justamente por conta desta última alcunha que o rapaz faz jus à sua cidade natal: com seu físico torneado mas bastante enxuto, sua pele branquíssima, e seu rosto magro de traços suaves e expressão triste, Ronan tem mesmo todos os requisitos de um príncipe no vislumbre do imaginário mais romântico, mais tradicional. E o problema é que como acontece com quase todo jovem príncipe advindo de um universo de fantasia, a sua beleza transborda uma certa aura de ingenuidade e carece de toda e qualquer carga de malícia – falta no rapaz uma boa dose daquela sensualidade viril que transpira pelos poros do corpo e impregna a atmosfera ao redor. Desta forma, o rapaz, que é sim bastante bonito, acaba por se encaixar com toda tranquilidade nos parâmetros de beleza do movimento romântico, mas não se enquadra nas noções de beleza pós-modernas – nas minhas, ao menos, onde a beleza só arrebata quando manifestada em conjunto com boas doses de sex appeal. Mas, como efebos que transpiram uma certa pureza são o último grito da cultura pop – muito obrigado, Robert Pattinson – é certo que muitos vão adorar este caráter todo inocente da beleza de Ronan, que nem de longe aparenta seus 25 anos – eu poderia dizer que ele tem bem menos que isso.
O ensaio em si, por outro lado, funciona muito bem. A decisão de restringir a produção deste mês à locações naturais dá frescor aos ensaios do site, que de certo modo já consolidou uma cartilha de settings e de composições que poucas vezes os fotógrafos resolveram não adotar nos últimos meses – achei bastante ousada a decisão do fotógrafo Cristiano Madureira de desconsiderar fazer um clique sequer em um quarto, sala, casa, cama ou mesmo uma cadeira ou sofá. Apesar disso, claro, não foi desprezada a já clássica sunga Adidas, praticamente uma marca registrada dos ensaios do The Boy – porém sua participação fica reduzida à uma figuração de luxo, uma vez que está descaracterizada de toda malícia que o modelo poderia lhe oferecer. E o que aconteceu aqui com esta tão característica peça de figurino, a sunga Adidas, acaba por servir como resumo para as fotos do The Boy deste mês: um ensaio elegante e luminoso que, infelizmente, tem como protagonista um modelo que estamparia com bem mais propriedade um periódico adolescente ou um cartaz de filme de contos de fadas.

Clique neste link para conferir todo o ensaio do site The Boy com o modelo Ronan Bertoli.

P.S: Ronan Bertoli já tinha sido protagonista de um ensaio no site garoto POP, do portal Pop, que não inspira qualquer interesse, tamanhos são os equívocos cometidos por lá – o que serve, por sua vez, pra mostrar como a produção do The Boy, muito mais inteligente no seu olhar tanto para o todo quanto para os detalhes, dificilmente não consegue deixar um modelo ao menos interessante e um ensaio pelo menos atraente.

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“Lost”: 5ª temporada [sem spoilers].

Lost - Quinta TemporadaNesta penúltima temporada de Lost – é bom nem pensar que depois de 2010, tudo acabou – os espectadores do seriado tiveram as dúvidas sobre a Iniciativa Dharma solucionadas de um modo definitivamente genial, com todo o projeto científico sendo trazido à tona como principal evento e cenário deste ano da série. Mas isso só foi possível graças a complexa dinâmica que os roteiristas desenvolveram para esta temporada: a noção de tempo foi o elemento chave para que todos os acontecimentos tomassem lugar, para que as relações entre eles fosse evidenciada e para que os efeitos e consequências desencadeados fossem delineados. Tanto o passado, quanto o presente e o futuro deixaram de ter suas definições mais usuais para ganhar novo status e função e um intrincadíssimo ballet que alterou, definiu e reafirmou a história da ilha e de seus habitantes. Os dois únicos acontecimentos que deixam o público sem saber o que pensar da próxima temporada são justamente os que fecham este quinto ano da série: o evento ocorrido no “passado” – aspas necessárias devido ao fato de que ele não é passado para os agentes do evento, bem como devido às suas possíveis consequências – e um evento do futuro/presente, cuja principal vítima, que há muito os fãs da série gostariam de ter conhecido, foi finalmente apresentada apenas nos dois últimos episódios da temporada.
Justamente aí estaria talvez um dos fatos negativos deste quinto ano da série, visto que este personagem, que teve sua primeira referência na série na terceira temporada, nem bem foi revelado talvez não volte a dar as caras em Lost. A própria concepção dele é um tanto quanto confusa, muito provavelmente porque seu contato e ligação com os protagonistas do seriado teve que ser delineado em curtos instantes no decorrer destes dois últimos episódios – tivesse sido antecipado, seu surgimento poderia ter mais impacto e credibilidade, mas isso teria sido feito sob o custo de não ser uma surpresa para o fim da temporada.
Alguns, com certeza, também podem ter considerado a revelação sobre a transformação de outro personagem de suma importância para a série, usado como elemento surpresa adicional do fim deste quinto ano da produção, como algo negativo. É fato, agora, que seu destino e participação no seriado daqui em diante tomará rumo totalmente diverso. A bem da verdade, pelo que nos foi revelado, sua participação em grande parte desta temporada que se encerrou já foi bastante diverso do que estávamos pensando ser, pois as suas motivações e intenções para todo o seu comportamento neste ano era radicalmente oposto ao que estávamos sendo levados a crer. Penso, porém, que isto vai ter consequências interessantes para o último ano da série, configurando-se verdadeiramente como o primeiro passo da reta final do seriado.
E já que falamos em reta final, os dois últimos episódios de Lost também sugeriram, no horizonte de probabilidades que sempre foram cogitados pelos fãs, uma fusão entre duas das mais fortes correntes defendidas por eles. Possivelmente, o desfecho da série reuniria idéias advindas da teoria que sugere que os eventos da ilha tem uma causa natural/realista e outras daquela que aponta origens e intervenções divinas para tudo, o que transformaria a história numa espécie de estudo de campo entre duas forças que aparentemente nutrem crenças opostas – e nada mais pode ser dito sob pena de revelar detalhes essenciais. Claro que tudo são meras divagações quando se fala do epílogo de Lost, série das que mais ludibria os pressupostos que os espectadores já tomam como verdadeiros sobre a história e seus eventos – e o fim desta temporada é das provas mais concretas desta característica do programa -, porém, como temos restando apenas 16 episódios, as chances de que as idéias apontadas sejam as que de fato tomem corpo e se materializem como a conclusão tão aguardada são bastante grandes. A única coisa que não dá mesmo pra conceber direito é o início da última temporada – culpa, claro, do final literalmente bombástico que presenciamos há poucas semanas, que destruiu qualquer suposição sobre como pode ser retomada a série e, ao mesmo tempo, reconstruiu o estado de ansiedade nos espectadores. Agora, só em Janeiro de 2010 os fãs terão os ânimos acalmados – ou não.

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“X-Men Origins: Wolverine”, de Gavin Hood. [download: filme]

X-Men Origins: WolverineLogan, mais tarde conhecido como Wolverine, e seu irmão mais velho Victor, são mutantes com instintos selvagens recrutados para um projeto de mercenários com super-poderes. Não demora muito e Logan abandona o grupo por discordar de seus métodos e intenções excusas. Alguns anos depois, o mutante tem que combater os membros do grupo com o qual se envolveu no passado, inclusive seu irmão.
A premissa é realmente interessante: filmar toda a origem de um dos mutantes mais enigmáticos do universo Marvel e dos mais adorados pelos fãs. Se bem encaminhado, o filme poderia reeditar a qualidade dos dois primeiros longas da série X-Men, que conseguiram introduzir os personagens no mundo do cinema sem desvirtuar demais suas personalidades e sem violar excessivamente a mitologia destes nos quadrinhos. Contudo, por este ser de certo modo o quarto filme da série, o risco de errar a mão era bem maior. E foi bem isso que ocorreu.
Os dois maiores problemas do longa do diretor Gavin Hood estão relacionados ao modo como o argumento foi desdobrado no roteiro. O primeiro consiste na pressa no desenvolvimento dos episódios que constituem a história, que leva a supressão de uma descrição e delineamento mais detalhados de eventos que determinam a sucessão de acontecimentos do filme – é por isso, por exemplo, que a inveja e mágoa que Victor nutre pelo irmão Logan parecem muito pouco convincentes. O segundo seria a preguiça dos roteiristas em procurar soluções mais realistas para algumas sequências – afinal, Logan não teria notado com uma certa facilidade que apesar do sangue sua amada não estava ferida?
É certo que há algo de positivo no filme. Obviamente que o que há de mais acertado no longa-metragem é Hugh Jackman voltando a incorporar o personagem que lhe rendeu tanta fama: sua personificação de Wolverine continua impecável – com o adendo de que aqui estamos diante do protótipo do que o mutante se tornaria efetivamente mais tarde, e Jackman consegue transmitir isso com toda propriedade, suavizando sutilmente os contornos violentos e selvagens que integram a personalidade de Wolverine no futuro. Apesar da pouco aparecer durante o filme, a estréia do mutante Gambit, tão sequiosamente aguardado há tantos anos pelos fãs do X-Men, também é feita com considerável impacto, e ganhou em Taylor Kitsch um interpréte respeitável. Só mesmo a participação do mutante encarnado por Ryan Reynolds deixou bastante a desejar, e não por culpa do ator canadense: se muito, há 15 ou 20 minutos de participação do ator no longa-metragem, sendo que em cerca de metade disso ele é transformado do estonteante e sexy Wade Wilson para ficar quase irreconhecível na pele de Deadpool, no qual sofreu alguns artifícios e interferências no seu rosto perfeito para deixá-lo assustador e ainda tem que dividir a encenação com um dublê devido ao conhecimento deste em artes marciais – pode parecer apenas um detalhe no meio do filme, mas como Ryan Reynolds é o meu altar-mor de obsessão, pra mim é um erro imperdoável não apenas aproveitá-lo tão pouco, mas também utilizá-lo de modo tão inadequado. E visto que já foi declarada a intenção de aproveitar Deadpool para mais um filme solo, quero ver o que vão fazer pra consertar a adaptação tão esdrúxula – pra não dizer ridícula – que o personagem sofreu ao ser transposto dos quadrinhos para as telas. Quem já viu o filme sabe do que eu estou falando.
Deste modo, “X-Men Origins: Wolverine”, apesar de tanto esmero e tempo gasto na produção, resultou num longa-metragem apressado e mau-acertado. Talvez, com apenas uns vinte minutos adicionais, se um terço dos problemas não fosse solucionado seria ao menos suavizado, com toda certeza – e ainda não sentiríamos um certo desgosto ao saber que o desastre pode ser repetido, se não for intensificado, na óbvia sequência, já declarada, do filme.

megaupload.com/?d=6A9XY3HR
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legendas (português):
http://legendas.tv/info.php?d=8f9fb8b40fd96b2ea523706ab451e534&c=1

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The Boy / Maio 2009: todo Eduardo Tesch [fotos]

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O capixaba Eduardo Tesch, modelo do mês de maio no The Boy, tem uma expressão algo infantil no rosto, o que apesar de lhe conceder um encantador olhar inocente e terno, algumas vezes também deixa aquela expressão intolerável de “bobo da corte” de turma de colegial. E apesar dessa expressão jovem que o moço detém, com o cabelo molhado lhe ocorre o oposto: nessa configuração seus traços pesam e são razoavelmente envelhecidos, destacando alguma desarmonia nos elementos do rosto e fazendo-o aparentar um pouco mais do que seus 25 anos. Porém, mesmo que a fisionomia de seu rosto não funcione sempre, com a produção certa o rapaz rende uma diversão descompromissada. De perfil, com o olhar mais cerrado, o rapaz até manifesta um semblante mais sexy e atraente. Mas é o corpo do garoto, claro, o lugar certo pra concentrar esforços: a musculatura definida, que se contenta com o porte atlético e tem como seu maior charme os pelos curtos, nitidamente aparados, torna-o suficientemente sedutor para proporcionar algumas horas de entretenimento leviano. A bela cabeleira farta, desde que não esteja úmida, além de lhe dar um ar juvenil e maroto, também seria uma fonte de recreação adicional – eu, ao menos, não me negaria a ser um agente de afagos e cafunés. Todavia, em relação ao modelo, ficamos mesmo por aqui – não há atributos suficientes que justifiquem muitos comentários.
Quanto ao ensaio em si, confesso que a temática rústico-pastoril me agradou. Isso combinado com a luz natural que irradia tudo com o frescor aconchegante do outono confere elegância à maior parte dos registros. Também ajuda a perspicácia da produção e do fotógrafo Felipe Lessa em ajustar o rapaz à sintonia do ambiente, caracterizando-o – até convincentemente – como um caipirão com o clássico macacão jeans ou como um lenhador desinibido em calça de pijama. É provavelmente por esse esforço em acentuar o que o modelo tem de bom com a qualidade do registro e da temática que Eduardo tenha rendido uns retratos de aguçar os sentidos: a foto em que ele dá carão, ostentando um olhar petulante com um semblante e pose atrevidos é de causar salivação imediata, assim como se mostra tentador o seu físico bem torneado no registro em que o rapaz se estica como quem se espreguiça incentivado pela luz confortável do sol, usando um edredon como única salvaguarda da completa nudez. Pra ser sincero, é daqueles ensaios bonitos e bem executados pra fazer volume ao ano, mas que não cativam suficientemente para tornarem-se notórios – porém, um ou outro momento mais inspirado pode resistir por algum tempo na memória afetiva por conta de, digamos, um “estímulo de ordem mais prática”.

Clique neste link para conferir todo o ensaio do site The Boy com o modelo Eduardo Tesch.

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Tori Amos – Abnormally Attracted to Sin (+ 1 faixa bônus). [download: mp3]

Tori Amos - Abnormally Attracted to SinDesde que abandonou a gravadora Atlantic, a cantora americana Tori Amos lança discos que pecam pelo exagero, em mais de um sentido. Primeiro, pela insistência em arquitetar um conceito ou temática que unifique ou englobe todas as canções. Segundo, pela criação de um personagem – ou bem mais de um – que “assume” a interpretação das canções ou que incorpore o conceito destas ou da narrativa composta no disco. Terceiro, pelo número excessivo de faixas, que dilui e tira a força das melhores canções. Quarto, por um excesso de ornamentos e backing vocals adocicados de alto teor lírico. O primeiro álbum que reuniu estes elementos, Scarlet’s Walk – já que Strange Little Girls, a priori, não é um trabalho de composição da cantora e contou com apenas doze faixas, a mesma média dos primeiros lançamentos da artista -, foi o que teve melhores resultados ao utilizar-se destes recursos. Desde então, a insistência neste modelo de criação tem trazido aos fãs da cantora discos que não conseguem sintetizar toda a beleza, força e capacidade de Tori Amos em compor canções ao mesmo tempo tocantes e eletrizantes. Infelizmente, Abnormally Attracted to Sin, seu novo disco lançado há pouco, também sofre um pouco deste mesmo mal, ainda que ele seja o menos rigoroso na temática e conceito desde Scarlet’s Walk e sua utilização de personagens não seja tão efetiva – mas no que tange à algumas melodias o problema foi reiterado. Faixas como o single “Welcome To England”, cujo refrão está cercado de alguns acordes graves e dramáticos de piano típicos do estilo da artista, “Fire To Your Plain”, que tem arranjo leve e harmonioso de bateria, guitarrra e teclado, e “500 Miles”, com seu refrão liricamente equilibrado e sua sequência final com bateria, guitarras, piano e vocal absolutamente empolgantes como há muito não se via em uma canção de Tori, poderiam ter outro resultado, muito mais elegante, emocionante e encantador, não fosse os excessos melódicos glicosados, cuja herança imediata é proveniente de The Beekeeper.
Porém, é preciso dizer que Abnormally Attracted to Sin é o disco que tem um punhado de canções que são as mais bem resolvidas em sua atmosfera melódica desde o álbum lançado em 2002. Algumas delas recuperam o viço e sonoridade de trabalhos de Tori anteriores ao início deste século, outras até mesmo captam vibrações de outros artistas ou bandas. Este é o caso específico da primeira faixa do disco, “Give”. A melodia da canção que claramente trata de prostituição tem algo da perversa morbidez do Portishead nos toques fortes mas exaustos da bateria e na presença distante de uma guitarra que vibra em acordes soturnos e arrepiantes – o piano e as sintetizações também contribuem para a construção desta atmosfera, mas o fazem ao modo da cantora. Já “Flavor” resgata toda a beleza de baladas compostas em discos como To Venus and Back: há reminescências de “Lust” na programação que é base da canção, bem como no vocal distante e difuso e nos toques suaves e esparsos no piano – há alguns discos que não se via uma balada tão perfeita da cantora, que extrai tanta força e emoção de uma melodia tão simples. A faixa-título do álbum também se apóia sem medo na programação eletrônica, e o faz muito bem: banhada por uma hemorragia ocasional de acordes de guitarra e vocais etéreos no refrão, o conjunto de sintetizações que preenche o fundo da canção com a bateria hipnótica cria uma música sensual e sedutora como um ritual ocultista. “Curtain Call” é outra que evoca o clima nebuloso do álbum duplo de Tori lançado em 1999: as notas suaves, curtas e contínuas no piano, a reverberação dos toques da bateria, a ambiência dos acordes da guitarra e o vocal algo arrastado concedem a melodia triste o mesmo sabor elétrico de “Bliss”.
Algumas faixas específicas deste novo disco trazem uma Tori Amos que se aventura a fugir de suas próprias convenções mergulhando em uma certa formalidade melódica, seja lidando tão somente com seu velho e admirável piano Bösendorfer ou colocando-o na penumbra para trabalhar com instrumentação mais farta. No primeiro caso, “Mary Jane”, revela-se absolutamente encantadora devido ao incomum rigor tradicional de seus acordes no piano, ainda que esta melodia seja pontuada por pausas e desvios tão emblemáticos no repertório da cantora americana. Os versos, porém, não enganariam seus fãs: a dramatização do diálogo entre uma mãe e seu filho adolescente sobre o efeito que Mary Jane tem na vida do garoto se mantém fiel ao estilo de composição da cantora até mesmo pelo simbolismo da personagem que nomeia a canção. Já “That Guy” responde ao segundo caso com sua melodia idílica congestionada de orquestrações, cuja teatralidade mostra imediato parentesco com trilhas de musicais. Nas letras, Tori dá voz ao inconformismo de uma mulher que confessa não compreender como um homem que lhe dá tanto amor e conforto na cama possa perder todo seu encanto quando está fora dela.
Mas ainda não foi desta vez – e sabe lá se isso voltará a acontecer – que Tori Amos conseguiu transgredir a condição da sua própria musicalidade e voltar a surpreender com um disco que não sofra engasgos nem contenha vácuos criativos, sendo apenas pontuado por momentos fascinantes. Alguns dizem que isso é culpa de sua rotina de mulher realizada e feliz, mas eu não afirmaria isso com tanta segurança. De qualquer modo, já que ela há algum tempo adora incorporar personagens e não parece que vá mudar de estratégia tão cedo, esse poderia ser um meio de encontrar novamente a química da sonoridade esquecida.

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