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“A Dama Na Água”, de M. Night Shyamalan. [download: filme]

Lady In The WaterZelador de condomínio da Philadelphia é salvo por uma mulher estranha ao quase afogar-se em uma piscina. A jovem afirma ser uma espécie de ninfa que tem a missão de revelar-se para uma pessoa em especial daquele local, ocasionando na vida desta pessoa uma mudança que afetará o futuro de inúmeras outras. Como ela está sendo ameaçada por criaturas inimigas, que tem a finalidade de não permitir que ela complete sua tarefa, o zelador terá que confiar em mais pessoas para ajudar a ninfa.
O filme tem, no seus últimos minutos, uma tomada brilhante: a cena em que a narf Story é levada pela águia gigante é camuflada pelo enquadramento da câmera, já que o ponto de vista obtido é o do fundo da piscina, revelando apenas uma vaga silhueta do acontecido sob a tremulação da água. Como esta é, ao mesmo tempo, uma das cenas mais esperadas pelo espectador e o clímax do filme, o fato de o diretor não entregar ao público o que ele vinha esperando o filme inteiro é algo realmente surpreendente.
Mas é só isso. Todo o restante do filme é um enorme painel de equívocos que, ao invés de despertar interesse e simpatia no espectador acaba mesmo gerando é frustração e irritação. O problema todo do filme reside no roteiro, de autoria do próprio produtor/diretor Shyamalan: tanto com relação ao argumento quanto ao “desenho” dos personagens o diretor pecou pelo exagero e falta de bom senso.
O equívoco que reside no argumento é fácil de perceber: partindo do mal-entendido de que em se tratando de fábula tudo é aceitável, Shyamalan delineou o argumento do filme com um estória tão estapafúrdia que, admitamos, conseguiu o feito de criar uma fábula inverossímil – e eu que pensava que isso não seria possível. A raiz do problema é que, para que os eventos nada-realistas de uma fábula se tornem concretos e passíveis de aceitação, todos eles devem estar fundamentados em razões e motivações que concatenam-se dentro dos acontecimentos ao longo do filme. E justamente isto o diretor não se deu ao trabalho de fazer, contentando-se com uma introduçãozinha com animação de bonecos de palito que tenta explicar alguma coisa mas não chega em lugar nenhum. Um segundo problema relacionado à este, que tive contato em comentários na internet, é que Shyamalan simplesmente contraria em seu filme a lógica de uma fábula: ao invés de criar uma maneira de visualmente contar a estória e a lógica dos eventos por ele criados, o diretor encheu o roteiro de diálogos que tentam se encarregar deste trabalho, tornando o filme inteiro uma sequência de conversas que, não apenas aborrecem pelo didatismo artificial mas também porque elas não satisfazem o seu pretenso propósito.
Os problemas que residem nos personagens pioram ainda mais a situação do roteiro e do argumento descabido do filme – obviamente por serem eles os agentes dos eventos da estória. Shyamalan tentou, de uma vez só, atingir vários objetivos com o “desenho” da personalidade e dos atos de seus personagens: primeiro, tentou satirizar a estrutura das fábulas, com suas figuras mais recorrentes; segundo, tentou compor um microcosmo da América contemporânea, com imigrantes que se viram como podem, bichos-grilos e os sujeitos que passam o dia se inteirando sobre os perigos do terrorismo tentando conviver em um espaço coletivamente compartilhado; terceiro, quis obter charme cult com um ou outro personagem bizarro, como o rapaz que exercita apenas um lado do corpo; quarto, vislumbrou até mesmo criticar a atitude arrogante e esnobe dos críticos de cinema, através do personagem que pertence à essa profissão. Para sua infelicidade, ele não conseguiu obter sucesso em nenhuma das frentes que tentou atacar, falhando em todas as tentativas devido à superficialidade de todos os personagens que criou. Se tivesse se contentado em satisfazer apenas um propósito talvez tivesse mais sorte.
Contudo, a explicação para esse imenso equívoco que é “A Dama Na Água” reside no personagem que M. Night Shyamalan resolveu interpretar no seu filme. Diferentemente de seus longas anteriores, onde fazia apenas uma ponta casual, aqui o diretor criou um personagem que participa mais ativamente dos eventos do filme. Isso não seria um incômodo tão grande não tivesse ele a idéia de colocar tanta importância no papel que desempenharia, fazendo de si mesmo a grande razão dos esforços da protagonista e o ponto de encontro da trama do filme. A pretensão estereotipada do seu papel é tanta que ele acaba mesmo sendo importante no projeto, mas apenas para torná-lo ainda pior do que já é, ao contrário do que imaginava Shyamalan.
Chega-se ao fim do filme, com muito custo, e fica claro na cabeça de qualquer espectador mais antenado que ele é resultado unicamente do fato de Shyamalan ter acreditado no discurso da indústria americana, que o anunciava como o cineasta mais inovador e revolucionário dos últimos anos. Só um ego muito inflado pela presunção e sem ninguém por perto para impor limites e filtrar excessos, como acontece com uma criança mimada, explicaria esse amontoado de clichês, estereótipos e tropeços que é “A Dama Na Água”.

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legenda (português):
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“Manderlay”, de Lars Von Trier.

ManderlayDepois da experiência em Dogville, onde a presença de Grace alterou os rumos da vida de todos os que lá viviam, a jovem chega a Manderlay, acompanhada de seu pai e seus gangsters. No momento em que se preparavam para ir embora uma mulher negra implora por socorro. Entrando nas dependências da fazenda descobrem que os proprietários do local mantém o regime da escravatura, mesmo depois de 70 anos de sua abolição. Grace interpela pelos escravos subjugados e decide ali permanecer, acompanhada de gangsters de seu pai, até garantir que os ex-escravos descubram como (sobre)viver em regime de liberdade e que seus ex-senhores tenham assimililado a concepção de que eles agora são livres e tão plenos de direitos quanto eles próprios.
Lars Von Trier é, como alguns diretores que constroem um projeto cinematográfico, presunçoso e ególatra. Porém, vindo dele isso é plenamente aceitável, já que ele possui todos os fundamentos para sê-lo: o diretor dinamarquês é um dos cineastas vivos mais geniais. Enquanto a imprensa propaga que o cinema oriental é a vanguarda do novo século, Von Trier mantém o trabalho mais verdadeiramente coeso, ousado e “avant-garde” da atualidade, criando e recriando seu cinema de uma forma inimaginável.
Apesar de avaliar o primeiro filme da chamada trilogia “Terra das oportunidades” como o mais fraco já produzido por Von Trier, ainda assim um filme seu é sempre melhor do que a maior parte do que é lançado durante todo o ano. Meus problemas com “Dogville” são a sua estética seca, seu argumento um pouco infantil e a óbvia presença de Nicole Kidman, que apresentou uma boa atuação mas que também causou enjôo, já que na época ninguém conseguia pisar em uma videolocadora sem trombar com algum dos inúmeros filmes que ela vinha fazendo. No entanto, em “Manderlay” Lars conseguiu amadurecer sua crítica aos Estados Unidos e à seu povo, concebendo uma fábula mais sombria e desesperançada.
À exceção de Lauren Bacall, que marca uma presença rápida como outro personagem, e do onipresente Jean-Marc Barr – ator fetiche do diretor dinamarquês – os personagens que marcaram presença no filme anterior retornam neste longa personificados por outros atores. Grace, por exemplo, muda de aparência, sendo aqui interpretada por Bryce Dallas Howard – filha do diretor Ron Howard. Esta é uma idéia interessante do diretor, já que ao mesmo tempo que abre caminho para novas nuances na personalidade do personagem ainda tem a obrigação de preservar os traços que foram anteriormente apresentados. Isso acabou gerando um problema, percebido por alguns críticos: Grace volta neste filme com um furor idealístico ainda maior, reforçando o caráter ingênuo da personagem. Isso não deixa de ser uma contradição, visto a experiência que Grace viveu em Dogville. No entanto, também não deixa de ser relevante a insistência nestes mesmos traços da personalidade da jovem ruiva, já que tudo nela é uma metáfora da América e de sua cruzada pela justiça, liberdade e democracia pelo mundo.
E já que entramos na questão do simbólico, qualquer pessoa mais esclarecida que assista ao novo filme de Lars Von Trier vai reconhecer na estória uma analogia à invasão americana ao Iraque: os delírios idealistas de Grace; a imposição na vida alheia daquilo que acha moralmente correto, e com o uso da força, se necessário; seus atos baseados em decisões impensadas; sua ingênua ignorância das diferentes concepções de valores e conceitos – tudo remete ao modo de pensar e agir da América e da maior parte de seu povo.
A cenografia da segunda parte da trilogia continua minimalista: um palco com fundo escuro, iluminação teatral, objetos cenográficos pontuais, marcações no chão propositalmente visiveis. Já comentei não ter gostado do experimentalismo teatral em Dogville, mas é fato que neste segundo filme o público já entra mentalmente pré-disposto a assimila-lo mais rapidamente. E Lars consegue mostrar estranha simbiose entre o visual desidratado da ambientação das cenas e o esporádico uso de alguns efeitos especiais muito bem aplicados, que servem de apoio direto ao argumento do filme. O efeito de uma tempestade de areia em pleno palco, por exemplo, é ao mesmo tempo de constraste e complementação.
Depois de toda essa experiência de cinema, ironicamente concebida com uso violento de recursos teatrais, Lars ainda reserva uma surpresa – das mais chocantes – nos créditos finais do filme, ao som da famosa canção “Young Americans” do britânico David Bowie. Não cometa o pecado venial de parar o longa antes de observa-lo até o fim. O diretor dinamarquês evita poupar seu público até mesmo neste momento, normalmente a sequência mais puramente formal de um filme. Lars Von Trier não tem mesmo quaisquer pudores em concretizar suas idéias, por mais doentias que possam parecer.

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