Em seu terceiro disco, Adriana Maciel abandonou o pop/rock de Sozinha Minha e revisitou em 2004 sambas tradicionais e obscuros, além de algumas composições mais contemporâneas, evitando as duas abordagens mais habituais em projetos deste tipo: foram descartados tanto a rigidez que valoriza a tradição melódica do samba, que carrega consigo a esperança dúbia de alavancar para o artista uma vaga entre os intérpretes mais cults do Brasil, quanto as injeções de toneladas de elementos pop nos arranjos, que geralmente serve ao propósito de compor uma forçada sonoridade pós-moderna com o claro objetivo de ganhar status de artista modernosa. Ao invés disso, Adriana e seu produtor, Ramiro Musotto, decidiram que o melhor mesmo era que os arranjos dosassem muito bem seus elementos para que respeitassem o timbre vocal da cantora, um tanto quanto limitado, mas extremamente doce e macio. Fica evidente esta resolução no equilíbrio inquebrantável presente nas faixas “A Televisão”, com percussão que ressalta a beleza das letras sobre como a chegada da TV mudou os costumes da época, além do violino e da programação dos teclados que encorpam a melodia, “Só”, onde o dueto com Zeca Baleiro é emoldurado pela calidez do Wurlitzer e da guitarra e o violão e a percussão soam tão sossegados quantos os vocais de Adriana e Zeca, e “Samba Dos Animais”, onde a cantora decidiu levantar um pouco o seu vocal no refrão para acompanhar o arranjo que conta com toques gentis na guitarra e nos berimbaus, além da percussão e da programação ternas. Mas foi nos arranjos de duas canções já interpretadas pela fabulosa Clara Nunes que Adriana e Musotto definiram muito bem a identidade deste disco, que mistura o popular e o erudito com uma elegância e suavidade difícil de se encontrar: em “Feitio De Oração” a dupla prima pela simplicidade em todos os sentidos, diferenciando-a, e muito, das versões mais clássicas tanto ao adotar apenas parte da letra composta por Noel Rosa para a música de Vadico quanto ao concentrar a melodia na sonoridade retirada de percussão e de berimbaus, com fascinante intervenção de uma cuíca, tudo coroado pelo vocal plácido de Adriana, e em “Juízo Final” a forte cadência do samba, tão emblemática na versão de Clara, foi atenuada pelo vocal tranquilo da cantora, pelo ecoar distante da programação no teclado de Sacha Amback, pelos acordes esporádicos e dramáticos da guitarra de Bernardo Bosisio e pelo glorioso ressoar do violino solo de Nicolas Krassik.
Adriana, tão pouco conhecida mesmo entre aqueles que tem verdadeira adoração por nossa música, merecia uma atenção mais carinhosa do público, ainda mais depois de ter lançado este disco, que já não é tão novinho assim. É certo que a cantora não é exatamente portadora de uma voz poderosa, e isso obviamente é um grande atrativo para qualquer pessoa que adore música, mas música não é apenas voz: música é carisma, música é identidade, música é alma. E em Poeira Leve Adriana compensa as limitações de sua voz, assumida desde o início, com um derramamento de intensa sutileza, brilho e elegância. E, como sugere o próprio nome do disco, não há como você evitar ficar deliciosa e sultimente suspenso no ar depois ter contato com este álbum.
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