Stéphanie, que já foi Pierre, é um travesti que sobrevive prostituindo-se em Paris e divide sua vida com seus dois namorados, Djamel, que também vive da prostituição, e Mikhail, um imigrante e ex-soldado russo que trabalha como garçom. Certa noite, Stephánie recebe telefonema avisando-lhe que sua mãe necessita de cuidados, e assim segue para o interior do país, sua terra natal. Uma vez lá, e acompanhada de seus dois amantes, Stéphanie divide seu tempo entre a mãe enferma e recordações de seu passado, ainda como Pierre.
Ao que sua filmografia parece indicar, o cineasta frânces Sébastien Lifshitz tem como principal obsessão figuras marginais que de algum modo estão mergulhadas na ambiguidade e perdidas em meio às complexas possibilidades afetivo-sexuais. Seu último filme lançado, “Lado Selvagem” segue firme a tradição ao apresentar como protagonistas um travesti e seus dois amantes. Apesar de não ser nada de realmente fabuloso, há no longa-metragem, tanto nos aspectos técnicos como artísticos, soluções e revelações que o tornam suficientemente interessante do início ao fim.
Na primeira instância, a fotografia de Agnès Godard resplandace como o sinal mais visível do apuro técnico do filme, preenchendo a tela com nuances nítidas e intensas seja ao retratar os traços desconcertantes da urbanidade, seja ao tornar quase táteis as belezas imutáveis do ambiente campestre da França interiorana. As belas composições de cordas e piano de Jocelyn Pook que servem de trilha ao filme, também se destacam, mas são usadas com parcimônia ao ser aplicadas no filme no acordo mais comum da escola européia de cinema, como um recurso que auxilia na construção das tonalidades emocionais da história e não encarregadas do trabalho que por ventura não seja feito por alguém – pelos atores, geralmente. A edição seca e direta de Stéphanie Mahet complementa a atmosfera peculiar do filme, geralmente alternando sem qualquer tipo de sinalização a trama em tempo presente e os flashbacks de cada um dos três personagens que a compõe, que são apresentados de modo não-cronológico e mesclados quase indistintamente na narrativa presente. Já nos aspectos artísticos, talvez por conta do trabalho apenas satisfatório dos atores, é o argumento que se apresenta como elemento de maior êxito em “Lado Selvagem”, e provavelmente não como a roteirista Stéphane Bouquet e o diretor, co-autor do texto, de fato planejaram: nota-se que um dos maiores objetivos do longa é desnudar as recordações de Stéphanie e seus companheiros e a relação distante e obtusa de cada um deles com seus pais, porém é o retrato bastante realista da marginalidade destes personagens que acaba ressaltado aos olhos do espectador, não apenas porque Stéphanie é de fato interpretada por um travesti, mas porque o cotidiano destes personagens é completamente verossímil. O público de nosso país, especialmente, pode ficar chocado ao constatar que todos os travestis que fazem figuração no filme de Sébastien Lifshitz são brasileiros – a mais pura verdade, já que é exatamente o que se encontra nas calçadas dos grandes centros urbanos da Europa. Por isso, ainda que se chegue ao epílogo desta película sem saber exatamente o que o diretor quis obter com a história que decidiu filmar, “Lado Selvagem” suscita interesse por conseguir fazer um registro apurado e perspicaz da realidade certa dos que decidem seguir os desígnios de uma identidade que difere daquela que lhes foi conferida fisicamente – o inevitável cotidiano da ruas e estradas escuras iluminadas por postes e faróis de automóveis – ao mesmo tempo que consegue imprimir considerável delicadeza ao retratar o afeto quase completamente silencioso deste triângulo amoroso incomum cujos vértices sustentam-se com custo por conta da certeza de que o futuro de cada um deles não irá diferir em nada do presente – infelizmente.
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legendas (português):
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