Harold Crick, um auditor da receita federal americana, de cotidiano extremamente metódico, repentinamente se depara com a voz de uma mulher que começa a narrar suas ações. Mesmo confuso, ele não consegue acreditar que isso seja fruto de sua imaginação ou de uma moléstia psíquica qualquer, imaginando que ele, repentinamente, virou o personagem de alguma estória sendo escrita e que, logo descobre, não terá um fim nada feliz para o seu protagonista.
O elenco e o roteiro são os grandes trunfos do filme de Marc Forster, o diretor do elogiado “A última ceia”. Will Ferrel, que usualmente participa de comédias menos ambiciosas e elegantes, conseguiu alinhar seu desempenho com a atmosfera tranquila e inteligente do longa-metragem, exibindo uma interpretação bem mais contida e minimalista do que é do seu costume. O restante do elenco também está no ponto: Emma Thompson, que está um pouco sumida dos cinemas há alguns anos, está perfeita no papel da reclusa, teimosa e algo arredia escritora Karen Eiffel; Maggie Gyllenhaal e Dustin Hoffman exibem muita simpatia em seus respectivos papéis e, como a assistente literária, Queen Latifah mostra que pode ir além dos personagens estereotipados que o cinema americano costuma lhe oferecer. Quanto ao roteiro, mesmo sendo basicamente mais uma história sobre a mudança de comportamento de alguém, ele foi desenvolvido com leveza e lógica, fazendo com que as mudanças não sejam excessivamente radicais, respeitando a natureza pacata do personagem – como podemos ver quando, depois de todas as experiências recentemente sofridas, Harry volta ao seu cotidiano, a única diferença é que, agora, sua relação com a vida é um tanto mais relaxada e desprendida. Além disso, há elementos que conferem charme adicional ao roteiro: as reações de Harry ao advento da repentina narração de seu cotidiano, a crise criativa de Karen, as piadas com o mundo da literatura e com o metaficional evitam que as pieguices comuns à argumentos do tipo tomem conta do longa-metragem.
Vale pontuar que as comparações deste longa com o filme “O Show de Truman”, fato que anda ocorrendo na internet, não fazem muito sentido: o filme de Peter Weir trata de um reality-show mega-produzido, desde o nascimento de seu protagonista; “Mais Estranho Que a Ficção” tem como seu diferencial um evento inexplicável e pouco natural – o fato de que uma pessoa passa a ter o seu cotidiano e o seu destino narrados, e de certa forma determinados, por uma escritora – característica que aproxima o longa-metragem do realismo fantástico. Outro ponto que fundamenta a comparação entre os dois filmes, o desempenho dos atores que protagonizam a história, também não são coincidentes: enquanto Jim Carrey, mesmo oferecendo uma boa atuação, não conseguiu desvencilhar-se do histrionismo, Ferrel conseguiu destacar-se neste filme justamente porque conseguiu domar esta tendência, ajudando muito na concepção da atmosfera de charme e sensibilidade do longa-metragem.
Comédias que conciliam uma idéia original e algo estapafúrdia com a emoção e a simplicidade de sua realização, sem comprometer, no fim, a sua qualidade, não são fáceis de se encontrar. Os diretores americanos sempre tentam atingir essa sintonia fina de inteligência, elegância e sensibilidade mas, na maioria das vezes, acabam fracassando por não encontrar o equilíbrio necessário na produção para evitar os excessos que os roteiristas cometem – como o pedantismo existente no argumento ou em traços da personalidade dos personagens -, que os próprios atores, sem as diretrizes corretas, acabam por fazer – como a tendência em carregar nas tintas do blasé, quando trabalham com personagens desse gênero -, ou que eles próprios permitem inserir – como a pieguice muitas vezes residente no roteiro, que poderia ser trabalhada e reduzida pelo diretor. Mas, felizmente, o excepcional trabalho de equipe do roteirista Zach Halm, do elenco de “Mais Estranho Que a Ficção” e do diretor Marc Forster evitou que todas as barbaridades citadas desperdiçassem uma idéia tão boa.
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legenda (português):
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