Pular para o conteúdo

seteventos Posts

Cowboy Junkies – Renmin Park e Demons (+ EP bônus) [download: mp3]

A banda canadense Cowboy Junkies até hoje não consegue a merecida projeção que a qualidade de sua música merece. Afora o seu próprio país, a banda dos irmãos Margot e Michael Timmins é conhecida e apreciada por bem poucos – o disco que mais chegou perto de um sucesso foi o espetacular Lay It Down, cuja resenha do Seteventos você conferir clicando neste link. Isso, porém, não parece incomodar os músicos, já que há 25 anos eles mantém o ritmo de gravações e shows. E foi justamente em comemoração à isto que a banda concebeu o projeto The Nomad Series, um conjunto de quatro discos que estão sendo lançados dentro de um período de dezoito meses refletindo e reunindo tanto novas inspirações para a banda como velhas influências da sua carreira. Destes, dois volumes já foram lançados.
Renmin Park, cujo nome faz referência aos belos parques que enfeitam grande parte das cidades da China, país no qual Michael passou um período de três meses enquanto providenciava e aguardava o processo de adoção de duas crianças, é o Volume 1 da série de discos. A estadia no país inevitavelmente influenciou as composições do primeiro disco do projeto: quase todas as músicas contam com o apoio de sons e ruídos gravados pelas ruas chinesas enquanto Michael passeava para conhecer melhor a cultura e costumes do país. A faixa “Intro” é tão somente isto: uma mistura do registro de sons ambientes para apresentar a atmosfera na qual o disco teve sua gênese. À exceção de “A Walk In The Park”, cantada em mandarim por um cantor chinês amigo da banda e que integra ritmos, vozes da cultura musical chinesa com a ambiência rock da banda, a maior parte das outras canções utilizam estes elementos em grande parte apenas como adorno, preservando em sua integridade a já conhecida mistura de folk e rock com uma pitada de country que caracteriza as músicas da banda. É o que ocorre na faixa título, onde somos surge os violão tão conhecido da banda o vocal sempre emocionante de Margot, entoado em um registro tão triste e amargurado quanto o violino solo em um lamento tipicamente oriental que faz a ponte melódica da faixa. Outras faixas que tem a inserção de ambiências orientais temperando a melodia são “Sir Francis Bacon At The Net”, com o gingado soturno da bateria e baixo, intensificados por reverberações metálicas de guitarra e pelo cantar misterioso dos irmãos Timmins, em uma rara participação conjunta nos vocais, “(You’ve Got To Get) a Good Heart”, intoduzida por uma climática reverberação de acordes de piano e que conta com bateria e baixo em evidência na cadência discretamente soturna na qual os vocais se mantém em um registro baixo e “Cicadas”, cujo base melódica é guiada por um baixo em pulso marcado e preenchida por uma combinação da captação de sons das ruas e parques chineses e de semi-silêncios em solos de violoncelo e violino enquanto a voz macia e determinada de Margot acompanha a harmonia e prepara a entrada da bateria e do violão.
Mas há canções no disco que se limitam apenas à fronteira da tradicional musicalidade rock da banda. Entre elas, “Stranger Here”, com riffs de guitarra, violão e bateria de harmonia firme e o orgão que promove com perfeição a liga da melodia, as baladas “I Cannot Sit Sadly By Your Side” e “Little Dark Heart”, a primeira com um dos vocais mais desesperançados de Margot sobre riffs cada vez mais emaranhados e desesperados de guitarra, bateria e baixo em lento pesar e um piano que corta o coração com suas notas que despedaçam-se na melodia enquanto a segunda conta com violões pronunciados e toques malemomentes de guitarra e orgão sobre cantar levemente anasalado da vocalista e também “My Fall”, cover em inglês de uma música chinesa que com a solidez country-rock da bateria, violões, baixo e o vocal limpo e claro de Margot, adoçado pelo fremir de alguns acordes de guitarra e ocasional arranjo de violino, bem passaria por uma música composta pela própria banda.


O Volume 2 do projeto é o disco Demons, uma compilação de covers de composições de Vic Chesnutt, americano cantor de folk, country e rock alternativo que morreu no final de 2009 e que era grande amigo da banda. A intimidade e liberdade dos canadenses ao lidar com o material composto pelo colega é tão grande que não há qualquer diferença realmente visível entre estas canções e o catálogo do próprio Cowboy Junkies de tão coloridas que foram pelo vigor e frescor rock dos canadenses: “Wrong Piano”, com bateria bem cadenciada sobre um órgão esfuziante e riffs caudalosos de guitarra, “Flirted With You All My Life”, com piano, bateria, guitarra, órgão e baixo em amálgama harmônico algo dançante e “Ladle”, com diversas camadas de guitarras alternando e contrapondo-se sobre a harmonia sólida de bateria e baixo e os vocais potentes dos irmãos Timmins no refrão, todas foram incrementadas com as estudadas melodias e entusiasmos sem arestas tão bem conhecidos da banda.
Porém, apesar do belo trabalho dos canadenses ao adaptar as canções mais ritmadas do amigo americano ao seu próprio estilo, é lidando com as canções mais desiludidas, onde ressaltava-se a essência mais despojada e instrospectiva e menos maciça de Vic, que o Cowboy Junkies mostra-se brilhante, refundando as melodias à luz de sua estupenda matiz musical. É o caso de “Betty Lonely”, linda balada no vocal abatido de Margot sobre um órgão melancolicamente sensual e a cadência imutável e macia da bateria e do baixo, entrecortados tão somente por algumas farpas de guitarra, de “Square Room”, que ganhou uma orquestração de cordas discreta que sopra ao fundo, solícita e triste, enquanto Margot guia o passo cálido da bateria, do violão e do órgão com seu vocal que sublima emoção, da esplêndida “Supernatural”, que também conta com uma orquestração serena e destaca-se pela viola de acordes chorosos como companhia ao vocal amargurado e resignado da cantora canadense, do contemplativo arranjo de “We Hovered With Short Wings”, com percussão que farfalha como uma brisa, acordes de um polido violão e um taciturno clarinete namorando o semi-sussurar de Margot numa espetacular comunhão sonora que toma delicadamente os sentidos, e também da cortante “Marathon”, cujos violões e percussão só não são mais plangentes que o vocal sofridíssimo de Margot e Michael Timmins, que dilaceram a alma tanto quanto o fremir glacial da guitarra solo.
Impressiona mesmo os que já conhecem a banda de longa data que os canadenses não apenas sustentem a qualidade musical que vem desde o início de sua carreira, mas que depois de tanto tempo ainda desfrutem de um frenesi criativo que transborda tamanho refinamento e densidade melódica tanto ao trabalhar com material de seu próprio punho quanto de outros artistas, um luxo o qual nem mesmo bandas mais populares e lendárias conseguem dispor por tanto tempo – abençoado seja o Cowboy Junkies!

ifile.it/pkbiv40/junkies_-_park_-_of_-_demons.zip

senha: seteventos

e mais um bônus: clique aqui e baixe “3rd Crusade”, uma das faixas de Sing In My Meadow, o Volume 3 da série que está planejado para ser lançado em Agosto.

2 Comentários

“Redemoinho”, de Denis Villeneuve. [download: filme]

Bibiane, herdeira do legado de famosa estilista e mergulhada em uma fase inconsequente de sua vida, acaba por envolver-se em um evento que vai alterar o curso de sua vida.
Idiossincrático, “Redemoinho” não apenas assume sua ficcionalidade desde o início ao dirigir um pedido de desculpas ao povo norueguês por tudo ser invenção, mas revela seu caráter algo peculiar ao ter sua história narrada pontualmente por peixes que tecem comentários filosóficos sobre as desventuras da protagonista até serem um a um abruptamente interrompidos quando têm suas cabeças decepadas. Assim descrito, o filme dirigido e roteirizado por Dennis Villeneuve pode soar forçosamente artificial e pedante, mas a composição inteligente da trama não apenas remove qualquer possível sombra disto, ela consegue evitar que a protagonista, uma mulher envolvida em relações afetivas pueris, com comportamento displicente e inconsequente que acaba por envolvê-la em um acidente sério, não chegue a despertar a antipatia do público: desnudando explicitamente os defeitos de sua anti-heroína sem deixar de revelar suas angústias, anseios e emoções sinceras, Villeneuve aproxima a personagem do público, tornando-a mais palpável e realista, evitando assim que a audiência julgue-a tão somente pelos seus erros.
Porém, muito além da sensibilidade na construção de sua protagonista, o que de fato concede ao filme o seu enorme charme é a sua constituição híbrida e homogênea de realidade e surrealidade. Ao mesmo tempo que o cineasta canadense encobre com consideráveis camadas de bizarria irônica e humor-negro vários componentes do seu filme – além da já citada introdução e do insólito narrador da história, a abordagem contamina a seleção e utilização da trilha sonora, a inserção de personagens coadjuvantes e periféricos e a concepção da trama, que é pontuada por intervenções e retrocessos que encorpam a trama e coincidências ao acaso que não chegam a interferir inteiramente no livre-arbítrio dos personagens, mas que pontuam suas decisões e auxiliam na sustentação da atmosfera parcialmente idílica – ele nunca deixa de manter o delicado equilíbrio desta abordagem com a malha realista da história e os eventos dramáticos que o perfazem, de um certo modo aproximando “Redemoinho” do realismo fantástico presente em parte da literatura latino-americana de ontem e de hoje, um trabalho muitíssimo cuidadoso que se manifesta tanto no que há de menos quando no que há de mais sutil no filme. O resultado disto é um longa-metragem supreendentemente leve, um misto de comédia romântica, drama e fábula pós-moderna que vai sorrateiramente fascinando o espectador por conseguir captar e materializar em sua trama a sensação que algumas vezes experimentamos de que o insólito está à espreita na nossa vida e de que quando menos esperarmos nos veremos em meio à artimanhas do destino e eventos incomuns – incluindo os peixes narradores.

http://www.rapidshare.com/files/3287013545/MLSTRM.rar
senha/password: mkvtony

legendas (português):
http://www.opensubtitles.org/pb/subtitleserve/sub/4163344

Deixe um comentário

Timber Timbre – Creep On Creepin’ On. [download: mp3]

Taylor Kirk, cantor e compositor canadense que é a ponta criativa do triângulo que compõe a banda Timber Timbre, cujos outros vértices são Mika Posen e Simon Trottier, poderia bem ganhar a vida como intérprete de grandes clássicos do blues por conta de sua voz grave e macia, e nota-se facilmente o quanto o gênero influenciou suas composições, particularmente no seu último disco, Creep On Creepin’ On. Além da própria carga que existe em seu vocal, aquele vapor melancólico e nostálgico do blues também acaba contaminando boa parte das melodias. O piano de notas agudas e cristalinas que estala no ar em “Bad Ritual” é exemplo claro disto, há porém a companhia de algumas orquestrações e eletronismos lo-fi que lhe conferem também uma sonoridade bastante soturna. Esta atmosfera também circunda os acordes do piano, as inserções pontuais do saxofone e o órgão empoeirado de “Black Water”, conferindo à canção ares de balada de salão de festas de um hotel mal-assombrado. O saudosismo ganha um requebro mais dançante na cadência de teen party sessentista de “Too Old To Die Young”, que parece saída diretamente de um momento mais inspirado em que Chris Isaak incorpore o seu Elvis. A impressão no início desta faixa é que o ar sinistro possa ter ficado pra trás, mas a sensação evapora rapidamente quando o refrão soturno ataca sem hesitar a melodia. Esse caráter musical que desenha referências na música de meados do século passado floresce igualmente na faixa “Woman”, mas o obscurantismo dark não deixa de se fazer presente, insidioso e lembrando muito o trabalho dos britânicos do Portishead: impossível não fazer referência à biologia melódica do grupo inglês na intro que funde metais, guitarras e bateria em uma marcação aquosa de filme de ficção-científica tanto quanto no modo como isso é repentinamente revertido em uma singela harmonia tradicional em piano, vocal, baixo e bateria.
O parentesco de Timber Timbre com músicas de antigos filmes de sci-fi e terror não fica apenas na fusão feita com melodias que tem algo da boemia de um cabaret ou salão de festas de um hotel cinco estrelas, mas é exibido em toda sua intensidade na tecitura das faixas instrumentais que pontuam de modo dramático o disco assim como sequências de um filme são pontuados por sua trilha. Assim funcionam “Obelisk”, com o suspense armado pelo arranjo de cordas sobre um pulso ininterrupto da bateria e ruídos que rompem a melodia e reforçam o clima espectral, e “Swamp Magic”, que apesar do obscurantismo inicial nos acordes escandidos no violão, na ondulação das cordas e nas interferências indistintas, é banhada por uma luz orquestral em sua sequência final. Contudo, o mais belo interlúdio cinemático é o de “Souvenirs”: uma reverberação de cordas fulgurante que é reminescente das esplêndidas peças eruditas do hiper-vanguardista György Ligeti que sonorizaram a espetacular obra-prima “2001: Uma Odisséia no Espaço”, fechando no modo “egotrip transcendental” o singular setlist que cairia muito bem em uma festa – mas só naquela cuja anfitriã fosse Carrie White.

senha: seteventos

ifile.it/n4hc8xl/timber_-_creep.zip

1 comentário

PJ Harvey – Let England Shake (+2 faixas bônus). [download: mp3]

PJ Harvey - Let England Shake

Antes uma compositora de rocks inequívocos, mesmo quando flertando com outros gêneros, PJ Harvey deu em White Chalk, seu penúltimo disco, uma guinada musical de 180º com um compêndio de canções etéreas e nebulosas cujas melodias e vocais emanam uma densa atmosfera sobrenatural que não por um acaso foi corporificada nas sessões de fotos do disco como uma figura fantasmagórica com notáveis traços românticos mergulhada em uma ambientação gótica. A colaboração com o amigo John Parrish em A Woman A Man Walked By – a segunda oficialmente nomeada, já que Parrish participou da equipe de músicos na maior parte dos álbuns – retomou parcialmente a verve rockeira, mas a contaminação melódica iniciada em White Chalk foi retomada em parte das canções do disco e volta com força no seu mais recente lançamento, Let England Shake, convertida agora em um rock obtuso e consideravelmente experimental que por vezes resvala feio. Exemplo disso são os samplers – recurso utilizado pela primeira vez por Harvey – que interferem na semântica das músicas e nem sempre tem resultado homogêneo, como ocorre na cacofonia melódica entre o vocal frágil e alquebrado da britânica sobre a percussão, guitarra e órgão e o sampler abafado do reggae “Blood and Fire” em “Written In The Forehead” ou como acontece quando o sample tacanho do trompete marcial insiste em perfurar a progressiva comunhão rítmica entre guitarra, bateria e percussão base em “The Glorious Land”.
Contudo, se por um lado alguns engasgos ocorreram no percusso criativo do corpo harmônico de Let England Shake, impressiona e muito a perfeição no todo temático do álbum que é, sem dúvidas, o mais bem acabado até hoje neste quesito na carreira de PJ Harvey: no relato algo barroco do pesadelo vivido diariamente por soldados no front impresso na alternância entre os ecos de ira e lenta marcha sombria em “All and Everyone”, na impiedosa descrição da carnificina de um campo de batalha feita tanto na doçura celestial de “The Nightingale”, onde “heads on top of sticks were like angels” – uma espécie de parte 2 de “All and Everyone” encerrada com harmonia fúnebre do saxofone muito simular à da outra faixa – quanto no contraste com a melodia quase dançante e festiva de “The Words That Maketh Murder”, na narração do adeus à terra natal e às esposas dos soldados rumo à guerra que é sonorizada pela combinação das guitarras crispantes e da percussão enérgica em “Bitter Branches”, na precisa descrição do despertar para mais um dia de batalha no triste farfalhar das guitarras e na bateria que ressoa tão melancólica e sofrida quanto o vocal da artista no rock ao estilo clássico de Harvey “In The Dark Places” ou na poética descrição das sensações despertadas ao avistar as paisagens de Gallipoli, que foram cenário da famosa batalha da Primeira Guerra Mundial na etérea e onírica composição sutil entre violão, guitarra, órgãos, percussão e piano em “On Battleship Hill”, todos estes relatos e narrativas compõe um todo épico e pungente onde a artista afirma como a história, e consequentemente a identidade de sua terra e de seu povo foi sendo formada e erguida pelo envolvimento em sucessivos conflitos, guerras e batalhas. A Inglaterra de PJ Harvey é sim a terra natal amada, mas esse amor incondicional é atravessado pela amargura e sofrimento do belicismo, como bem Harvey canta no folk cinzento dos acordes de violão de “England”, e jamais fecha os olhos às mazelas que marcam as ruas e a cultura da pátria, como pode ser visto no frescor da cadência rock de “The Last Living Rose”, cuja melodia é coroada por metais em uma fanfarra acanhada.
Obra de uma artista cujo trabalho é alimentado por um imenso senso crítico e movido por uma insaciável inquietude musical que à  leva a sempre trilhar novos caminhos sem nunca deixar a bagagem das viagens anteriores para trás, esta ode à pátria e manifesto contra o belicismo humano resultou em um disco mórbido e melancólico de tonalidades cinzentas e encoberto por uma espessa névoa que por vezes parece soar impenetrável aos ouvidos, e isso faz todo sentido – converter em um relato musical realista os horrores e atrocidades incessantemente perpetuados pelo homem não poderia ter como resultado algo fácil e agradável, não é mesmo?

senha: seteventos

mediafire.com/?dggtrwmakv8krrs

2 Comentários

Soap & Skin – Lovetune for Vacuum [download: mp3]

Soap and skin - Lovetune For Vacuum

Anja Plaschg, cantora austríaca que trabalha sob a alcunha Soap & Skin, é uma figura estranha. Em boa parte de suas fotos, a garota aparenta um notável ar de melancolia gótica que a assemelha à personagem de Winona Ryder em “Os Fantasmas se Divertem”, clássico de humor negro do tempo em que Tim Burton sabia o que fazia. Mas diferentemente da menina de Burton, Anja mostra naturalidade e considerável suavidade, ainda que nas letras de suas canções seja fácil identificar o tormento existencialista que repousa na expressão sorumbática de seu rosto lívido que lembra enormemente mulheres de pinturas renascentistas. Não é surpresa alguma, portanto, que sua música seja continuamente atravessada e fendida por estados de ânimo completamente contrastantes – algo efetivamente ilustrado na última faixa do disco, “Brother of Sleep”: ao mesmo tempo que a música ilumina os ouvidos com a terna harmonia do piano e violinos e o vocal etéreo da jovem austríaca, ela os assusta com o ruído surdo e mórbido sobre o qual arrulham pássaros e o baque repentino que encerra o disco. Mas antes de chegar até lá, experimenta-se nas composições baseadas em piano episódios transbordantes de fatalismo épico – como em “Sleep” com acordes pesairosos no piano e um vocal que viceja entre sussurros frágeis e brados vigorosos em meio à ruídos sujos e obscuros e “Thanatos”, o canto da morte mergulhado em um piano de andamento fúnebre e um vocal em tom sentencioso e imperativo -, inundações de sofrimento incontido – exemplo disso é a belíssima “Cynhtia”, um sufrágio lento onde o piano forma uma parceria divina com o vocal repleto de mágoa e pesar de Anja, “Fall Foliage”, onde a melodia lacrimosa do piano é acompanhada pelos frios ruídos mecânicos que emanam do teclado fabuloso da austríaca, e a instrumental “Turbine Womb” uma mistura graciosamente cinemática da faceta erudita a da pós-moderna da garota – e emanações de doçura, delicadeza e calma alegria – como na sonoridade gentil de “Cry Wolf”, recheada com acordeão, um piano singelo e tecituras eletrônicas que cintilam na mesma vibração sensível e afetuosa do vocal de Anja, de “Spiracle”, com acordes gracejantes de piano e vocal que sufoca-se em um estado de ira até explodir em um breve e repentino grito de revolta no meio da melodia que reflete o desespero das letras em que a garota confessa a constante perseguição e o abuso sofridos na infância.
Por conta destas flutuações de ânimo, me senti em parte inclinado em chamar de música bipolar o que aqui é feito pela artista austríaca, só que este nunca seria o termo adequado, pois mesmo quando há alegria em suas composições, esta não escapa de sofrer a infiltração de uma onipresente melancolia que evita este contentamento de atingir um estado de plenitude – o mais correto mesmo é não enquadrar a admirável caixinha de música de Soap & Skin e deixar que o ouvinte surpreenda-se ao orbitar na sua atmosfera encantadoramente lúgubre.

agradecimentos ao meu amigo Matheus, ou Olívio, como ele prefere – foi num tweet dele que acabei descobrindo essa preciosidade (não deixe de espiar o twitter e o 8tracks dele).

http://ifile.it/6vubz95

senha: seteventos.com

2 Comentários

“Gente como a Gente”, de Robert Redford. [download: filme]

Ordinary People, de Robert Redford

Depois de retornar de hospital psiquiátrico, onde foi internado após tentativa de suicídio ao sentir-se culpado pela morte do irmão em um acidente, Conrad tenta retomar sua vida ao lado do carinhoso pai e da mãe com quem não consegue estabelecer uma ligação mais profunda.
“Gente como a Gente”, baseado no livro Ordinary People de Judith Guest, felicíssima estréia na direção do ator Robert Redford, é um drama americano à moda antiga: não há ousadias estéticas ou formais, apenas uma história muito bem contada com personagens cativantes e os atores ideais os interpretando, e é justamente o trio de protagonistas, composto por Donald Sutherland, Mary Tyler Moore e o então estreante Timothy Hutton como o angustiado Conrad que sobressaem logo aos olhos do público por conta da grande cumplicidade destes com seus papéis – a começar por Mary Tyler Moore, na caracterização impecável da mãe distante, fria, egocêntrica e egoísta. A personagem não é apresentada imediatamente com todas estas características, mas inicialmente como uma mulher que tenta vencer sua falta de afinidade com o filho caçula, algo que logo descobrimos ser a manifestação mais visível de sua total indisposição e inabilidade com as responsibilidades da maternidade e do matrimônio – um papel que não é apenas difícil porque distanciava-se e muito daquilo com o qual o público estava habituado a vê-la, até então conhecida por uma série familiar cômica da TV, mas porquê é o retrato de uma mulher não necessariamente má, mas que visivelmente não consegue vencer suas limitações para encarar o papel de mãe e esposa quando a vida deixa de ser o plano perfeito que se imaginava antes. Claro que para obter o tom ideal desta complexa personagem, sua composição deveria ter afinidade com o personagem do filho, e nisto Mary não teria do que reclamar: Timothy Hutton, ganhador do Oscar por esta performance, é o complemento perfeito. A composição do jovem Conrad, no começo arredio com sua mãe e por vezes com a tendência de magoá-la provocando-a ao alfinetar sua inabilidade, mas que logo tenta, com sinceridade, estabelecer um elo afetivo concreto com ela, é feita pelo ator como a de um jovem conturbado e angustiado, mas que ao mesmo tempo tenta incansavelmente buscar de volta a paz, alegria e prazer que tinha na vida – uma interpretação complexa, repleta de nuances sutis e mudanças graduais que poderiam acabar mal para um estreante, mas que teve a felicidade ser realizada pelo ator certo no seu momento ideal. Já Donald Sutherland , que era então já um ator bastante experiente que trabalhou com diretores consagrados como Altman, Pakula, Kaufman e mesmo Fellini, surge aqui em um papel bastante comum à sua trajetória cinematográfica até hoje: a do personagem que ocupa um lugar discreto na maior parte da história do filme, algo que, por sinal, impede até hoje o ator de tornar-se um rosto mais conhecido pelo público. Se ficasse a cargo de um ator menos competente, provavelmente teríamos ou um pai muito apagado ou então um homem resistindo visivelmente para não tomar para si a atenção, mas na pele de Sutherland temos a medida exata do personagem: um homem que nutre imenso carinho e preocupação pelo seu filho, mas que luta com sinceridade consigo mesmo para permitir que o garoto supere suas dores e traumas por si próprio – uma interpretação extremamente complexa porque nasce nos pequenos detalhes e preenche apenas os espaços permitidos, um feito nada menos que brilhante.
Quanto ao trabalho de Redford na direção, claro que não se deve desconsiderar a condução dada por ele à seu filme. Além da delicadeza e sensibilidade no tratamento da trama imensamente emocionante, Redford teve a sensatez e sabedoria de não usurpar o material excelente que tinha em mãos, preservando fielmente no roteiro escrito por Alvin Sargent a estrutura original da história, que centra-se nas conturbações após os eventos que desintegraram a estabilidade da família de Conrad – a morte do filho mais velho e a tentativa de suicídio dele próprio – fazendo assim um verdadeiro estudo da erosão familiar após acontecimentos que abalaram suas estruturas em uma abordagem não muito comum no cinema, mas que, ironicamente, é que normalmente acaba tendo os melhores resultados. Porém, esta que é inquestionavelmente uma das maiores obras-primas sobre dramas familiares concebidas até hoje no cinema americano é mais fruto de uma conjunção incomum de oportunidades e talentos do que da aptidão de Robert Redford como cineasta, já que depois deste longa-metragem a pequena filmografia do criador do Sundance Festival está tomada de filmes medianos e insossos que nem se comparam à estréia. É aquela velha história da obra que se torna muito maior do que o artista – e, provavelmente, até mesmo Redford concordaria com isso.

OBS: legenda em português embutida.

megaupload.com/?d=DYPXLPKA

1 comentário

“O Sétimo Continente”, de Michael Haneke. [download: filme].

Der Siebente Kontinent, de Michael Haneke

Em meio à monotonia de seus afazeres diários, Georg, sua esposa Anna e a pequena filha Evi, família austríaca de classe média, toma uma decisão surpreendente.
Com uma carreira já consideravelmente longa dirigindo filmes para a televisão austríaca, quando fez sua estréia no cinema com o longa-metragem “O Sétimo Continente”, em 1989, o diretor alemão Michael Haneke já tinha seu famoso estilo meticuloso e clínico completamente depurado. Baseando-se em uma história real que chocou a Áustria nos anos 80, Haneke desconcerta o espectador ao permanecer mais de dez minutos iniciais do filme focando suas câmeras apenas na interação dos três personagens com objetos e itens do seu cotidiano, sem nem por um momento revelar seus rostos e emoções, recorrendo ao artifício em pelo menos mais duas longas sequências da película, a última delas particularmente perturbadora. Em se tratando de Haneke, esse recurso estilístico não é meramente uma decisão de caráter estético, é certamente uma ferramenta importante para atingir seu objetivo. É com o uso deste recurso que Haneke retrata a interminável sucessão diária de ações mecânicas que ocupam a maior parte de nossa vida, algo do qual com muito pouca frequência nos damos conta. Mas ele não para por aí: ao separar estas cenas por intervalos “cegos” com a tela completamente vazia, o diretor alemão sugere que entre o eterno roteiro de ações inócuas há verdadeiros vácuos de vivência onde nossa existência fica praticamente em estado de suspensão. Achatadas por essa rotina de automação e descaracterização de nossa subjetividade e humanidade, mesmo as poucas cenas que retratam a interação afetiva entre os personagens, a bem da verdade, ou acabam de algum modo mostrando-se perfiladas como parte desta automação ou não se mostram suficientemente fortes e concretas para vencê-la: é por essa razão que mesmo quando Anna expressa seu carinho pela filha Evi ou quando Georg e sua mulher fazem amor com alguma satisfação visível tudo parece carecer de uma dimensão mais real, já que estes atos são atravessados por uma letargia emocional que impede que tais sensações possam ser vividas e expressas em sua completitude e profundidade e retira-lhe sua real significação como algo essencial para levar à frente nossas vidas.
A conclusão disto surpreende o espectador, mas ao mesmo tempo, não poderia ser outra, e frente o impasse existencial que muitos à certa altura experimentam por não encontrarem razão e sentido para o que fazem, Georg, Anna e Evi tomam uma decisão drástica que sela o destino da família e, curiosamente, a executam com a mesma serenidade e mecanicidade que envolve todos os atos rotineiros cuidadosa e inteligentemente retratados pelo diretor alemão.
Sempre polêmico e incômodo sem apelar ou cometer concessões, ao registrar fria e implacavelmente a trajetória desta família, Haneke impiedosamente submete a platéia a ocupar a posição desagradável de testemunha dos fatos e, sem alternativa, obriga esta à inescapável reflexão sobre as relações humanas na vida moderna – e assim o diretor inaugurou a exploração da temática que lhe é tão cara e que persegue com incansável obstinação até hoje e lapidou definitivamente a pedra fundamental do seu cinema altamente provocador. Um cinema que não é para os mais sensíveis, é bom dizer.

OBS: legendas embutidas em português.

rapidshare.com/files/400835375/OSTMCTN.part1.rar
rapidshare.com/files/400842884/OSTMCTN.part2.rar

Deixe um comentário

Jay-Jay Johanson – Spellbound

Infelizmente, o blog do meu amigo não está mais online, e por esse motivo, tomo a liberdade de reproduzir aqui um backup da resenha que fiz originalmente como blogueiro convidado no saudso Zé Offline. Logo depois da resenha segue a postagem original, para fins de “fidelidade histórica”, como diria Mark Hamill.

Conheço Jay-Jay Johanson de apenas dois dos seus discos, Poison e The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known, ambos ambientados dentro dos domínios do trip-hop com algumas fusões de pop e jazz. De modo geral, não seria errado alinhar o cantor e compositor dentro da seara da música eletrônica, mas isso já não é mais tão simples com o lançamento de Spellbound, seu mais novo disco. Para minha surpresa, à exemplo do que fez Beck no disco Sea Change, o artista sueco mudou consideravelmente de direção, enveredando por melodias profundamente contemplativas cujas bases em boa parte acústicas não vão muito além de pianos e violões e de algumas reluzentes doses de orquestrações. Aparentemente, a mudança parece ter sido influência do legado de seu trabalho na composição da trilha do filme “La Troisième Partie du Monde”, sua segunda experiência do tipo na carreira. A ambiência cinemática, trazida do trabalho no filme, aparece tanto nos silêncios significativos quanto nas orquestrações que reforçam o caráter dramático das melodias, o que já fica patente na faixa de abertura, “Driftwood”, composta pela alternância entre versos cantados por Johanson e uma harmonia orquestral breve e sutil que os sucedem, fazendo-lhes um contraponto melódico extremamente sofisticado. “Dilemma”, a faixa seguinte, recupera brevemente na cadência pop-jazz do piano de notas esparsas e graves e na percussão leve a musicalidade nostálgica do cantor sueco, apresentando grande parentesco com músicas que seriam certamente liveset de algum cabaret. Já em “On The Other Side” a harmonia doce e triste do piano traz como referência canções marcantes que foram trilhas de séries e filmes clássicos dos anos 70. Mais à frente, o violão de “Monologue”, dedilhado com parcimônia sobre sintetizações distantes e difusas, evoca o mesmo sentimento de placidez que pode ser experimentado à beira do leito de um rio em meio à uma floresta calma e vasta. Evocativa também é a melodia de “The Chain”, porém a programação-base que irradia-se em uma ondulação delicada, os toques abafados no piano e os acordes sufocados e arranhados em um violão buscam como reminiscência o remanso de outras águas: as do mar. Adiante no disco, além da clara inspiração pictórica, a música de terras mais distantes e paisagens mais tropicais também parece ter motivado as novas composições do artista sueco, já que, apesar dos acordes hesitantes e narcolépticos ao piano e do trompete solitário e melancólico de “An Eternity” terem um gosto inconfundível de jazz, o vocal do cantor, em registro baixo e silencioso, tem o sabor todo marcante da bossa-nova. Mas, se me fosse exigido escolher uma única canção de Spellbound para servir como a mais representativa desta fase renovada de Johanson, ela certamente seria a pungente “Ouf Of Focus”: sobre o melancólico ressoar de um orgão, o registro cálido e resignado do músico ao encerrar o disco cantando o triste verso “because of the tears in my eyes I saw her leaving out of focus” é de calar mesmo a mais atormentada das almas.

O post desta semana vai ser um pouco diferente: fui chamado pelo meu grande amigo a publicar uma resenha, como autor convidado, no seu blog, o Zeoffline.com. Recebi dele toda a liberdade do mundo quanto ao conteúdo da resenha: poderia ser sobre qualquer das coisas às quais já tenho hábito de escrever nos meus dois blogs: cinema, música, vídeos…e até homens. Mas eu penso que todo mundo, quando entra como convidado em algum lugar, faz questão de respeitar a casa do anfitrião e adequar-se ao ambiente. Por essa razão, decidi que o texto seria sobre um disco, que é a grande tônica do excelente blog do Zé. Aliás, se você ainda não conhece o Zeoffline.com, ta aí a melhor oportunidade pra fazê-lo: dê um pulinho lá pra conferir a minha resenha da semana e aproveite pra conhecer o blog.
É isso.
Na próxima resenha, tudo volta ao normal: vai ser aqui no blog mesmo.
Abrações e divirtam-se!

Deixe um comentário

“Sauna”, de Antti-Jussi Annila. [download: filme]

Sauna, de Antti-Jussi Annila

Eerik e Knut são irmãos e fazem parte de uma das duas comissões estabelecidas para definir as fronteiras pós-guerra entre Rússia e Finlândia em 1595. Apesar de todos os crimes que carregam do conflito, é um ato aparentemente sem consequências graves que começa a cobrir as suas vidas de um horror inimaginável.
Sendo apenas seu segundo filme lançado até o momento, “Sauna” é um espetáculo cinematógrafico primoroso e apurado do diretor finlandês Antti-Jussi Annila que desde sua cena introdutória intriga e arrebata pela imensa qualidade do conjunto composto pelo diretor e toda sua equipe. Do modo mais imediato, nota-se prontamente a sublime excelência dos componentes técnicos do longa-metragem, mas ao longo do filme percebe-se que aqui, ao contrário do que acontece em muitos longa-metragens de terror, a estética não é um artifício meramente gratuito ou explorado como um clichê ordinário, mas sim uma ferramenta de apoio inteligentemente utilizada pelo diretor para potencializar a trama de “Sauna”: a ambientação e cenografia irretocáveis, a trilha sonora formidável, os enquadramentos estudados e cuidadosos e a fotografia espetacular são todos utilizados em conjunto não apenas para construir e reforçar a atmosfera enigmática e sombria, mas para delinear esplendidamente os contornos da personificação do mal onipresente da trama. Exemplo disso é a espetacular caracterização da sauna que dá título ao filme como um casebre funesto e horripilante que levanta-se sobre um espelho d’água espectral dentro dos domínios do pântano.
E, por falar na história, é justamente o roteiro de Iiro Küttner que torna este um daqueles poucos filmes de horror que vão muito além da construção de um clima e de um argumento amedrontadores. A trama arquitetada por Iiro, que versa sobre um horror desconhecido e incompreensível que vai aos poucos perseguindo e cercando um grupo de homens em um ambiente soturno e desolado, parece à primeira instância pouco clara, pontuada que é por eventos e elementos extremamente bizarros que parecem não receber qualquer explicação, mesmo uma sobrenatural. Contudo, é somente depois de finalizado o longa e tendo analisado atentamente alguns elementos e falas que passam quase despercebidas durante o filme que se compreende que há uma ambiguidade complexa que acaba por dar margem à mais de uma interpretação possível para a natureza de sua história, a mais brilhante e mirabolante delas sendo uma alegoria das mais impactantes que tem como resultado um estudo magistral sobre culpa e punição que mesmo boa parte dos filmes de drama não costumam tratar com tamanha competência.
É claro que essa fuga do lugar-comum do gênero, por conta da história que não se permite decifrar pronta e completamente e pelo diretor não se entregar à violência gratuita, além do fato da produção não pertencer ao circuito mais tradicional do terror – o longa é fruto de esforços conjuntos entre a Finlândia e a República Tcheca -, acabou por relegar o filme ao conhecimento de bem poucos espectadores, e isso até mesmo entre os que tem o terror e suspense como suas preferências. Porém, é justamente este conjunto de características que tornam esta uma produção tão singular: seu objetivo está muito longe de simplesmente dar sustos e horrorizar com closes detalhados em tomadas de violência explícita. Annila sabe que pode bem mais do que isso, e igualmente pode o público – por esse motivo o diretor decidiu não menosprezar a inteligência da platéia e lhe entregar algo bem mais ambicioso, profundo e efetivo, resgatando, mesmo que apenas por pela breve duração de seu filme, a inegável superioridade dos longas de horror mais psicológico, gênero tão esquecido e relevado pelas platéias já há muito tempo em detrimento de espetáculos cada vez mais pueris de carnificina vulgar que só fazem manchar a reputação e dar munição àqueles que o consideram um gênero menor do cinema – ainda bem que sempre teremos diretores como Antti-Jussi Annila para provar com suas obras impressionantes o quanto isto não é verdade.

legendas (português):
http://legendas.tv/info.php?d=36df496eefb9c3e9592a834141d3cc8b&c=1

rapidshare.com/files/275473340/Sauna.2008.DVDRip.XviD-DOMiNO.part1.rar
rapidshare.com/files/275472131/Sauna.2008.DVDRip.XviD-DOMiNO.part2.rar
rapidshare.com/files/275478383/Sauna.2008.DVDRip.XviD-DOMiNO.part3.rar
rapidshare.com/files/275481442/Sauna.2008.DVDRip.XviD-DOMiNO.part4.rar

Deixe um comentário

“Cisne Negro”, de Darren Aronofsky. [download: filme]

Black Swan, de Darren Aronofsky

Nina, bailarina de famosa companhia de New York luta para encontrar a interpretação perfeita de dois dos mais famosos personagens do mundo do ballet enquanto, ao mesmo tempo, é aterrorizada por situações estranhas. Darren Aronofsky é um cineasta que costuma ter idéias promissoras e muito bem realizadas, porém, em algum ponto de sua execução o diretor americano acaba sempre cometendo equívocos que atrapalham o conjunto final do longa-metragem e frustrando, portanto, as expectativas do público. Foi assim com praticamente todos os seus filmes anteriores, sem dúvidas sendo o pior caso o de “A Fonte da Vida” – praticamente uma hecatombe. Todo o entusiasmo gerado por “Cisne Negro” me fez pensar que finalmente ele tinha encontrado a medida. Infelizmente, a tradição se manteve mais uma vez.
“Cisne Negro” é, como já poderia se prever, mais um filme de impecável realização na filmografia do diretor. Mas isso não é de causar surpresa alguma, já que Aronofsky é conhecidamente um daqueles cineastas que conseguem achar o tom certo para tramas de naturezas diversas que decidem abordar, o que se configura na principal contribuição para que seus filmes sustentem um clima sólido durante toda a sua duração e para lhe conferir a ótima reputação que detém estréia após estréia – reputação um tanto quanto exagerada, já que beira o hype que cerca David Fincher, por exemplo, mas na maior parte é justificável a celeuma em torno de Darren já que isso se deve à sua competência ao lidar com as diferentes camadas de uma produção cinematográfica, técnicas e artísticas, e conceber um todo mais coeso e coerente. Com o apoio da interpretação em grande parte física e gestual de Natalie Portman, a sedutora composição de Mila Kunis, a presença sempre magnética do francês Vincent Cassel, além da fotografia e cenografia frias e depressivas e da trilha sonora climática, o diretor consegue encenar com considerável precisão o avançar de um surto psicótico e paranóico em uma mulher de personalidade reprimida e fragilizada sem que ninguém, à exceção de seu ente mais próximo, se dê conta disso – algo, diga-se, bem comum de se ocorrer. Sob esse ponto de vista, o diretor obteve sucesso e atingiu plenamente seu objetivo.
Há, porém, dois pontos que mudam consideravelmente esta avaliação, ambos da ordem da promoção e também concepção do longa-metragem que acabam, em consequência, problematizando a trama por trair prováveis expecativas do espectador. O primeiro está relacionado ao gênero ao qual o filme foi enquadrado inicialmente, o terror. Aronofsky se utiliza de alguns artifícios do cinema de horror, mas eles não apenas não são suficientes para caracterizá-lo como pertencente ao gênero como são, a meu ver, um tanto desnecessários e desconcertados. Segundo, e em parte relacionado ao primeiro, o diretor de “Cisne Negro” parece ter considerado por algum tempo durante a produção do longa-metragem sustentar nele um caráter de mistério – e “Cisne Negro” até chegou a ser promovido com tais pretensões -, o que daria sustentação à utilização das poucas e frágeis sequências de horror, mas em cerca de 20 minutos de sessão do filme já não há, intencionalmente, qualquer segredo sobre a natureza dos estranhos eventos da trama e o público já se dá conta de que qualquer perturbação experimentada pela protagonista é fruto de seu crescente estado de desequilíbrio, o que torna o filme não mais do que o retrato do gradual avançar de um surto de ordem psicótica e a platéia, portanto, a sua testemunha silenciosa. Isso de modo algum faz deste um filme ruim, mas a meu ver o longa deixaria de ser apenas um bom filme e poderia se revelar uma experiência muito mais impactante se de fato a dúvida fosse seu elemento chave e toda a subversão comportamental perpretada por Nina não ficasse quase completamente no plano do delírio. Claro que por ser fruto de expectativa, isso não é inteiramente culpa de Aronofsky. Contudo, se desta forma considerado, o filme, que ainda assim não deixa de ser um êxito, o é sobre o alicerce de falsas ousadias escondidas sob um manto de ortodoxia dissimulada – bastava somente suprimir e inserir alguns elementos aqui e ali e o ballet mórbido de “Cisne Negro” seria convertido de um grasnido breve e tímido para um canto que ecoaria bem mais triunfante, trágico e perene.

OBS: legenda embutida em português

http://fileserve.com/file/GZ4v8cV/CisneNegroLeg.rmvb

1 comentário