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Tag: folk-americano

Ariana Delawari – Lion of Panjshir. [download: mp3]

Ariana Delawari - Lion of PanjshirComo a maior parte das coisas na internet, chega uma hora que você acha uma utilidade pra tudo e acaba simpatizando com os serviços, até alguns que causam pré-irritação por conta do hype. Vejam só que coisa: eu cheguei a repudiar blogs – faz muito tempo, obviamente. Agora foi a vez do Twitter. Minha implicância com o serviço era pública – falei sobre isso em um post há alguns meses aqui no seteventos.org -, mas eu decidi que era hora de tentar encontrar a graça do serviço – e acabei encontrando. Foi vasculhando perfis aqui e acolá, tentando entender a dinâmica da coisa toda, que dei de cara com o Twitter de David Lynch. Sim, o próprio, o lendário criador de algumas das coisas mais estranhas da TV e cinema americanos. O fato por si só já despertou meu interesse, mas acabei ficando um tanto desanimado ao ver que o lado místico do diretor o fazia postar mensagens do gênero no seu perfil. Mas como muitos fazem no serviço, David solta uma ou outra dica nas suas mensagens, e resolvi clicar e conferir uma delas, sobre Ariana Delawari, uma cantora cujas feições denunciam uma herança meso-oriental e, descobri depois, que foi apadrinhada pelo diretor e teve seu primeiro trabalho financiado pela produtora de Lynch.
Ariana, que já se apresentava em shows há algum tempo, era antes conhecida pelo pseudônimo Lion of Panjshir, termo que servia de nome de guerra – literalmente falando – a um estudande de engenharia afegão que se tornou um dos maiores heróis do país ao liderar a resistência contra o exército soviético na tentativa de invasão destes ao Afeganistão e que, anos depois, foi assassinado dois dias antes da ocorrência dos ataques de 11 de Setembro. Durante a produção deste seu primeiro disco, a artista trocou o papel exercido pelo pseudônimo, adotando-o como o título do trabalho, atitude que sinaliza a presença de uma inevitável carga política no álbum. Mas apesar de que as referências aos imensos problemas enfrentados pela sua terra-mãe acabem sendo relevantes e funcionem bem nas canções, é o seu caráter sonoro que desperta a atenção. Partilhando tanto da influência ocidental quanto da herança afegã, Ariana apresenta e funde no seu primeiro disco as diferentes identidades musicais das duas culturas, compondo tanto canções que pertencem à uma quanto à outra, bem como criando melodias multi-culturais, que misturam elementos destas e até de outras culturas. As feições woodstockianas de “San Francisco”, introduzida com a placidez melódica do folk que logo reverte-se em uma música onde as guitarras tropejam acordes ligeiros para acompanhar a bateria cuja cadência segue um transe imutável, transpirando uma sonoridade que remete a trilhas do cinema faroeste enquanto Ariana guia os versos em um cantar revestido de tenacidade e audácia são certamente fruto de toda a carga musical que a artista recebeu em sua criação nos Estados Unidos. Também descendem da tradição ocidental o piano de registro grave e baixo e as cordas e sopros que florescem em meio a melodia de “We Live on a Whim”, assim como a melancolia e abandono despertados pela vocal e pelos acordes entre esparsos e ligeiros de “We Came Home”, canção que fecha o disco. Já “Laily Jan” pertence de corpo e alma à sua ancestralidade afegã, pois não apenas é cantada na sua língua de origem mas exibe todas as colorações da música tradicional do país, com direito à toda sorte de instrumentos típicos encadenciados em uma melodia folk-étnica. Com a introdução climática de um rabab que vai aos poucos ganhando a companhia de contínuos acordes de cítaras e dilrubas e a percussão hipnótica das tablas em um crescendo de densidade melódica e rítmica, “Singwind” também partilha do espírito musical do país asiático, porém recebe um sutil tempero ocidental ao ter seus versos cantados em inglês na bela voz da cantora. E é exatamente ao fazer uso da feitura mais multi-cultural de sua personalidade que a cantora acaba construindo o momento mais inspirado do disco, “Be Gone Taliban”. Com uma melodia enormemente imagética, a canção mistura o efeito ritualístico do conjunto de instrumentos afegãos com o dinamismo cinematográfico do arranjo de cordas exasperantes e do cantar repleto de emoção, pontuado por cânticos de feições religiosas. O resultado é uma música de atmosfera intensamente épica e de coloração fascinantemente luminosa.
Se a empreitada musical de Ariana tiver proseguimento, haverá ainda um bocado a ser lapidado e agregado no seu trabalho com as melodias, já que por vezes elas soam obtusas e opacas, porém os momentos mais frutíferos deste seu primeiro lançamento comprovam seu talento e perícia em criar canções exuberantes e sedutoras para os ouvidos. Basta apenas a ajuda do tempo e o auxílio de um produtor mais experiente e versátil para que a artista encontre o foco e consiga buscar e aliar o melhor das culturas tão diversas que convivem dentro dela própria.

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Mia Doi Todd – Manzanita. [download: mp3]

Mia Doi Todd - ManzanitaAmericana de Los Angeles, Mia Doi Todd tem entre seus dotes a graduação em estudos orientais e a pesquisa feita sobre a Butoh, dança contemporânea japonesa das mais idiossincráticas – conhecimento que a levou inclusive a criar e montar coreografias para um grupo de dança dos Estados Unidos. Mas seu dom natural é mesmo relativo à outro campo do mundo da arte, a música.
O encanto da música criada por Mia Doi Todd nasce da combinação homogênea entre voz e melodia: seu vocal macio, moderado no volume e no uso de vibratos, funde-se sem rebarbas com as melodias que exploram a sutileza da instrumentação acústica. Essa feição algo naturalista de sua música é obtida em sua forma mais ideal nas faixas mais sorumbáticas e melancólicas de seu álbum Manzanita, como se pode perceber na harmonia algo solitária entre o silêncio dos acordes de violão e o acalanto da voz de Mia na belíssima “I Gave You My Home”, música em cujas letras uma mulher, entre referências à afazeres domésticos cotidianos, lembra seu companheiro sobre todo o amor e dedicação que um ofereceu ao outro nesta relação. Mas essa ambientação obtida da combinação da tonalidade da voz da cantora com as melodias que compõe está presente em todo o disco, do início ao fim, passando tanto pelas canções que experimentam sabores latinos – associação despertada pelo que há de lúdico nas palmas, pelo virtuosismo do mandolim, e pela cadência letárgica da guitarra de “Tongue-Tied”, na qual Mia se utiliza de uma breve narrativa metafórica para confessar que procura um modo de conquistar o amor de seu amado, bem como pela coloração reggae de “Casa Nova”, que explora nas guitarras, no baixo e no arranjo de metais o gingado malemolente típico do gênero em uma canção onde uma mulher revela ter se livrado do feitiço de uma paixão que há muito lhe tolhia a liberdade de amar – quanto por aquelas que exercitam as potencialidades do rock – caso da faixa que abre o disco, “The Way”, onde as guitarras, na companhia do baixo e da bateria, dão o compasso da melodia tanto quanto preenchem e aprimoram sua base com reverberações e distorções sutis.
Servindo como uma espécie de “ensaio”, uma base sólida para que Mia mais tarde delineasse com maior clareza e apuro a atmosfera bucólica de seu mais recente disco, o álbum GEA, Manzanita é um exercício musical que mesmo no seus momentos mais agitados e profusos explora tecituras simples e convencionais onde os (poucos) excessos de ornamentação sempre trabalham a favor da harmonia, e não da falta dela.
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Duncan Sheik – Phantom Moon. [download: mp3]

Duncan Sheik - Phantom MoonEu já disse por vezes aqui que alguns artistas e discos levam tempo pra crescer entre minhas preferências. Alguns eu conheço e ouço há anos, mas quando perguntado do que eu gosto, não chego a citá-los prontamente porque não atingiram ainda o ponto em que podem ser considerados artistas favoritos. Contudo, há pouco um deles saiu da minha lista de ostracismo cultural e se aproximou dos que perfazem as minhas preferências – o cantor e compositor americano Duncan Sheik. De todos os discos que lançou, só ouvi até hoje seus três primeiros álbuns – onde seu trabalho exibe uma enorme atmosfera pop/folk -, e apesar de que Humming é o que mais escutei, foi Phantom Moon que me fez olhar novamente para o artista, de lá de seu local de repouso na minha cultura musical. O disco é um trabalho requintado e cuidadoso tanto de melodias quanto de letras – estas, por sinal, escritas pelo dramaturgo e poeta americano Steven Sater -, nas quais ainda que variem consideravelmente em tonalidade e intensidade, acabam por compor um todo de homogênea melancolia. Na faixa “Mouth On Fire”, por exemplo, para transmitir na melodia a mesma magnânima estupefação do eu lírico das letras – que vê tudo o que entende e crê perder todo o seu sentido diante do que vive no momento -, Duncan pôs em serviço violões de acordes suplicantes e ligeiros para trabalhar com bateria, arranjo de cordas e com as várias camadas de seu vocal, construindo uma música que só reduz sua densidade melódica sôfrega no seu último minuto e meio. É justamente o oposto do que nos é apresentado em “Lo and Behold”, onde o cantor e compositor se utiliza de piano, orquestração de cordas e da beleza inequívoca de sua voz jovem, macia e pungente para, de modo supremamente fabuloso, construir na música e nos sentidos do ouvinte um crescendo melódico que suplanta de modo inevitável todas as suas sensações – algo que condiz com as letras, inspiradas na enorme emoção de Simão ao ser apresentado à Jesus no no templo de Jerusalém, passagem do evangelho de São Lucas. Em outras canções, no entanto, a variação é menos intensa, já que Sheik cultiva uma sutileza maior no andamento delas. Exemplos disso estão na melodia fulgurante de “Time and Good Fortune”, que com matizes criadas por violas, bateria e orquestrações evoca a placidez de um cenário bucólico esplendorosamente invadido pelos raios do sol, na cadência suave e gentil da guitarra, bateria e piano da balada “Far Away”, que exibe o calor ameno de uma paixão madura, na perfeição do compasso folk/rock graciosamente vigoroso entre violões, órgão, percussão e vocal da faixa “A Mirror In The Heart”, que imprime sensações de revelação e urgência, e na plangente serenidade dos violões e do vocal de Duncan em “Requiescat”, que explora sonoramente a mesma resignação da súplica, nas letras, pela paz de espírito de alguém que se foi, e pelo equilíbrio de quem ficou.
Phantom Moon é nitidamente daqueles discos que não se repetem na carreira de alguém – ficam lá aprumados em sua inatingível superioridade, resultado de um momento ímpar no qual o artista encontra-se imbuído de uma inspiração inigualável. Ao mesmo tempo que isso é uma verdadeira preciosidade para um músico, pelo simples fato de que tal obra foi concebida, também se converte em um empecilho, uma vez que dificilmente se consegue superar, ou mesmo atingir, igual nível de qualidade em obras posteriores. Mas essa busca é, felizmente, o “santo Graal” que é a força-motriz por trás de todas as expressões artísticas, o alimento mais que necessário para sua continuidade.
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Vienna Teng – Dreaming Through the Noise. [download: mp3]

Vienna Teng - Dreaming Through The NoiseApesar da americana de traços orientais Vienna Teng já dispor de três discos na praça, resolvi, como geralmente faço, ter o primeiro contato com suas canções ouvindo seu mais recente lançamento, Dreaming Through the Noise. E, se você se permitir uma avaliação apressada e sem muita atenção deste disco de Vienna, vai encontrar em faixas como “Transcontinental, 1: 30 A.M.”, devido à sua percussão, piano e vocais brandos, as marcas para classificar a artista como pertencente aquele jazz silencioso, meditativo e um tanto esnobe que faz a alegria de muitos críticos. Mas isso seria realmente um erro: a verdadeira identidade das composições desta americana emerge depois de algum tempo dispensando atenção cuidadosa às suas melodias. Só então percebe-se a sutil variedade musical da cantora e compositora americana: há algumas passagens de inspiração um tanto country – como no modo rústico, levemente campestre, do piano, da viola e do bandolim, de “City Hall”, bem como na presença dos vocais de fundo, bem à moda do gênero – outras de sutil calor pop – como acontece nas faixas “Love Turns 40”, na sua sequência final, aquecida pelo bandolim ligeiro, pelo piano adocicado, pela orquestração grandiosa de cordas e metais e pela bateria mais encorpada, e em “Whatever You Want”, com piano, percussão, cordas e vocais que tocam com carinho e maciez os ouvidos, da mesma forma que a areia fina da praia toca nossos pés -, além de melodias que bebem em influências eruditas – como acontece em “Now Three”, cujo conjunto piano, violino e violoncelo dá vazão à uma música de beleza inominável, que só consigo descrever como imensamente delicada, terna e afetuosa, assim como o são seus versos, que retratam o estado de encantamento de uma mulher pela vida que está gerando dentro de si. E apesar do manso fascínio que estas faixas tecem nos ouvidos de quem as escuta, Vienna guarda o melhor de seu trabalho neste disco para o fim, arrebatando o ouvinte com a poética dos versos e das melodias de “Pontchartrain” e “Recessional”: enquanto nos versos da primeira Teng descreve o cenário de desolação e desgraça deixado em New Orleans pelo furacão Kathrina, recheando a percussão e arranjo de cordas de mistério e drama e desenhando na ponte melódica uma referência à música sacra com o uso de acordes do piano e vocais etéreos, na última faixa ela nos entrega um delicado rito de despedida que relata, de forma impecável, as impressões e sensações de alguém que observa a partida para muito longe de alguém que tanto ama, sonorizando-o com piano, percussão e contrabaixo amenos, além da guitarra e metais pontuais que laceiam a melodia impecavelmente.
Mesmo que ainda possa, de certa forma, ser alinhada entre as inúmeras compositoras que bebem nos mais variados gêneros, como pop, jazz e folk, e que compõe melodias de atmosfera serena com técnica bem aparada, creio que Vienna diferencia-se destas por conseguir construir melodias e letras que estão sempre cobertas de sofisticação e elegância sem prejuízo de sentimento e emoção. O resultado final é sensivelmente diferente do usualmente alcançado por suas colegas, pois Vienna acaba, com todo esse cuidado, carregando suas composições para outra direção e aprofundando o efeito da música no ouvinte.
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Suzanne Vega – Nine Objects of Desire. [download: mp3]

Suzanne Vega - Nine Objects Of DesireApesar de ser autora de dois dos maiores mega-hits do final da década de 80 e parte dos anos 90 – “Luka” e “Tom’s Diner”, que inundaram as FMs do mundo inteiro -, Suzanne Vega é uma artista mais admirada nos círculos mais “cults” devido à uma idéia de sofisticação excessiva de seu estilo em grande parte de sua carreira musical. Talvez por sentir-se cansada de soar tão sofisticada, ou simplesmente por vontade de estabelecer mudanças, Suzanne lançou em 1996 um disco que foi o ponto de partida para um processo contínuo de desenvolvimento da composição de uma musicalidade muito mais algodoada e coesa, tanto quanto sempre foi a sua voz sutil: Nine Objects of Desire. Neste disco, a artista soa muito mais quente, tranquila e sonoramente frugal do que possa jamais ter sido nos anteriores. Este balanceamento delicado é vísível na bateria e teclados e na maneira como guitarra e pratos soam pontualmente preponderantes em “Headshots” – em que um pôster 3×4 de um rapaz persegue uma mulher que caminha pela cidade, causando-lhe imensa nostalgia afetiva – na percussão, violões e orquestrações cálidas e sensuais da bossa de “Caramel” – onde apesar do desejo intenso, uma mulher não se atreve a sequer arriscar uma relação que, ela sabe, não terá futuro – na melancolia amarga dos acordes do violão e piano, da percussão de sincopamento leve e ressoamento dos pratos de “World Before Columbus” – em cujos versos a cantora reflete sobre como o mundo, e não apenas a sua vida, perderia muito do seu sentido sem a companhia de quem ama – e na delicadeza madrigal da orquestração e nostalgia solar da guitarra e órgãos de “My Favorite Plum” – baseada em brilhante analogia sobre desejos não confessos por um fruto sem igual, distante e inalcançável.
Porém, quando decide-se a não compor faixas tristes e melancólicas, como em “No Cheap Thrill”, quando a bateria, guitarra, metais e vocais atrevem-se a soar mais agitados, e como em “Tombstone” – relato de uma alma penada que não dá muita atenção ao paraíso e não deseja mais do que descanso – cuja música, com piano, bateria e baixo tão bem compassados entre si, tenha toda a cara de um aconchegante e animado piano-bar de primeira, poucas vezes elam lembram a aspereza de composições anteriores – é o que ocorre com “Casual Match”, que lembra muito “Blood Makes Noise”.
Me impressiona é que tamanha beleza, inventividade e equilíbrio tenham sido tão mal compreendidos tanto por crítica quanto por público. Para citar apenas um exemplo, basta conferir a manufatura irretocável de letras e música de “Honeymoon Suite” para entender a injustiça sofrida por este trabalho de Suzanne Vega: se não bastasse o exotismo da melodia doce e metálica do violão e órgão, ainda temos a prova, através do relato episódico de um casal em lua-de-mel, que serve apenas para mostrar o quão diferente é a maneira de homens e mulheres encararem uma relação, toda a habilidade e competência que Suzanne Vega detém como uma verdadeira poetisa.
Mais do que um álbum de qualidade inquestionável, que sinaliza a maturidade artística de uma artista pela maciez e calor quase táteis de suas melodias e pela notável polidez da poética urbano-contemporânea de seus versos, “Nine Objects of Desire” serve para deixar claro que nunca devemos guiar nossas experimentações culturais pelo que diz a crítica ou mesmo pela resposta do público à um artista ou um de seus lançamentos específicos – é sempre deixar seus próprios ouvidos decidirem o que é bom ou não pra você.

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