Pular para o conteúdo

Tag: documentarios

“Personal Che”, de Douglas Duarte e Adriana Mariño. [download: filme]

Personal Che, de Douglas Duarte e Adriana MarinoDois cineastas saem por vários cantos do mundo para obter informações sobre a relação que diferentes pessoas tem com a figura de Che Guevara.
Nos últimos anos, Che Guevara ganhou o foco de alguns projetos de cinema que abordaram desde o retrato de sua juventude anônima até a completa biografia de sua mítica vida de guerrilheiro revolucionário. Documentários também o redescobriram, como “Chevolution”, que se ocupa de desvendar todo o poder que envolve a emblemática foto tirada do revolucionário argentino pelo fotrógrafo cubano Alberto Korda, conhecida pelo nome “Guerrillero Heroico”. Porém, é provavelmente, >”Personal Che”, o filme dirigido e produzido pelo brasileiro Douglas Duarte e a colombiana Adriana Mariño que conseguiu encontrar um ponto de vista diferenciado para a realização de um documentário sobre Che Guevara. Partindo sempre da identificação que diferentes pessoas de vários cantos do mundo tem com a poderosa imagem feita por Korda, os dois cineastas mostram como, por conta de uma singular conjunção de fatos, aquela fotografia criou um mito único, só comparável, talvez, às imagens de Jesus Cristo. Porém, enquanto Cristo é, de modo geral, visto, conhecido, admirado e idolatrado de não mais do que dois modos diferentes, Douglas e Adriana mostram, ao entrevistar anônimos, que a adoração pelo guerrilheiro argentino desdobrou-se em diversas possibilidades, partindo da imagem óbvia de guerrilheiro comunista audaz, surpreendendo ao ser assumido como status de ícone revolucionário nazi-fascista, gerando incompreensão ao ser usado como estandarte oposicionista à regimes de esquerda, não impressionando ao ser considerado ídolo pop e causando enorme espanto ao ser visto literalmente como santo. Os dois cineastas, porém, não se limitam a puramente relatar o fenômeno das diversas personalidades que a figura de Che Guevara tomou. Paralelamente ao registro destas encarnações do revolucionário argentino, fazendo uso de um trabalho excepcional de montagem, o brasileiro e a colombiana inserem trechos de entrevistas feitas com historiadores, escritores e estudiosos do assunto explicando como isso acaba sendo possível devido ao poder singular que a foto de Korda agregou e, consequentemente, à capacidade das pessoas de tomarem esta imagem e a adequarem àquilo que lhes é mais apropriado, ignorando consciente ou inconscientemente, neste processo, todo o resto ou, ao menos, boa parte do que marcou a trajetória de Che. É deste modo que os dois diretores vão, pouco a pouco, desconstruindo a imagem que as pessoas fazem de Che Guevara e descortinando as revelações que são a grande sacada do filme: primeiro, mostram que, a bem da verdade, nenhum dos grupos citados o conhece de fato ou alimenta a sua idolatria considerando todas as facetas da vida do revolucionário latino-americano, ainda que conheçam mais de que uma parte delas; segundo, mostram que boa parcela dos que o idolatram ou admiram o fazem por inércia e impulso, ou seja, muito mais por influência da construção da figura de Guevara por agentes externos – a indústria cultural ou quaisquer que sejam – do que por um trabalho próprio de reflexão – é por essa razão que, quando estas pessoas são indagadas sobre o porquê de sua admiração, não se recebe delas, fundalmentalmente, uma resposta convincente.
Baseado neste conjunto de metamorfoses, apropriações e reversões da imagem e do mito de Che Guevara, os diretores concluem o filme sustentando a idéia lançada pelos estudiosos entrevistados de que, a partir daquela emblemática imagem, Che Guevera tornou-se provavelmente o primeiro protótipo das supercelebridades modernas, já que pouco importa o que Che realmente foi ou fez, importa a imagem que se pode produzir de Che a partir do “Guerrillero Heroico” e de toda a lenda construída a partir daquele instante único do argentino que Alberto Korda registrou quase que casualmente em suas lentes. Parece tolice considerar este evento como a gênese de uma das molas mestras do jornalismo de entretenimento das últimas décadas, mas se este não foi o evento gerador, foi e ainda é, ao menos, o mais notório e perfeito exemplo de como construir, explorar e perpetuar uma supercelebridade – para inveja da grande maioria das estrelas pop da atualidade, só Che Guevara continuará, sem esforço algum, imortalizado em camisetas trajadas orgulhosamente – ainda que não saibam bem porque – dos jovens que vieram, vem e estão por vir nas muitas décadas à nossa frente.

megaupload.com/?d=9WNK4410

OBS: legendas em português já embutidas.

Deixe um comentário

“Helvetica”, de Gary Hustwit. [download: filme]

HelveticaApesar de as chances de que alguém esteja se perguntando, “mas que porra é essa de Helvetica?” sejam muito maiores, eu garanto que para alguns que já lidaram em algum momento com design a pergunta deve estar sendo “é isso mesmo que eu li?”. Sim, é isso. “Helvetica” é mesmo um documentário sobre uma das fontes tipógraficas mais famosas do design gráfico mundial.
A princípio, pode-se pensar ser uma tarefa hercúlea transformar a história de uma fonte, possivelmente repleta de aspectos técnicos maçantes, em um documentário de 80 minutos. Contudo o filme de Hustwit não se propõe a fazer tão simplesmente isto. Além de fazer utilização cautelosa e parcimoniosa de detalhes técnicos meticulosos, Gary Hustwit ocupa muito pouco tempo de “Helvetica” com a gênese da fonte. Na verdade, o documentário tem como seu principal objetivo esclarecer a influência da Helvetica na renovação instaurada no mundo do design da última metade do século passado, bem como ilustrar o papel que a fonte desempenhou na construção da identidade de muitas corporações durante o mesmo período. Para tanto, o filme conta com entrevistas de renomados profissionais do mundo do design e da tipografia, e são estas entrevistas que acabam se tornando o grande atrativo do filme pelo conteúdo de algumas declarações dadas nos depoimentos: não apenas descobrimos que a Helvetica é a fonte mais amada e odiada do mundo, já que há aqueles que repudiam justamente uma das suas características mais celebradas, a simplicidade de suas fundações, como também nos é revelado que alguns designers e tipógrafos acreditam que o uso ostensivo da Helvetica na imagem corporativa, devido a clareza e solidez de seus traços, foi uma das forças motrizes na ascensão do capitalismo e, claro, da globalização. Tá certo que essa teoria soa um bocado forçada e quandriloquente, mas é exatamente a importância que o documentário e seus “documentados” dão à protagonista do longa-metragem, quer seja ela mais ou menos coerente, que faz do filme entretenimento descompromissado de primeira.
Baixe o filme utilizando os links a seguir.

http://www.megaupload.com/?d=SQQZ8LMF
http://www.megaupload.com/?d=3DIO3UGZ
http://www.megaupload.com/?d=UK4PDBGD
http://www.megaupload.com/?d=8U3IQXZM
http://www.megaupload.com/?d=G055WK6G
http://www.megaupload.com/?d=7P27UUHH
http://www.megaupload.com/?d=1EQVRAYP

legendas (português):
http://legendas.tv/info.php?d=b1ced0b6d7053db0a9a5c796a25bfda7&c=1

4 Comentários

“Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen.

Undergangens ArkitekturDocumentário de 1989 que apresenta como valores, idéias, conceitos e teorias foram encadeados e tomados de forma cada vez mais radical até resultar no movimento Nazista e no sonho de dominação, purificação e embelezamento do mundo pelo Império Alemão.
Peter Cohen expôs em 1989, no seu documentário “Arquitetura da Destruição”, o resultado de uma pesquisa que tomou 7 anos de sua vida: diferentemente da abordagem dada ao tema até então, que se resumia em buscar o impacto e estupefação fáceis nas platéias ao estampar a tela com cenas de extermínio e desgraça promovidas pelo regime Nazista, Cohen estava mais interessado em promover o seu alerta de forma mais inteligente, sutil e profunda, revelando todo o arcabouço de idéias e suposições sobre o mundo, o seu estado de então e o seu futuro, bem como os artifícios utilizados pelo governo alemão para propagar sua idéias e angariar todo o apoio de sua população para torná-las realidade. A epifania de Hitler diante de “Rienzi” de Wagner, sua obssessão com a estética perfeita das artes greco-romanas, sua admiração pelo regime de governo do Império Romano, a sua predileção pela arquitetura faraônica são todos expostos como fontes de inspiração para a formulação e desenvolvimento do regime e ideais nazistas, bem como serviram de instrumentos para sua sustentação e contínua manutenção – sim, porque a arte, a propaganda e a ciência foram utilizadas, cada uma em seus mecanismos mais dinâmicos – exposições em galerias, exibições de filmes, comícios e reuniões – como veículos de propagação dos ideais nazistas, afim de, ao mesmo tempo, legitimar o pensamento Nazista e difamar tudo o que não se enquadrava em seus ideais utópicos. Esse enraizamento do Nazismo com certos preceitos estéticos-artísticos não foi por um mero acaso: segundo o documentário, muitos dos maiores artífices do movimento tinham inclinações artísticas, ou mesmo eram artistas frustrados. O próprio Hitler, que fora recusado na Academia de Viena como pintor, dava vazão à suas ilusões artísticas ao desenhar, planejar e arquitetar – ou ao menos delinear as bases – de grande parte da estética do movimento, de seus eventos colossais, de sua arquitetura megalômana e de sua propaganda.
Assim, o longa-metragem documental de Peter Cohen não causa impacto pelo sensacionalismo mais preguiçoso, pela exploração óbvia e previsível de um episódio histórico envergonhante, mas sim por esclarecer sua gênese de forma profunda, jogando luz sobre aspectos obscuros e muito pouco discutidos, divulgados e escrutinados. É através de sua investigação detalhada, tanto sobre ilusões, conceitos e métodos de Hitler e seus homens de confiança quanto do próprio movimento Nazista e o seu “corpo do povo” – o ariano, claro – que Peter Cohen consegue nos alertar para o perigo que representam conceitos radicais do que é esteticamente aceitável, ideais de beleza levados ao extremo, subversão de discursos integrados em movimentos artísticos e a abordagem pinçada de afirmações científicas. Hitler era realmente um homem inteligente, mas a sua inteligência era, talvez, uma das mais burras que pode ter existido: uma inteligência dissociada de qualquer noção de humanidade e de entendimento das diferenças em detrimento do sonho de evolução para um mundo estático, preso em moldes idealizados de beleza e assepsia – uma idéia tão doentia que a contradição mais básica, a de que a evolução sem a existência da diferença não é evolução, mas meramente um engessamento do desenvolvimento humano, foi completamente ignorada.

4 Comentários

“Uma Verdade Inconveniente”, de Davis Guggenheim. [download: filme]

An Inconvenient TruthO filme reúne dados resultantes de pesquisas científicas, em uma apresentação feita pelo ex-vice-presidente americano Al Gore, procurando chamar a atenção sobre o quanto o aquecimento global está ocorrendo de forma cada vez mais acelerada e sobre como as suas consequências irreversíveis tomarão lugar muito antes do que imaginamos.
O documentário de Davis Guggenheim alterna a palestra de Al Gore com imagens e cenas de suas viagens por vários países onde a apresentou, estórias e acontecimentos familiares e com fatos de sua trajetória como senador, vice-presidente americano e candidato à presidência. Al Gore apresenta com muita clareza, com pouquíssimos momentos mais técnicos, a conclusão do seu acompanhamento dos estudos e pesquisas sobre as origens e efeitos do aquecimento global sobre o clima, geografia e futuro do planeta, pontuando também o seu efeito altamente nocivo na economia, no aumento da miséria, no surgimento de novas epidemias – bem como na piora das atuais – e no agravamento da extinção das espécies animais e vegetais. A idéia de investir em um formato mais híbrido, que não se concentra apenas na palestra, procurando humanizar e tornar confiável o seu protagonista, é visivelmente inspirada no marketing político – o que não deveria surpreender ninguém, visto ser Al Gore ser um -, mas ajuda também a tornar o documentário menos aborrecidamente técnico e estático, suavizando o seu andamento e conferindo-lhe temporalidade e dinâmica.
Apesar de muito elogiado, o filme também foi alvo de críticas, levantadas particularmente por políticos e jornalistas. A minoria destas críticas pergunta sobre a necessidade de, em alguns momentos do filme, expor a parcialidade da visão de Gore sobre acontecimentos e figuras do mundo da política. Há de se questionar o direito de Gore em abrir espaço para isso em um documentário que se propõe a esclarecer (ou lembrar) o público sobre uma questão que ultrapassa as fronteiras da crença ou ideologia política – isso é compreensível e razoavelmente sensato. Porém, mesmo podendo questionar a validade desse direito, há de se admitir também que Al Gore foi sincero o bastante para afirmar, em vários momentos do filme, que isso também é uma questão política – o que é mais compreensível ainda.
Uma outra parte das críticas questiona a validade de um documentário cujo conteúdo apresentado foi formulado sobre as conclusões não de um cientista, um estudioso no assunto, mas de um leigo, que tão somente reuniu pesquisas e informações científicas. Claro que Al Gore não tem formação no assunto, mas a luta pela consciência ecológica e ambiental não é perpetrada tão somente pelos estudiosos, mas também por porta-vozes. Grande parte do ativismo consciente e responsável no mundo, inclusive do ambiental, é feito por pessoas que não são estudiosos atestados. Desmerecer o esforço e trabalho destas pessoas só porque o conteúdo de seu ativismo não é fruto direto de sua própria reflexão é esnobismo leviano. A história do mundo não é feita só pelos que produzem o conhecimento, mas também pelos que lutam para que todos reflitam e façam uso dele.
Mas, o que mais impressiona é que a maior parte das críticas formuladas digam ser puro exagero – quando não sensacionalismo – declarar que o aquecimento global seja fruto da ação humana – particularmente da ação humana norte-americana – questionando a veracidade dessa afirmação. Dentre todas as três críticas feitas ao longa-metragem, essa é a única que realmente não dá para engolir, muito menos tolerar pacificamente. Mesmo em pleno século XXI, com o noticiamento maciço de toda uma miríade de catástrofes climáticas e ambientais, escancaradamente causadas pela ação do homem – o que está mais do que claro para qualquer ser humano que não tenha algum nível de retardamento mental -, é impossível aceitar que alguém creia ser isso invenção ou devaneio científico. E eu não consigo decidir o que é mais desprezível: se é o fato de essas pessoas fazerem tais afirmações movidas pela ignorância ou se é por fazerem isso puramente por interesses escusos e extremismo político.
“Uma Verdade Inconveniente” não chega a ser um um filme brilhante, mas está bem acima da média pelo modo claro, objetivo e inteligente que Al Gore combina as pesquisas mais recentes e dados nunca antes divulgados ao público geral, finalizando em um alerta muito bem embasado e verdadeiramente aterrorizante – e se o espectador ainda se dispor à uma pesquisa em fóruns, portais de cinema e blogs, o filme ainda tem o mérito de apontar a existência (e insistência) da mais estapafúrdia ignorância humana – aqui no Brasil, inclusive. Meu único pesar com relação à essa gente cretina é que provavelmente elas já terão sido devoradas pelos vermes antes de o planeta ter o prazer de ele mesmo dar o troco.
Baixe o longa-metragem utilizando uma das fontes a seguir.

fonte 1:
http://d01.megashares.com/?d01=a54a06a

fonte 2:
http://rapidshare.com/files/1994143/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part1.rar
http://rapidshare.com/files/1994136/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part2.rar
http://rapidshare.com/files/1994142/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part3.rar
http://rapidshare.com/files/1994152/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part4.rar
http://rapidshare.com/files/1994161/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part5.rar
http://rapidshare.com/files/1994259/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part6.rar
http://rapidshare.com/files/1994133/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part7.rar
http://rapidshare.com/files/1992696/An.Inconvenient.Truth.DVDRip.XviD-DiAMOND.part8.rar

legenda (português):
http://www.opensubtitles.org/pb/download/sub/3086248

2 Comentários

“Língua: Vidas Em Português”, de Victor Lopes.

Língua: Vidas Em PortuguêsDocumentário que reune a opinião de artistas, e um pouco do cotidiano de gente comum, centrando-se em como a língua portuguesa e a colonização deste povo influi e integra a vivência destas pessoas.
O “ser” lusitano – ainda que apenas descendente ou por criação – é aqui investigado de maneira fascinante para qualquer falante desta língua: não há como não se emocionar ao se dar conta de que, apesar das evidentes e inevitáveis diferenças, há afinidades eletivas que nos unem todos, e nos quais podemos nos reconhecer mutuamente – o desprendimento, a tradicão da refeição do “café” à mesa, a fé desmedida na religião, o amor pela música. Quando se concentra em pessoas anônimas, o diretor Victor Lopes prefere não indagar sobre a língua e o lusitanismo, preferindo evitar uma filosofia popularesca e ocupando-se em montar um breve painel da personalidade delas e do cotidiano vivido por estas pessoas. Desta forma, Lopes atingiu seu objetivo mesmo sem tocar propriamente no assunto, utilizando-as como ilustração da discussão formada pelos protagonistas mais famosos do documentário. E é quando o assunto entra em pauta que os momentos de maior beleza surgem: Teresa Salgueiro e Pedro Ayres Magalhães – da banda Madredeus – , o compositor Martinho da Vila, os escritores Mia Couto, José Saramago e João Ubaldo Ribeiro falam de maneira franca sobre esta alma coletiva que habita todos aqueles que pertençam de alguma maneira aos povos lusitanos. Tão intraduzível para todos os outros povos quanto a palavra “saudade”, somente os que tem a sorte de integrar uma das culturas mais ricas, belas e anfitriãs do mundo tem a capacidade de compreendar a totalidade do que está ali tão bem retratado. Documentário de apreciação obrigatória para todos àqueles que compreendem o quanto é maravilhoso ser um dos mais de 200 milhões de lusos pelo mundo.

1 comentário

“Buena Vista Social Club”, de Win Wenders.

Buena Vista Social ClubO compositor Ry Cooder, que vem costumeiramente trabalhando com o diretor alemão Win Wenders, declarou que sempre se sentiu atraído pela música cubana, aproximando-se dela nas visitas que fez ao país à trabalho. Algum tempo depois, seguindo a sugestão de sua gravadora, decidiu levar à frente o projeto de unir músicos cubanos e africanos para gravar um disco. No entanto, depois de tudo acertado, os músicos que vinham da África foram impedidos na Europa de embarcar para Cuba. Apesar de frustrado, Cooder resolveu resumir o projeto aos músicos cubanos. O disco Buena Vista Social Club, resultado das gravações coordenadas por Cooder, tornou-se um grande sucesso de crítica e público, levando os músicos à apresentações dentro e fora do seu país.
De forma sucinta, o processo de construção do disco Buena Vista Social Club é mostrado no documentário homônimo dirigido por Win Wenders. O diretor alemão foi convencido pelo amigo Cooder a retratar a experiência e transformá-la em um filme. A crítica de cinema rasgou-se em elogios infinitos à película. E o filme está longe de ser uma obra prima mas é, de fato, tocante. Wenders leva grande parte do filme seguindo uma mesma estrutura: faz uma rápida apresentação do artista no estúdio para, logo depois, mostrar um pouco do seu cotidiano e revelar como foi trajado o seu caminho até a música. Além disso, sessões de estúdio são mescladas com apresentações ao vivo dos músicos na Europa e Estados Unidos.
Cooder e Wenders conseguem no filme demonstrar que os esquecidos músicos cubanos tinham ainda, apesar da idade avançada, muita vitalidade para mostrar sua música suave e nostálgica. E o público brasileiro se sente particularmente identificado com suas composições, pois muito do que se vê ali pode ser identificado com o nosso samba-canção: a melodia, as letras, a impostação vocal, que era característica desse gênero da música brasileira, se assemelha muito àquilo que fizeram os cubanos. Não sou um grande conhecedor de música brasileira, mas poderia arriscar e dizer que nosso samba-canção guarda algum tipo de parentesco com a música latina, particularmente à cubana.
No entanto, algumas ressalvas ficam a partir da expectação do filme, e elas nãO estão relacionadas ao documentário em si. Durante boa parte dos 105 minutos de Buena Vista Social Club, Wenders percorre as ruas da capital cubana Havana. E o que ele mostra não pode, de forma alguma, ser demagogicamente chamado de belo. Tanto no centro quanto na periferia da cidade, o que se vê são sobrados que apresentam aspecto nada agradável, nitidamente expostos à mercê do efeito temporal, sem qualquer sinal de terem, algum dia, sido reformados. Talvez eu mesmo esteja sendo insistentemente eufemista: o que quero dizer é sinais de pobreza visível saltam aos olhos, sendo impossível terminar o filme sem comentá-la. Em contraste, ainda dentro do aspecto das edificações, os únicos edíficios que exibem a beleza e o frescor de cuidados constantes são, notadamente, edifícações sob os cuidados do governo cubano. A humildade financeira do povo cubano não fica clara apenas no exterior de suas casas: nas gravações feitas na residência de alguns dos músicos vemos que a pobreza é a constante, e os depoimentos dos artistas confirmam o fato.
Não quero aqui estipular posicionamento algum sobre a realidade sócio-política deste país que tem sido prazerosamente o santo Graal de infindas arguições dos defensores e detratores do regime socialista/comunista. Seria ingenuidade da minha parte expor um posicionamento contrário ou favorável, já que sabemos que o regime cubano também apresenta alguns aspectos positivos. Trato apenas aqui de expor um fato retratado com cuidado e sem qualquer posicionamento nítido, pelo menos à primeira vista, no filme de Wenders. A música cubana é sem dúvidas bela, mas a realidade daqueles que a fazem, aparentemente não é.

Deixe um comentário

“Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore.

Fahrenheit 9/11, de Michael Moore

Fahrenheit 9/11, de Michael MooreMichael Moore surpreendeu e divertiu e, em certa medida, informou em “Tiros em Columbine”. No seu segundo documentário, o diretor ainda obtem estes efeitos. Porém, depois do sucesso mundo afora, e da coroação de seu discurso e procedimentos, como na cerimônia do Oscar em que foi premiado, a sombra da presunção se fez presente na personalidade de Michael Moore. Não que ele já não fosse presunçoso. Mais esses traços de sua personalidade passaram e integrar ainda mais o seu trabalho.
Em Farenheit 9/11 Moore exagera. Ninguém, em plena sanidade mental, simpatiza ou apóia o presidente americano George Bush. Um imbecil é o mínimo que se pode dizer dele. Mas Moore faz com que tudo pareça pessoal demais no seu mais recente documentário. E isso, inevitavelmente, acaba por pesar a favor de Bush. O excesso de comentários sobre as atitudes de Bush, inclusive diante de situações até então inimaginavelmente estapafúrdias para um governante, as estórias de mães de soldados mortos no Iraque, as imagens de bárbaries cometidas pela “inteligência” das forças armadas americanas e de coalisão. Tudo isso toca o expectador, mas também cansa sua paciência diante de tentativas tão insistentes de culpabilizar o presidente americano. Que este senhor repugnante é passível de culpa, todos sabemos. No entanto, toda população americana, eleitores ou simplesmente incentivadores seus, é tão ou mais culpada quanto. Não apenas por ter eleito um “ogro” (parafraseando Rufus Wainwright em “Waiting for a dream”) para a Casa Branca, mas ainda mais por dar apoio incondicional, baseando-se em provas que não sobreviveriam ao comentário do mais leigo dos mortais, à todas as suas barbáries. Pensando desta forma, o documentário acaba por ser tão ingênuo e superficial quanto a maior parte das discussões, particularmente de origem americana, sobre esse tema. Chega de culpar Bush. Ele não passa do porta-voz da maioria norte-americana. E nenhuma grande produção daquele país ainda teve a coragem ou astúcia de mostra-lo.

Deixe um comentário