Vamos pela cronologia dos acontecimentos.
Transporte por metrô é mais simples e divertido do que eu pensava. É comprar o ticket, consultar suas estações e baldeações, quando necessárias, e pegar o dito cujo. Se você perde um quando está descendo de outro, não dá nem tempo de vociferar enputecido “Porra! Caralho!” que já para outro logo na sua frente. Minha única crítica fica para o fato de que não há um aviso luminoso em um letreiro de qual estação o metrô está fazendo a parada, só há a comunicação em voz do condutor do carro – aí não tem muito como você ficar em paz ouvindo música no iPod, já que tem que ficar atento ao aviso ou de olho em qual estação você está no momento.
E subi ao centro de São Paulo.
Intervalo para os comerciais: como me disse pessoalmente o Zé, a Paulista é só uma Avenida, a Alameda Santos é lindamente arborizada mas cheia de gente que só vive de aparências e a Frei Caneca e a Rua Augusta…err, prefiro não comentar. São Paulo é uma metrópole – de um modo ou de outro, todas as metrópoles são iguais: interessam culturalmente, mas tirando-se isso só resta…a metrópole…com todos os seus problemas e sua feiúra explícita. E já que falei em cultura, diga-se que o que valeu mesmo na cidade foram as duas horas dentro do Masp – um acervo de respeito com um curadoria bem interessante, capaz de alinhar diferentes obras em uma única temática para montar uma exposição. De resto, não vi quase nenhuma atração de São Paulo. A ponte Estaiada é enorme, o Theatro Municipal é lindo, o Viaduto do Chá uma graça, a Estação Júlio Prestes um arroubo, o Minhocão é medonho, mas vi isso tudo no melhor estilo city tour – uma prática turística que, todos sabem, nasceu inspirada na famosa piada dos dois tomates atravessando a rua.
“Olha, o teatro! Que lindo!”
“Teatro?!? Onde?”
Você se sente um retardado porque não viu nada.
Vamos nos encaminhando ao grande evento. E pra chegar lá eu usei os trens. Ainda que seja um transporte interessante, há mais críticas que elogios. Alguns carros são o diabo de lentos e suas chegadas e partidas não são tão frequentes quanto as do metrô. Por conta disso, achei que assentos nas estações seriam mais do que necessários, mas não havia nenhum por onde passei – lamentei aquele mundo de gente, que passou o dia inteiro trabalhando e ainda fica uns 20 minutos em pé esperando chegar o próximo carro. E por falar na quantidade de pessoas, é mais gente querendo entrar na condução do que espaço dentro dela – é um tal de empurrar pra ver se entra, e um tal de se ficar espremido no meio de uma pá de gente que você já repensa o status do ônibus no mundo do transporte urbano. Mas há um elogio: ao menos nas estações pelas quais passei, só vi oficial de polícia de encher os olhos d’água – de onde tiraram aqueles homens lindos pra ficar cuidando de estação de trem, e para quê, eu não faço idéia. Deve ser pra manter todo mundo anestesiado pra evitar qualquer menção de um incendiamento básico nos coletivos por protesto. Engraçado que, em uma das vezes que tentei fazer algum malabarismo em meio aquela vida de sardinha pra ver a cara do policial que estava quase encostado na janela do trem, percebi que o rapaz que estava na minha frente fazia exatamente o mesmo. Ele se deu conta pelo reflexo na janela que eu notei e tentou disfarçar, mas eu olhei pra ele, que era o tipo de suburbano do qual você não esperava tal ato falho e pensei: “Considere isso uma lição. Na próxima seja mais discreto.” E desci para ver o show do Muse.
Esperando para entrar fiquei conferindo a fauna da fila: diferentemente do que possa acontecer com outras bandas, achei os fãs do Muse uma gente com a cara mais normal do mundo, muito distante da bandalheira poser que integra o público de muitas bandas da atualidade – é sem dúvidas um pessoal interessante, que entende de música, vestido com bom-senso, tranquilo e inteligente. Ah, e tem um plus aí: e não é que tem um número considerável de gatos em meio aos fãs dos britânicos? Eu topava casar com pelo menos uns 15 dos que cheguei a ver na fila – porque vamos combinar que homem bonito e com bom gosto musical é o mesmo que ganhar na loteria.
E adentrei o recinto. Do lugar onde fiquei, no segundo andar da casa, a visão do palco era fantástica – pensei imediatamente que valeu cada centavo gasto no ingresso pra não estar vivenciando por horas na pista o mesmo que vivenciei no trem. Agora era esperar o show começar. Logo a turma lá embaixo, que ia entrando em doses homeopáticas até lotar a casa, pouco antes de Muse entrar no palco, ensaiou uma animação. Como era cedo eu pensei, “mas, quê??”. Aí lembrei que, na fila, ouvi do senhor dono da comunidade Muse Brasil no Orkut, que estava logo a minha frente, que Jay Vaquer ia fazer a abertura. Pensei, “Ai, porra. Canta metade de uma música, diz obrigado e vaza, faz favor!” Mas foi mais do que uma música – uns 30 minutos, eu diria. As canções do rapaz até que são bacaninhas e ele canta bem, mas elas tem um ranço daquele rock “adolexentchí” que infesta o mundo hoje, o rapaz tem péssima presença de palco e vez ou outra ele desafina um bocadinho – mas admito que ele pode surpreender com o vocal, já que em certo momento ele ajoelhou e segurou um falseto estridente que eu pensei que a bicha fosse explodir em pedacinhos no palco. “Tá, viado. Você já apareceu. Agora sai, coadjuvante”, pensei. E o público foi simpático e agradeceu – inclusive eu, civilizado que sou.
Ainda bem que foi até rápido tirar a tralha musical do rapaz e arrumar o palco para a verdadeira atração da noite. O montagem não era nada mais além de um telão e os instrumentos do trio britânico. E não era preciso mais do que isso mesmo: quando a banda entrou, ao som de uma peça clássica fantástica, todo mundo, inclusive eu e a adolescente que estava sentada na mesa comigo, acompanhada dos pais modernetes, caiu numa histeria-êxtase-delirante-coletivo. Minha garganta já estava baleada com a rinite recente e a poluição de São Paulo, mas pensei: “Meu, foda-se a minha garganta! Eu vou é gritar e cantar o show inteiro feito um condenado à morte estrebuchando nos seus últimos estertores de vida”. E com o quê, por deus, eles abriram a apresentação? “Knights of Cydonia”. Eles queriam ver toda a área VIP desabar em cima do público logo no início do show, ah, queriam. Se eu morresse na queda, só ia morrer infeliz por não ter visto o show inteiro – porque morrer ao som de “Knights of Cydonia” é uma morte dignamente apoteótica, fiquem sabendo. Apesar de tremer feito o território da China, o segundo andar não caiu na geral e pude conferir porque os três garotos britânicos foram apontados por deus e o mundo na crítica musical como os detentores da melhor apresentação ao vivo no rock da atualidade em todo o planeta. Matthew Bellamy parecia ainda mais baixo e magrinho naquela camisa vermelha, mas na hora que o rapaz abre a boca e toca na guitarra, cresce feito Golias e ninguém consegue fazer outra coisa se não cantar com ele cada verso da canção, chegando ao ponto até de cantar o incantável na faixa de abertura, imitando a guitarra com a voz – e isso se repetiu por várias vezes durante o show, incluindo aí imitação de piano, baixo e bateria. Uma demonstração de que o público há muito esperava por ver os rapazes no Brasil – e a banda notou isso, respondendo com uma energia fabulosa no palco. Matthew exibia-se enlouquecido na guitarra e piano, mostrando uma destreza inigualável, Cris, mesmo sendo o mais fleumático e tímido da banda, sapateou no baixo e fez o público perder as estribeiras no backing vocal da eletrizante “Supermassive Black Hole” e Dominic só faltou usar a cabeça como baqueta na bateria, exibindo uma habilidade nada menos que formidável – por sinal, ele mostrou-se, como já era esperado por todos, o mais comunicativo da banda: além de soltar diversos “obrigado”, Dominic ainda fez questão de ir ao microfone antes de deixar o palco para agradecer toda a vibração do público – que, obviamente, entrou em um estado “gozante”, se é que ainda havia o que gozar depois de duas horas de um show que não foi menos do que irresolutamente impecável, cujo setlist concentrou-se em faixas dos discos Origin of Symmetry, Absolution e Black Holes & Revelations. A vibração foi tamanha, tanto do público quanto da banda, que eu pensei várias vezes durante o show que quem estava lá fora do HSBC Brasil devia pensar que aquilo era uma arena romana, tomada por loucos que estavam entregando centenas de pessoas para ser devoradas por leões lá dentro. Ou pensava que aquilo só podia ser a gravação de um filme pornô apresentando uma suruba com pretensões de figurar no Guiness Book como a mais numerosa da história. E eu não duvido que a rua não estava tremendo devido ao incessante pulo sincronizado do público que lotou do primeiro ao último andar da casa.
A viagem foi sofrida, mas Muse ao vivo foi, assim, como vou dizer, uma experiência de vida – fez todo o esforço valer a pena e ainda fiquei com saldo a dever. Por isso é que eu digo: ser mãe o caralho – a melhor sensação do mundo é mesmo a de conferir um espetacular show de rock, porra.
Câmbio, desligo.
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“Ah, Florianópolis é um paraíso!” muitos diriam. “Tenho inveja de você, por morar aí”, todo mundo que não está aqui me diz. E o que eu, que moro nesse lugar, tenho a dizer, afinal de contas?
Realmente, a ilha é linda, cheia de praias fantásticas que eu quase não uso, repleta de homens e mulheres lindas, todos vindos de outros lugares do Brasil – e alguns de outros lugares do mundo -, consideravelmente mais segura do que as cidades que são oficialmente, por assim dizer, regiões metropolitanas.
Pronto, acabou.
No resto Florianópolis sai perdendo para todo mundo. Para mim, ao menos, ela sai perdendo em muito do que me interessa.
Vamos ao cultural primeiro.
Cinemas. Nossa, isso é uma lástima. Temos mais dois shoppings abrindo – e um deles abriu em novembro passado, anunciando que as 6 salas de cinema só estariam funcionando em março deste ano…tem coisa mais mané!?! – e um antigo tendo suas salas ampliadas. Contudo, nada disso me traz a esperança de que a oferta de filmes por aqui vai melhorar. Imagino que teremos uma variedade maior de lançamentos chegando, mas nada que fuja do padrão que já temos por aqui: produções pertencentes ao circuito comercial americano. Os dois únicos cinemas que tem a proposta de exibir filmes fora deste circuito – o do CIC, fundado há muito tempo e o Cine York, com algo em torno de 5 anos – tem seus donos aliados em uma prática que lesa de maneira degradante o público já há algum tempo: nos dias de meia entrada são exibidos filmes do circuito comercial padrão – muitos deles já exibidos nas salas dos shoppings -, restando ao público ver os filmes europeus, alternativos e de arte, que são a verdadeira razão de ser destas duas salas e que justamente são os que tem maior público nestas salas, apenas nos dias em que não há possiblidade de alguém pagar meia entrada, excetuando-se os estudantes. Isso é uma tremenda filha da putagem porque, ninguém me engana: ambas as salas recebem sim incentivos do governo, incentivos estes pagos do bolso do contribuinte. Como então eles podem se achar no direito de retirar os filmes do circuito alternativo/independente dos dias de meia-entrada, obrigando o público massivo daquelas salas a pagar a inteira para assistí-los? Isso tem nome: picaretagem.
E os festivais? Ai meu pai. Eu tive sorte de ver shows do Placebo e The Cardigans sem “sair de casa” – tenho que agradecer aos festivais Claro que é Rock e Campari Rock. Tirando isso, nada mais que realmente interesse passa por aqui. É uma tristeza ver tantas bandas e músicos interessantes fazendo shows nas grandes capitais, e nós por aqui ficamos na mão. Vocês podem até estar pensando que uma viajem resolve esse problema. Ok, resolve, mas eu estou falando sobre os pontos negativos da capital catarinense, lembram? E isso, sem dúvidas, pode ser configurado como um. Se falarmos em festivais de cinema a coisa é igualmente dramática.
E as exposições de arte, apresentações de teatro, concertos de música erudita que são realmente imperdíveis? Isabelle Huppert já esteve com um monólogo de Sarah Kane no sudeste brasileiro, assim como Peter Greenaway com sua mais famosa instalação/exposição, a Filarmônica de Berlim, as obras de Rodin, Picasso, Salvador Dalí, entre inúmeros outros. Já sofri por todos eles, mas ao saber da peça de Isabelle Huppert me senti o mais infeliz dos seres humanos tropicais.
Saindo da questão cultural também há um certo desespero. Males do exôdo de pessoas para cá causada pela burrice da mania de publicidade da prefeitura da cidade – e de muitos de seus habitantes também.
Falemos de segurança – ela já foi melhor! É bem aterrorizante ver o número de assassinatos, rixas entre traficantes, assaltos, roubos e até estupros aumentando sua incidência de forma gradual. Vocês podem até achar chato eu falar isso, mas eu sou obrigado a me revoltar contra a enorme migração de pessoas para a minha cidade. Não fosse todo mundo vir ou simplesmente anunciar querer vir para cá, algumas delas com imenso poder aquisitivo, essa corja de animais – estou falando dos criminosos – não iria ter a idéia de se instalar por aqui – que me perdoem os animais, eles não merecem comparação com essa gente degradante.
E quanto ao mercado imobiliário? Eu tive sorte de comprar, há menos de cinco anos, o meu apartamento de dois quartos, praticamente na cara do centro da cidade, por menos do que R$ 50.000. Hoje eu não pagaria por ele menos do que R$ 100.000. Desde o início deste novo século o preço dos imóveis quase triplicou, com um outro agravante: todos os imóveis atualmente planejados pelas construtoras são de alto padrão, com suítes a perder de vista, entre outros luxos. Há muito pouca coisa nova abaixo deste esquema sendo construída e, portanto, não há opções de compra – além do imóvel usado super valorizado – para quem não é um juiz aposentado cheio da grana.
Agora, por favor, parem de me dizer que é maravilhoso morar aqui. Acho que já ficou bem claro que não é bem assim. Eu não tenho mais paciência de ouvir isso só porque aqui tem praias e gente bonita. Até esses “pontos positivos” são conversa fiada: o mar está ficando poluído por conta dos balneários, o sol envelhece e dá câncer de pele, ir na praia todo dia enche o saco e, com algumas honrosas excessões, gente bonita é ao menos uma dessas coisas ou todas elas ao mesmo tempo: burra, metida, esnobe, fútil, extremamente brega e egocêntrica – já viram aquelas inúmeras comunidades de gente que se acha a tal no orkut por ser gostosa e linda? Tem algo mais desprezível do que aquilo?
Que isso sirva de aviso, heim! 😉
2 ComentáriosP.S.: E olhem, que engraçado: poucos dias antes, um outro blogueiro aqui de Floripa abordou o mesmo assunto com um texto excelente!
Vocês considerariam isso coincidência ou mais um sinal de que essa não é a ilha da fantasia?
Leiam o texto dele clicando no link abaixo:
http://web.marlonguerios.com/2007/florianopolis-paraiso/