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Tag: bat for lashes

Bat For Lashes – Two Suns (Special Edition). [download: mp3]

Bat For Lashes - Two SunsLançado em abril do ano passado, Two Suns, segundo álbum de Natasha Khan, mais conhecida pelo pseudônimo Bat For Lashes, demora um bocado a entrar em acordo com os ouvidos de quem se aventura pelas suas faixas. À excessão de uma ou duas músicas, todo o restante do disco sofre um processo lento de apreciação, que no meu caso levou meses. A primeira impressão, que perdurou até há pouco, era de que este álbum era muito inferior ao primeiro disco da artista britânica. No entanto, depois de deixá-lo de lado todo este tempo, dei a Two Suns uma segunda e mais atenta rodada de degustação sonora, e então mais faixas foram revelando seus encantos ocultos. Durante estas novas sessões de apreciação do disco, me dei conta de que o fator que motiva esta indiferença inicial é efeito da construção obtusa das melodias, que iniciam com harmonias um tanto opacas, geralmente capitaneadas por sintetizações que tem algo de atonal. “Glass”, por exemplo, abre o disco, mas nem por isso consegue se sobressair prontamente para o ouvinte com sua percussão que faz uma sucessiva evolução em densidade e volume enquanto baixo e orgão acompanham solicitamente a melodia e sintetizações cristalinas e cintilantes tomam o refrão da música como uma repentina chuva de verão. Também por conta do seu trecho inicial, “Daniel”, que nasceu da fascinação de Natasha quando adolescente pelo personagem de mesmo nome do filme “Karatê Kid”, só vence a apatia depois de cautelosas audições, que assim descortinam a beleza presente tanto no vocal e vocalizações ao mesmo tempo doces a amargurados quanto no beat e programação de ares nostálgicos e lúgubres cortados pela ondulação luminosa de um violoncelo.
Mas o personagem interpretado pelo ator Ralph Macchio não é o único que serviu de inspiração à Two Suns. Além de aproveitar este ícone da cultura pop dos anos 80 para suas novas composições, Natasha Khan achou por bem dar vazão à uma criação própria neste disco, criando assim Pearl, personagem que representa o lado mais negro de sua personalidade, cujo materialismo e agressividade se opõe diretamente ao misticismo e espiritualidade que caracterizam a artista. As referências às duas diferentes forças estão presentes por todo o disco – que não por um acaso foi batizado de Two Suns -, mais elas estão mais explícitas especialmente nas faixas “Siren Song”, “Pearl’s Dream” – claro -, “Two Planets” e “The Big Sleep”. A primeira, em cujos versos Natasha afirma que seus romances são a certa altura sempre destruídos pelo surgimento da personalidade agressiva e predatória de Pearl, apresenta uma melodia na qual o silêncio ressaltado pelo vocal da artista e acordes de piano mergulhados em plácida emoção são revertidos em uma harmonia assinalada pela intensa dramaticidade da percussão em pulso bem marcado e da bateria e piano que impregnam na música uma atmosfera de pleno frenesi. “Two Planets”, que retrata claramente a luta de Pearl em tentar sobreviver e sobrepujar a personalidade predominante, está impregnada de um caráter ritualístico, que vai desde a percussão que abusa do compasso tribal, passando pelas palmas constantes até o cantar em tom emergencial. “Pearl’s Dream”, o clamor da personagem por aquilo que acha que é de seu direito – a vida -, faz o diabo com a programação de beats para, juntamente com a percussão e os vocais perfeitos de Natasha, construir um crescendo fabulosamente épico e espetacularmente dançante. E “The Big Sleep”, dueto da cantora com Scott Walker, fecha o disco e a jornada de existência de Pearl em uma melodia profundamente bela produzida tão somente por um piano de coloração enormemente etérea e intensamente triste e por suaves sintetizações que agregam um tom sutilmente fúnebre ao réquiem de Pearl, que declara nos versos sentir esvair suas forças enquanto descobre que é a hora de despedir-se definitivamente – com o perdão do trocadilho barato, mas é realmente uma pérola de beleza sem igual.
Apesar de eu algumas vezes gostar de manter um certo caráter de atualidade nas resenhas produzidas no blog, procurando não atrasar muito os textos sobre filmes e discos que estão sendo lançados, coisas como Two Suns mostram como é importante deixar que elas sigam o seu próprio ritmo. Tivesse eu feito a resenha quando lançado o álbum para tentar manter esta feição up-to-date no seteventos.com, certamente ela estaria marcada pela impressão negativa que persistiu até poucos dias atrás. Ainda bem que eu já não tenho mais essa pretensão para o blog. O objetivo aqui, já há algum tempo, é estudar as coisas sem pressa para analisá-las com o detalhamento necessário e suficiente – sem também pecar por exageros, porque isso aqui não é uma tese de doutorado – e não ser o blog “antenadinho”, pontuando os últimos lançamentos. Desse modo, a análise é produzida com muito mais legitimidade, trazendo aos olhos e ouvidos o que vale a pena ser mostrado ao público – seja para desnudar suas qualidades ou seus defeitos – com mais propriedade. E assim foi com este novo-velho álbum do Bat For Lashes, que por isso renasceu nos meu ouvidos de um modo que eu já não pensava que aconteceria, exigindo, assim como a pobre Pearl, o seu direito a existir na minha seleção de discos favoritos.

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Bat For Lashes – Fur & Gold. [download: mp3]

Bat For Lashes - Fur & GoldAinda que eu discorde da existência do termo “indie rock”, sou obrigado a concordar com a fertilidade de seus domínios: você o vasculha e parece que ele nunca acaba, dada a frequência com que novos artistas surgem. E, diga-se de passagem, um com a musicalidade mais estranha do que o outro. Uma das que mais chamou a atenção – e, diga-se, atenção qualificada, já que ela foi elogiada por artistas como Thom Yorke, por exemplo – nos últimos meses foi Natasha Khan, mas conhecida pelo codinome Bat For Lashes, que utiliza ao se apresentar em companhia de mais três mulheres, Ginger Lee, Abi Fry e Lizzie Carey. Natasha, paquistanesa de nascimento e britânica de criação, tem uma quedinha pelo telúrico, perceptível pelo modo como materializa impressões sobre a natureza em suas composições. Porém, esse mundo natural não o é de todo, já que ela também utiliza-se de elementos que ultrapassam esta identidade, explorando imagens místicas e uma cuidadosa gravidade sombria em suas melodias – não é de se estranhar que Natasha costume se apresentar revertida em uma índia meio hippie-contemporânea.
Concentrando-se na análise de suas músicas, o elemento que mais chama a atenção no primeiro contato é o modo com que utiliza o cravo – até hoje, só senti efeito tão estrambólico e instigante com o cravo delirante de Tori Amos no mais do que obrigatório e clássico álbum Boys For Pele. Porém, é bom sinalizar que seu cravo difere muito do que foi concebido pela fabulosa compositora americana: Khan reduz ao mínimo as matizes de seus acordes, preferindo conferir-lhe destaque nas suas composições através do seu uso minimalista. É fácil observar isto em “Horse And I”, um devaneio sobre uma cavalgada noturna em meio à uma floresta para ser sagrada em ritual místico, e “What’s A Girl To Do?”, em que Natasha se pergunta sobre o que fazer quando descobrimos que vivemos uma relação em que já não existe o amor, pois o centro melódico é formado por um mesmo agrupamento de acordes no instrumento que vai sendo sutilmente modificado ao longo da melodia, e acaba sempre retornando aos acordes originais. Ao redor do cravo idiossincrático, ainda jorram delírios vocais, baterias de rítmica retumbante e temerins; e em “What’s A Girl To Do?” percussão e bumbos rufantes dividem espaço com uma programação eletrônica simples e abafada, enquanto nos vocais Natasha alterna canto e fala.
Contudo, Natasha não se pendura o disco inteiro em cima do cravo. Em faixas como “Tahiti” e “Prescilla” a autoharp – um derivado da cítara – é que compõe o centro da melodia. No caso da primeira, a autoharp vem acompanhada por pouco mais do que um piano de toques ondulantes que confere tristeza sombria, e na segunda canção ela faz novamente par com piano, mas além de seus monocórdicos acordes estarem mais vívidos, ele divide a parceira da autoharp com coro de palmas de cadência lúdica e um pandeiro que complementa a sonoridade um pouco mais festiva. Em outras faixas, como “The Wizard”, “Trophy” e “Sarah” a artista deixa de lado os instrumentos menos convencionais e contenta-se com aqueles mais conhecidos. Ainda assim ela consegue manter a mesma atmosfera obtida com as instrumentações menos ortodoxas na doçura do piano e vocais, na beleza da percussão e das violas mínimas e delicadas de “The Wizard” – em que ela declara sua fascinação à figura de um feiticeiro, na sonoridade grave do piano, da percussão e vocais e no baixo e guitarras obscuros – de “Trophy” – em que a cantora brada a devolução de um artefato que fez em homenagem ao seu amor – e também na sensualidade dos vocais, complementanda pelos metais, baixo, percussão e programação de “Sarah” – em que a cantora confessa invejar a luxúria algo perigosa que cerca outra mulher.
É verdade que Natasha gasta um tanto de energia para, além de soar, também parecer estranha, afinal de contas, que sentido pode-se extrair de uma garota de origem paquistanesa em trajar-se como uma glam-hippie nativo americana? Nenhum, com certeza. Mas é inegável que o visual efetivamente tem seu efeito, além do que ele, muito além do simples efeito estético, ainda atrai a atenção do ouvinte que, por “curiosidade mórbida” – como eu costumo dizer – se dispõe a gastar um pouquinho de seu tempo para descobrir que sons se escondem por trás do mistura visual esdrúxula – comigo, ao menos, a artimanha funcionou. Quem se arrisca descobre uma artista que já consegue, em sua estréia, desenhar uma identidade muito clara e demonstrar vigor invejável ao utilizar-se dos mais variados instrumentos e gamas melódicas. Assim, Bat For Lashes não deixa de ser mais um motivo para eu repensar a minha insistente recusa de aceitar o termo “indie rock”.

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