Dois jovens que tiveram breve contato em escola católica, o cineasta Enrique e o aspirante a ator Ignácio, se reencontram na vida adulta e relembram os abusos sofridos por Ignácio por um dos padres. Ignácio, no reencontro, apresenta um roteiro de cinema escrito por ele e inspirado na infância que os dois compartilharam.
Pedro Almodóvar não está entre meus cineastas favoritos – mesmo. De suas obras, até hoje, apenas “Ata-me” e “Mulheres à beira de um ataque de nervos” tem, para mim, algum interesse. “Má educação” não me causou qualquer curiosidade logo que descobri tratar-se de mais um filme totalmente calcado na temática homossexual, além da transsexual, coisa que me lembra muito “A Lei do desejo”, filme do diretor que pago para não assistir novamente nunca mais. No entanto, depois de muita relutância, resolvi que solucionaria a questão de uma vez por todas.
E o meu sexto sentido cultural não me enganou: “Má educação”, apesar de não ser horroroso como “A lei do desejo”, é bem dispensável. Trata-se de mais um dos filmes do diretor espanhol que tentam mesclar o exotismo dos personagens com uma trama policial. A mistura até que funciona, em alguns poucos momentos, mas há um problema, nada tolerável, que interfere de maneira efetiva neste ponto. Para que você acompanhe com a devida atenção e se envolva com o suspense construído por um filme policial, é necessário que o longa-metragem consiga obter a empatia do público com relação aos seus personagens, e isso não ocorre em “Má educação”. A razão é muito simples: como simpatizar com um travesti porra-louca, ganancioso e trambiqueiro, que chega a pilhar a própria mãe, seu irmão não menos ganancioso e mercenário, tipinho capaz de qualquer coisa para atingir seus objetivos, e um ex-padre pedófilo, de personalidade lamentável? O único personagem que consegue obter alguma simpatia é mesmo o do cineasta Enrique, mas como ele, mesmo sabendo que estava sendo enganado, acaba se acomodando com a situação em troca dos favores sexuais de Angel/Juan, a empatia desenvolvida não chega ao nível necessário. Desta forma, o filme falha ao não criar no público o envolvimento necessário com os personagens para que acompanhem com interesse os acontecimentos da trama policial. E, se a faceta policial do filme é deficiente, em consequência de os personagens também o serem, já que não despertam empatia, o que resta em “Má educação” para que seja configurado como um bom filme? Nossa, nada. O que me leva a refletir, desde muito tempo, porque Almodóvar é visto como um cineasta genial: seria por expor personagens exóticos – travestis, homossexuais, mulheres hiperbólicas? Seria por expor um suposto retrato da latinidade? Seria pelas suas tramas, por vezes estapafúrdias? Não entendo, de fato. Nem mesmo os seus filmes mais celebrados ultimamente, como “Fale com ela”, conseguiram me tocar adequadamente – por sinal, estou devendo um texto sobre este longa. Ao cabo de tudo, “Má educação” sofre do mesmo mal de “Carne trêmula”: os dois simplesmente não arrebatam, não me tocam, não me interessam. Quando os acontecimentos da trama policial são revelados, o que deveria acabar como uma fulgurante catarse acaba simplesmente levando o expectador mais exigente a se perguntar, insensível ao destino infeliz de um personagem qualquer: “Tá, e daí?”. Definitivamente, a Europa tem diretores mais sensíveis do que este, se é sensibilidade o que os fãs de Almodóvar julgam ser sua genialidade.
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Camille é conhecida na França simplesmente assim, pelo seu primeiro nome, sem o uso do sobrenome, Dalmais. E Camille é, definitivamente, a coisa mais contemporaneamente bem sucedida que a França já conseguiu lançar, cantando em sua língua materna. As comparações com a islandesa Björk são frequentes, mas isso ocorre tão somente devido a semelhança de Le fil, segundo álbum de Camille, com Medúlla, o último álbum de Björk: ambos utilizam de maneira forte sons produzidos pelo própria voz de suas intérpretes/compositoras como o principal artifício sonoro das canções. E, diferentemente do álbum da cantora islandesa, considerado difícil e, para alguns, quase “inescutável”, Le fil é um espetáculo delicioso para os ouvidos. Camille sabe ser pop, jazzística, pós-moderna, lúdica e, como não poderia deixar de ser, francofonicamente elegante. O grande achado da garota é revelado pelo título do disco: “le fil”, significa “o fio”, e ele é representado sonoramente no disco por um murmúrio, um cantar monocórdico que percorre e liga todas as músicas, do início ao fim do álbum. Ele não é sempre audível, a maior parte das vezes é recoberto pela melodia das músicas, mas está lá presente, e é notado sempre que há um silêncio dentro da harmonia da música. Isso acaba por criar uma unidade sonora entre todas as canções, mas ao contrário do que se possa pensar, não as torna absolutamente iguais. Há espaço para tudo no mundo de Camille. E tudo feito quase que esclusivamente pela sua voz. O disco abre com “La jeune fille aux cheveux blancs”, que, claro, começa com o ponto de partida do “fio” sonoro e, em alguns instantes, é invadido pela voz esplendorosa da cantora, que entoa os versos da música, enquanto, ao fundo, ela é invadida por uma variedade enorme de diferentes coros repetidos de sua voz, fazendo o acompanhamento como breves “estacatos”, bateria ou violão vocais. Depois de sermos tomados pelo lirismo dessa música, somos supreendidos pelo tom absolutamente lúdico e vivaz de “Ta Douleur”, onde Camille não se nega a fazer os sons mais estranhos possíveis com a boca para servir de fundo aos versos animados da canção, que revela o uso de um trompete apressado lá pelo meio da melodia. “Assisse”, a terceira faixa, traz um cantar menos diferenciado em tons, sintetizado em várias vozes que cantam a mesma melodia. Contudo, como Camille mostra nesse disco nunca deixar de ser uma surpresa maravilhosa, perceba que os “acordes” de voz que fazem a breve introdução da canção imitam uma guitarra. E, para nosso prazer, não somos poupados nem de uma repentina limpeza que Camille faz na sua garganta – sim, aquele “hãn hãn” eternizado pelas pastilhas Vick. Pós-moderno como é, o disco também não deixa de apresentar uma mesma canção dividida em três diferentes partes, com três diferentes andamentos e variações no verso e melodia. “Janine I” é uma canção simples, cantada com pressa pela francesa, com uma batida cíclica, produzida por sua voz- claro – ao fundo; “Janine II” tem andamento muito mais lento e preguiçoso, revelando um baixo quase apático como acompanhamento; “Janine III” é a mais ligeira, e traz os versos cantados numa velocidade difícil se acompanhar, junto com um trompete igualmente delirante – e, aos poucos, mostra um acorde que vai fechar a canção, simulando um distanciamento quase sideral da melodia, ou som de um carro de corrida se afastando, se preferir – muitíssimo divertida. “Vertige” traz um coro no fundo que simula algo que pode ser interpretado como gostas de chuva em um pedaço de lata, ou, quem sabe um relógio; tudo emoldurando a breve melodia principal. “Senza” transpira beleza em sua melodia que incita algo bem primaveril, um belo dia de céu azul limpo e sol radiante, com aqueles breves lampejos de melancolia que esses dias lindos costumam revelar – ao menos eu sinto isso com frequência. “Au port” apresenta um batida rápida, produzida em uma caixa ou coisa semelhante, adornando a harmonia lindíssimamente altiva da voz de Camille, acompanhada por um teclado que encorpora um som metálico e um trompete, ambos sempre discretos ou pontuais. “Rue de Ménilmontant”, penúltima faixa do álbum, tem a beleza tranquila de uma balada algo triste. Mas a balada mais bonita do disco é mesmo “Pour que l’amour me quitte”, que mostra uma Camille mais despreocupada em ser contemporânea, cantando simplesmente e deixando-se acompanhar pelo som de um baixo (ou um teclado?) cintilante e cíclico. Em “Baby Carni Bird”, somos apresentados à uma Camille mais jazzística, cantando alguns versos em inglês inclusive, e mostrando que não há nenhuma obrigação em um pop-jazz ser pausteurizado ao ponto de parecer sempre qualquer coisa feita por Norah Jones. Contudo, a faixa mais retumbante é “Pâle Septembre” – veja vídeo ao vivo aqui no blog. Nesta música somos introduzidos em um cantar sofrido e uma melodia silenciosa, pontuada ao fundo por breves acordes de um teclado. Logo, surgem os belos corais de fundo de Camille, simbolo maior do disco, para sermos apresentados à versos em inglês cantados em harmonia quase silenciosa. Tudo isso prepara o ouvinte para ser surpreendido com a beleza explosiva que surge à seguir, em uma sequência melódica que revela uma Camille lírica e profusa como nunca, com direito à uma orgia de todos os instrumentos musicais usados até então discretamente no disco. É como se estivéssimos submersos por um longo período em um oceano, ou vagando no espaço, e fóssemos arremesados repentinamente em uma floresta repleta de sons de sua fauna e flora – a sensação é inesquecível, e a música entrou de imediato, desde sua primeira audição, na minha lista concorridíssima de “músicas para se ouvir ao se jogar do topo de um arranha-céu”. Não bastasse isso, ainda temos a maravilhosa última faixa do disco: “Quand je marche” é tranquila e romântica, deliciosa de se ouvir seguidamente. E o disco fecha com o “fio” sonoro sendo acompanhado de frases de Camille gravadas, aparentemente, fora de um estúdio – já que o álbum é mesmo uma bela ode ao dom humano do falar, nada melhor deixa-lo soar naturalmente ao seu fim. Baixe agora esse disco esplendoroso através dos links a seguir.
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1 comentárioDepois do sucesso de La Revancha del Tango, o Gotan Project – também conhecido como Jectpro Tango – retorna com o álbum Lunático. A música engendrada pelo trio europeu-americano prossegue insinuante, sensual, sedutora, hipnótica, delirante e poderosa, mas agora também ganha tonalidades acústicas sutis. Não resta dúvidas que o destaque absoluto do álbum é o single “Diferente”, que cativa imediatamente o ouvinte com sua melodia tecno-tango dançante, saborosa e irresistível: impossível passar por essa mistura magistral de beats, samplers, contrabaixo, acordeão e tecituras orquestrais sem voltar o player para ouví-la uma vez mais. De atmosfera menos romântica, “La Vigüela” também fascina, com seus versos recitados em dueto parte robotizado e sua harmonia assumidamente eletrônica, ainda que adornada pelo fogo do ritmo genuinamente argentino. “Arrabal” delicia os ouvidos com o vocal encantadoramente preciso de Cristina Vilallonga com a melodia da canção, recheada de violões e acordeão que duelam entre si, sobre a batida eletrônica suave ao fundo. A destreza musical do Gotan Project é tanta, que até vocais embebidos na fonte do gênero rap conseguem angariar a simpatia e apreciação do ouvinte na faixa “Mi Confesion”. Isso porque, obviamente, o subtexto aqui é o tango pós-moderno do trio, e as letras são poéticas e delicadas, diferentemente daquela coisa irascível e “inescutável” do gênero. As faixas que se apresentam mais instrumentais também tem seu lugar no novo álbum, como na orquestração soberbamente luminosa que enfeita “Criminal” e a recriação, que suaviza o sorumbatismo mas intensifica o drama de “Paris, Texas”, tema clássico da obra-prima de Win Wenders composto por Ry Cooder. “Lunático”, faixa-título do disco, com seu acordeon de tons breves, quase sem fôlego, remete à brevidade das corridas de cavalo – não por um acaso, já que seu nome foi herdado do cavalo de corrida que Carlos Gardel possuía. Contudo, a grande surpresa do segundo trabalho do Gotan Project são as faixas quase ou totalmente despidas de eletronismos. “Amore Porteño” prossegue melodicamente em uma toada desesperançada e trágica, o que coincide com o teor de seus versos. “Celos” segue na mesma toada, mas apropria-se ainda mais de um teor jazz/cabaré, denotado mais visivelmente pelos ruídos captados ao vivo.
Soberbo, o disco é uma belíssima fusão de tradição e contemporanismo, onde o dramatismo e a paixão tipicamente latinos ganham tonalidades ainda mais impactantes ao serem adornados pela sonoridade de samplers e demais manipulações eletrônicas. Merece lugar na coleção de CDs sem pestanejar. Baixe o disco por um dos links abaixo.
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Deixe um comentárioCom a liberação na internet do primeiro single do aguardadíssimo novo disco da banda britânica Muse, um verdadeiro furor discursivo tomou de assalto as comunidades dedicadas ao trio. A sonoridade de “Supermassive Black Hole” assustou os fãs mais ferrenhos, angariando o ódio destes e a simpatia dos mais despreocupados. No entanto, a suspeita de ambas as “facções” que rapidamente se formaram era quase idêntica: o novo disco da banda mostraria um Muse bem diferente daquele adorado e conhecido pelos fãs.
Agora, depois de semanas de bate-boca e ofensas mútuas, o álbum vazou na internet – para variar – e as expectativas amainaram: há traços que diferenciam Black Holes & Revelations dos álbuns anteriores do Muse, mas nada que transforme radicalmente a identidade da banda.
Apoteótica a música da banda prossegue sendo, como podemos conferir na faixa de abertura, “Take a bow” e também em “Exo-Politics”, “Assassin” e “Soldier’s Poem”, todas faixas que assemelham-se pela mensagem política – algumas mais sutis e mais citacionais, outras mais explícitas – , que se abre universalmente contra o belicismo e a manipulação da opinião pública sem apresentar, contudo, qualquer tipo de pedantismo engajado – é Muse no seu melhor, com letras trabalhadas sem nunca esquecer que é, acima de tudo, música. Porém, os delírios de derramamento amoroso do trio britânico continuam firmes e fortes, como se pode ver no amor impossível de “Hoodoo” – balada espetacular, com a típica virada melódica da banda, à maneira da música erudita, com orquestração farta de pianos em apoteose e cordas épicas -, na dependência desmedida da bárbara “Map of the Problematique” – com sequências em que a bateria se faz deliciosamente preponderante – na emoção nada contida de “Invincible” – onde contribuem a bela introdução de teclado arranjado como um orgão e a bateria em tom marcial -, no embevecimento romântico de “Starlight” – de harmonia fulgurante, com teclados nostálgicos e bateria sincopada – e no amor nevrálgico de “City of Delusion” – com energizantes riffs de guitarra e o vocal intenso e delirante de Matthew Bellamy.
Apesar da identidade da banda fazer-se presente, ela se mostra-se intensamente mesclada com sonoridades que podem apresentar inspiração mais difusa em algumas faixas – como nos teclados da faixa de abertura, “Take a bow” – e bem mais clara a algo assumida em diversas outras. A música de identidade forte do The Mars Volta, por exemplo, pode ser reconhecida no sutil apeado latino dos acordes do violão, do ritmo da bateria e metais de “City of delusion”, na guitarra e baixo grave e profundo de “Hoodoo”, e na força que estes tem em “Knights of Cydonia”, com seu refrão de vocais sobrepostos. Além da referência à esta banda, de história mais recente no cenário musical, algo do pop contagiante do Depeche Mode do fim dos anos 80, do gostoso Europop que fez tanto sucesso à época, também é adotado em “Starlight”, música de melodia pop-rock fenomenalmente esfuziante e luminosa e, principalmente, na faixa “Map of the problematique” – com um arranjo perfeito no ritmo ensaiado e sincronizado entre bateria, guitarra, baixos, teclados e também no excelente uso que Matthew Bellamy faz de seu vocal.
Em tempos de copa do mundo, podemos conferir que a atitude de tecer críticas ao trabalho de quem idolatramos, tendo contato com uma fatia tão ínfima do trabalho que seria desenvolvido – já que todo o furor crítico inicou-se com apenas uma canção do novo disco do Muse e, no caso da seleção brasileira, tendo disputado apenas uma partida -, pode ser bastante imatura, uma vez que, na verdade, a crítica antecipou-se à apropriação daquilo que se objetiva analisar. Aqui estamos então, com um belo disco do trio britânico, vigoroso e com alguma sutil renovação, que acabou desmotivando todo o bate-boca insensato e, no futebol, nos preparando para a segunda disputa, amanhã, de nossa seleção. É esperar para que o resultado do desempenho dos atletas brasileiros seja tão inspirado, genuíno e animador como o do trabalho do Muse.
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3 ComentáriosNo advento da Segunda-Guerra Mundial, especialista em substâncias químicas para limpeza e tratamento da água é contactado e incluído na força nazista da SS. De fé católica, ao descobrir o uso que os oficiais nazistas fazem de seus conhecimentos em química, o agora agente do império ariano tenta advertir a igreja sobre o extermínio de judeus e acaba recebendo a ajuda de um padre com contatos no alto escalão da organização do Vaticano.
Costa-Gravas é conhecido pelos seus projetos polêmicos, e este filme não foge à regra. A produção francesa é contundente e ousada ao retratar a tolerância de grande parte do clero e da administração da igreja católica romana aos atos da “solução final” da Alemanha nazista – o filme chega a sugerir, na sua sequência inicial, a participação de algumas instituições relacionadas ao Vaticano no extermínio de inválidos internados para tratamento. Diretor cujo cinema é politizado e engajado, Costa-Gavras revela o cinismo do Vaticano em refutar a existência dos campos de extermínio e o temor do alto clero devido as implicações políticas no advento do envolvimento da instituição religiosa no conflito, já que a eventual vitória da investida Nazista no território da União Sovitética interessava ao Vaticano. Além disso, a hipocrisia da igreja diante dos atos perpretados pelos alemães nazistas contra judeus, mesmo dentro de território italiano, também é exposta no filme.
Os protagonistas Ulrich Tukur, como o oficial Gerstein, e Mathieu Kassovitz, como o padre Riccardo Fontana, esbanjam excelente performance nos seus papéis – não há como não se compadecer da dor do oficial da SS, que arriscou-se o quanto pode para tentar intervir nos planos de extermínio nazistas, e do martírio do padre católico, que via, pouco a pouco, a instituição em que tanto acreditava definhar diante do comodismo político.
É importante ressaltar que muitos encontrarão semelhanças entre “Amén” e “A lista de Schindler”, do diretor americano – de origem judia – Steven Spielberg. Isso não é por acaso, já que seus argumentos retratam, igualmente, alemães em conflito com os atos da ditadura de Hitler. No entanto, a abordagem de cada um dos filmes difere bastante: enquanto Spielberg se esbalda em utilizar-se de sequências que retratam os requintes de crueldade da violência do regime nazista contra aqueles que perseguia, Costa-Gravas é muito menos gratuito na proposta de seu filme, evitando cair na exploração visual do genocídio, já que compreende que, no seu cinema, a sugestão dos atos perpretados pelos homens de Hitler é suficiente e bem mais eficiente do que a exposição destes. Um bom exemplo disto são as recorrentes sequências em que locomotivas com inúmeros vagões – por vezes com as portas abertas, em outras com estas fechadas – percorrem trilhos por campos tranquilos: ao assisitir o filme sabe-se que a placidez do ambiente exterior – estonteantemente retratado pela fotografia de Patrick Blossier – contrasta violentamente com o temor da realidade do que estaria no interior dos vagões. A trilha sonora também contribui muito para o tom realista do longa-metragem, já que foi composta e conduzida com a supressão de qualquer grandiloquência sonora, que só faria atrapalhar a sobriedade do filme e ofuscar o trabalho excepcional dos atores.
Ignorado massivamente pela mídia quando do seu lançamento, em 2002, “Amén.” está entre a leva recente de filmes que conseguem reutilizar a temática do nazismo e do Holocausto abordando facetas ainda não exploradas pela maioria dos filmes produzidos até hoje, e que só com o devido distanciamento podem ser analisadas de forma adequada – construindo uma narrativa poderosa sem ser apelativa, evitando o sentimentalismo excessivo e ufanismo que os filmes americanos costumam apresentar ao tratar do tema, por exemplo. Depois de deixar-se tomar pela catarse de filmes como “A lista de Schindler” e “O pianista” é sempre bom acalmar os sentidos e promover uma reflexão daquilo que foi visto, explorando uma visão mais abrangente e distanciada sobre a complexidade do conflito – reflexão esta que é bastante facilitada pela sobriedade de filmes como o de Costa-Gavras.
Há dois diferentes grupos de compositores que trabalham concebendo trilhas sonoras. O primeiro deles é composto por músicos que arquitetam peças que servem tão somente como fundo à ação e à imagem desenvolvida no longa-metragem. O segundo grupo é feito de músicos que superam esta limitação, compondo peças musicais que conseguem servir ao propósito a que se destinam mas que sobrevivem à audições isoladas de seus filmes, muitas vezes ganhando vida absolutamente independente destes. Não é difícil de compreender esta característica da obra destes artistas – as trilhas sonoras, hoje, tomaram de assalto a popularidade que outrora pertenceu às composições clássicas, cujas obras contemporâneas circunscrevem seu conhecimento quase que tão somente aos especialistas do assunto. E isto deve-se, em grande parte, à este segundo grupo de compositores – muitas vezes também autores de obras clássicas/eruditas -, que tem como integrantes os músicos Zbigniew Preisner, Philip Glass e Ryuichi Sakamoto.
O britânico Michael Nyman é um dos expoentes deste grupo. Sua trilha sonora da obra-prima absoluta do cineasta britânico Peter Greenaway, “A Última Tempestade”, configura-se inteiramente neste grupo de obras. O filme encontrou sincronicidade sublime com a música do compositor Michael Nyman, habitual colaborador do cineasta, mas também conhecido pela música irretocável que compôs para filmes como “O Piano”, “Fim de Caso” e “Gattaca”. A trilha feita para o filme de Greenaway é complexisíssima, e passeia com desenvoltura por momentos de bizarrice sonora e romantismo como quem faz um “tour” do Museu de Arte contemporânea mais aguerrido ao parque arborizado e primaveril. Músicas como “Prospero’s Curse”, “History of Sycorax” e “Caliban’s Pit”, tem metais que se sobressaem em tom de urgência, com sopros breves e graves que formam temas que se repetem na melodia da música. A concepção idiossincrática destas peças sonoras servem de motivo àqueles que afirmam ser Nyman um dos representantes da música minimalista. É bem verdade que o compositor utilize-se deste recurso estilístico ao compor a melodia de alguns trechos de sua obra, mas este traço é bem mais sutil e bem menos ambicioso do que a forma como isso é explorado por Philip Glass, por exemplo – o grande representante da música minimalista nas trilhas sonoras. No entanto, apesar da beleza idílica de tais momentos da obra de Nyman, sua genialidade se sobressai mesmo na exploração da veia romântica e algo renascentista de suas composições. “Prospero’s Magic” e “Cornfield” são dois grandes exemplos da imensa beleza deste tipo de composição do músico – a primeira trazendo cordas, metais e demais instrumentos complementando-se, construindo uma melodia imponentemente regencial; a segunda desenvolvendo um explêndido tema romântico, que cresce vagarosamente e invade furtivamente os sentidos do ouvinte.
Complexo como qualquer artista que se preze, algumas das composições de Nyman para este filme de Greenaway ainda guardam algo de operístico, como podemos conferir nas faixas “Full Fathom Five”, “While you here do snoring lie”, “Where the bee sucks”, “Come unto these yellow sands” e “The Masque”: as três primeiras adornam os versos cantados pelo garoto soprano com uma orquestração sutil e reduzida; a quarta peça apresenta tom pomposo e mais notadamente derivado do estilo operístico; e a última conclui com eloqüente e variada harmonia, por vezes modificada por curvas sonoras bruscas.
No ano 2000, a Real Filarmônica Inglesa, entre tantos outros compositores regravados por ela, lançou um disco em que reinterpreta algumas peças de Nyman, entre elas algumas que compõe a trilha de “Prospero’s Books”. E é impressionante a forma como a Filârmônica concebeu um novo arranjo à canção “Cornfield” ressaltando sua beleza romântica e iluminando ainda mais sua harmonia extraordinária – impossível terminar uma audição desta versão da música sem lágrimas nos olhos e arrepios pelos corpo. Além de ter rearranjado alguns temas do filme baseado na peça de William Shakespeare – que ganham uma interpretação mais refletida, já que trabalhados por toda uma orquestra -, a Filarmônica refez outras composições famosas de Nyman, como os 4 movimentos do “The Piano Concert”, derivados da trilha do filme de Jane Campion – que foram retrabalhados anteriormente, como um concerto, pelo próprio Nyman – e ainda duas peças de outros dois filmes diferentes de Peter Greenaway; uma de “Zoo – Um Z e dois Zeros” e outra do clássico “O Cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”. As composições ganham do filme “O Piano” ganham unidade sonora na interpretação da Real Filarmônica – tem continuidade e sonoridade homogênea, ainda que sejam, essencialmente, peças melodicamente diferentes. “Angelfish Decay”, mistura tons fugazes com momentos de contemplação, como em sua versão original, mas aqui acaba ganhando feições mais delicadas, devido à multiplicação de sua sonoridade por diversos intrumentos diferentes – é bom lembrar que a banda que acompanha Nyman tem um número reduzido de instrumentistas. E, por fim, “Miserere Paraphrase” simula, com violinos, a melodia que antes era cantado por um garoto soprano – preservando ainda muito de sua sombria idiossincrasia.
Barroca, romântica, renascentista, contemporânea, a música de Michael Nyman é tão complexa que consegue exibir facetas que se aproximam de diversos estilos artísticos ao mesmo tempo, com andamentos que vão do minimalista ao musicalmente opulento, superando com genialidade, arrojo e lirismo a limitação da “música de filme”, que muitos compositores conformam-se em compor. Nyman é dos poucos músicos que, ainda hoje, conseguem consolidar em seu trabalho uma mistura absolutamente homogênea de pós-modernidade e beleza clássica, conseguindo construir uma música que é um verdadeiro festival de sensibilidade, sem soar datada ou piegas – o que por si só, hoje em dia, já valeria a audição. Link para download depois da lista de faixas.
– Royal Philarmonic Collection:
parte 1: http://rapidshare.de/files/22106170/royal_michael_nyman_1.zip.html
parte 2: http://rapidshare.de/files/22108229/royal_michael_nyman_2.zip.html
parte 3: http://rapidshare.de/files/22109544/royal_michael_nyman_3.zip.html
parte 4: http://rapidshare.de/files/22110581/royal_michael_nyman_4.zip.html
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– Prospero’s Books:
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Win Wenders inspirou-se inteiramente na música da banda Madredeus para conceber o excelente filme “O céu de Lisboa”, uma ode à beleza do cinema e da capital portuguesa. A parceria não foi frutífera tão somente para o diretor alemão, já que Ainda é, na minha opinião, o melhor disco da banda portuguesa.
Tranbordando sensibilidade e lirismo, composto por uma sonoridade sofisticada e melancólica, o disco é um pequeno esboço da alma portuguesa, faixa a faixa. Em “Guitarra”, que abre o disco, somos remetidos aos primórdios do cantar português – as cantigas medievais -, em uma letra que declara o amor daquele povo à música popular e uma melodia que faz uso delicioso do instrumento que dá nome a canção – conhecido aqui no Brasil como “violão”. As músicas “Milagre” e “Alfama” cantam as alegrias e tristezas afetivas – a primeira bela introdução instrumental e sonoridade triste, complementada pelo canto fenomenal de Teresa Salgueiro; a segunda apresentando belíssima melodia que explora soberbamente os instrumentos de câmara e acordeão, que constroem a sonoridade básica das músicas de Madredeus. Já nas faixas “Céu da Mouraria” – com melodia delicada ornada pelo vocal nostálgico – e “O Tejo” – que inicia-se com harmonia triste, para logo iluminar-se com sutil alegria em seu refrão – constatamos o orgulho do povo português com relação à história de seu país, além da celebração das belezas lusitanas. “A cidade e os campos” versa sobre a tristeza do camponês, ao ver-se abandonado da vida rústica do campo e inserido na frieza cotidiana da metrópole – nesta faixa, enormemente melancólica, a voz de Teresa exibe dor e arrependimento ainda mais intensos. Mesmo nas faixas instrumentais, em que não temos a presença da voz exuberante da vocalista, a banda mostra conseguir cativar o ouvinte – é o que sentimos ao ouvir “Miradouro de Santa Catarina”, que consegue mesmo inspirar a visão plácida do lugar cujo nome lembra, e em “Viagens Interditas”, que guarda em sua melodia a saudade despertada pela partida.
Ao constatar a beleza da música da banda em “Ainda”, não há como não desejar conhecer o povo e a terra que inspira tamanha sensibilidade musical. Em especial para nós, brasileiros, o sentimento é ainda mais verdadeiro, já que herdamos algo desse bucolismo, placidez e nostalgia lusitanas. Mesmo para àqueles que não tem a oportunidade de fazer esta viagem literalmente, ouvir a música da banda portuguesa já confere muito das sensações que tal jornada despertaria. No entanto, muito além do sensorial, a capacidade da música de Madredeus de despertar a reflexão do ouvinte sobre o preconceito com relação à cultura portuguesa, e superá-lo, é o maior ganho de todos – e fazer isso ouvindo composições de qualidade é um prazer inegável. Baixe já o disco pelo link que segue depois da lista de faixas.
http://rapidshare.de/files/8290566/MADREDEUS_-_CD-_Ainda.rar.html
Deixe um comentárioOs últimos momentos da vida de Adolf Hitler e do regime nazista são retrados a partir dos relatos de Traudl Junge, secretária pessoal do comandante alemão.
O tema do Holocausto já foi devassado por dezenas de filmes das mais diferentes maneiras. Desde a visão mais plana, unilateral e sentimentalóide até tentativas dispensáveis de transformar o acontecimento em uma peça satírica (falo aqui do lamentável “A vida é Bela”), poucas oportunidades tivemos de fugir da visão ufanista e maniqueísta do cinema americano. O filme mais recente que nos oferta algo além do que comumente se vê sobre o tema é o longa do diretor Oliver Hirschbiegel, uma produção genuinamente alemã e que parte da visão de uma mulher de origem germânica que, apesar de não ter qualquer relação ou adoração pelo regime nazista, acabou tendo contato direto e pessoal com o seu gestor.
Uma produção como esta não poderia deixar de gerar polêmica e ser um dos filmes mais complexos sobre o tema. Não é fácil analisar o filme de Hirschbiegel: o tema é delicado por si só, e o fato de ser uma produção do país que foi responsável pelo Holocausto só aumenta o grau de dificulfdade da tarefa. No entanto, apesar do temor inicial, o filme alemão é o retrato mais realista e eficaz da Segunda Guerra Mundial. O diretor, em uma decisão acertadíssima, resolveu suprimir ao máximo o uso de cenas de batalha, evitando assim uma apologia ou glamourização do belicismo. As cenas de confronto são pontuais e servem principalmente para mostrar o cerco que se fechava à capital Berlim e ao bunker onde Hitler e seus principais comandantes se refugiavam.
E é justamente dentro do ambiente claustrofóbico do bunker que somos obrigados a passar a maior parte do filme. Se a batalha parecia cruel na superfície, a loucura e o desespero no interior do abrigo rivalizavam com esta à altura. Ali encontramos Hitler, em companhia constante de sua amante e futura esposa momentânea Eva Braun, bem como de seus mais confiáveis homens e de fiéis serviçais – entre eles a secretária Junge – lutando para aceitar a derrota e destruição do império ariano. À medida que avançava a violenta ofensiva russa, crescia também a cisão entre os ocupantes do refúgio: alguns resistiam à idéia da derrota do seu regime e da loucura de seu chefe, outros se conformavam com o fim do governo e já arquitetavam um acordo ou uma inevitável rendição, e havia àqueles ainda que não sabiam exatamente o que pensar. Com o passar das horas e com a definição mais clara do fim do nazismo restava apenas decidir se suas vidas realmente se encerravam junto com ele.
Hitler, o cerne e o motivo maior da produção do longa, é retrado de maneira bastante convincente, tanto em sua persona militar como a de homem “comum”. No que tange à sua faceta como o mentor do nazismo ele surge cruel, perfeccionista, astuto e vingativo com os militares que lhe causavam desagravo ou lhe desobedeciam. Na sua faceta mais pessoal, o roteiro teve o cuidado de humaniza-lo de forma bastante cuidadosa e apropriada, já que ele é mostrado como um homem culto e afável com aqueles a quem tinha como amigos e aliados e que demonstrava imenso respeito por quem lhe servia. Além disso, a exposição da deteriorização tanto de sua saúde frágil como de sua sanidade como estrategista ajuda a compreender a derrocada de seu sonhado império. O filme ainda se ocupa de revelar a frieza quase inumana da decisão do chefe de estado nazista de se suicidar junto de Eva, e de oferecer o mesmo como alternativa para aqueles que temiam o seu destino na mão dos adversários.
Tanto quanto o próprio Hitler, a personagem de Traudl Junge revela uma enorme complexidade: mesmo sem ser uma das partidárias do regime nazista e conhecer por alto as ações altamente reprováveis por este organizada, Junge decidiu disputar a vaga que lhe colocaria em contato direto com o comandante alemão, vaga esta que realmente obteve. Depois de meses de convivência com o nazismo e com Hitler a secretária inevitavelmente desenvolveu admiração pelo seu chefe, mas foi nos últimos dias que este sentimento mesclou-se profundamente com uma sensação de temor e horror diante da crescente loucura e falta de misericórdia daquele a quem ela acompanhou cotidianamente. Ao fim de tudo – do regime e de seu chefe, claro -, a jovem Junge resolve não perecer com estes, percorrendo de maneira corajosa – ainda que cheia de terror – as ruas da dilacerada capital nazista, e a turba de adversários que a ocupava, tentando vencer e abandonar àquela fase de sua vida, ainda que não fizesse qualquer idéia do rumo que ela tomaria.
Em No Angel, a britânica Dido fez sua estréia, revelando sua voz aveludada e sua elegância pop. Como a regra das gravadoras, ao apostar muitas das suas fichas em um artista revelação, é estabelece-lo entre os artistas já veteranos e consagrados, faz sentido que mantenha-se o trabalho deste no rumo que garantiu o sucesso inicial ou que se recheie o disco com tons ainda mais cativantes.
É isso que faz Life for Rent parecer uma espécie de parte 2 turbinada do álbum anterior, tantas são as canções com cara de single. Temos a presença de músicas com a vestimenta de hits clássicos imediatos – caso de “White Flag”, com sonoridade pop segura que fala sobre uma mulher que insiste em lutar pela relação que já chegou ao seu fim, e “Don’t leave home”, passionalísima declaração de submissão e dedicação amorosa com instrumentação generosa em que se sobressaem belos acordes de violão. Há, como no disco anterior, as faixas com bases eletrônicas assumidas sem perder a coloração pop – caso de “Stoned”, com eletrônica sincopada, onde Dido canta sobre o desejo de um amor mais vigoroso, de “Who makes you feel”, com melodia eletro-pop de elegante sensualidade e letras onde a cantora dirige-se ao amante questionando e mostrando que ele não encontrará ninguém que o ame mais do que ela, e também de “Do you have a little time”, música de sonoridade mais suave, mas que igualmente exala sensualidade, onde uma mulher implora pela atenção de seu amor, que parece não dedicar muito do seu tempo para os prazeres da vida. E há também as canções com tecitura mais acústica – como “This land is mine”, com acústica acompanhada de uma instrumentação pop sutil, onde uma mulher declara à seu amado, quando ele retorna de um período de ausência, que ele poderá intervir, desde que saiba que agora ela tem o controle de sua vida, e também de “Mary’s in India”, definitivamente a canção mais linda e de harmonia mais simples do álbum, com violões doces e melancólicos e onde a voz de Dido ressalta toda a saudade e o crescer de um sentimento amoroso de uma história sobre dois amigos que encontram-se para matar a saudade de uma amiga em comum, de espírito aventureiro, e se descobrem pouco a pouco apaixonados.
Todas essas características me levam a pensar que Dido, talvez, tenha algo do trabalho da brasileira Bebel Gilberto – tirando o fato de que Dido não tem ambições jazz/bossa, substituindo isto por uma herança mais pop. Talvez seja só uma impressão, uma postura vocal, ou uma “aura” – na falta de termo mais apropriado – musical. Mas é algo que surge devido à suavidade das músicas de ambas as artistas e de ambas terem seus discos reconstruídos por remixagens. E ao concluir a audição observa-se que se trata de um álbum de letras que expressam primordialmente melancolia e entrega amorosa, todas embaladas em melodias pop luminosas, algumas com o eletrônico mais ressaltado, outras com a veia pop mais aberta, e outras ainda que se entregam a simplicidade acústica, e que acabam resultando nas melhores canções do disco. Para os fãs assumidos da música pop mais clássica, este é um álbum de paixão à primeira escuta. No entanto, a presença de harmonias eletrônicas suaves agradam também os fãs do chamado “chill” ou “lounge”. Baixe o disco através dos links que seguem depois da lista de faixas.
Baixe: https://www.mediafire.com/file/8l6c612npzq89s2/di-life-do.zip
Ouça:
Diplomata acomodado desconfia das circunstâncias da morte de sua esposa, uma ativista que lutava contra a exploração da miséria, e resolve investigar por conta própria o acontecido. Logo descobre que a versão oficial para a morte de sua mulher está longe de ser a verdade.
Meirelles quis, em seu primeiro filme de produção estrangeira, não pisar em falso em momento algum, equilibrando a produção de maneira que despertasse a atenção de público e crítica sem chamar muita responsibilidade para si. O ponto de equilíbrio é bastante claro: enquanto vê-se uma produção financeiramente generosa, bastante requintada visualmente e com locações na Europa e na África, percebe-se que o diretor decidiu que iria conseguir controlar os rumos de seu longa na escolha da atriz para o papel de Tessa. Foi recusando atrizes da maginitude pública de Nicole Kidman e Kate Winslet – com a desculpa de não terem a idade apropriada -, e escolhendo uma atriz competente mas sem notoriedade pública excessiva, que o diretor garantiu para si as rédeas do controle autoral de seu longa-metragem, evitando tanto que sua produção fosse eclipsada pela fome de auto-promoção de atrizes como estas quanto que a presença de uma destas mulheres gerasse expectativas em excesso com relação ao seu filme. Foi assim que Rachel Weisz acabou sendo a escolhida para o papel, e o filme ganhou os contornos pleanejados pelo diretor brasileiro.
Fernando Meirelles consegue manter o conhecido nível de qualidade de suas produções em sua primeira incursão pelo mercado internacional. Os atores estão muito bem em seus papéis, limitando de forma inteligente suas atuações para não prejudicar a atenção do público com relação à estória do longa. O roteiro adaptado consegue organizar a fragmentação de sua estória de modo que o conceito não atrapalhe a compreensão do seu conteúdo. A fotografia, a montagem e a edição tem algo de saturação, imediatismo e imersão, sensações que potencializam o envolvimento do público com o desenvolvimento dos acontecimentos do filme. E a direção de Meirelles sabe deixar o registro de seu estilo sem prejudicar a unidade de cada uma das características já citadas. A palavra que melhor define o mais recente filme do diretor brasileiro é, sem dúvidas, “equilíbrio”.
Desta forma, “O jardineiro fiel” é realmente um filme muito bom, mas não se configura como uma obra-prima. Primeiro, pelo obra em si, que mostra ser um filme acima da média, mesmo entre as produções estrangeiras, mas não se torna referência imediata. Segundo, porque o filme é menos um marco na estória de diretores brasileiros que arriscam carreira internacional e muito mais um degrau acima no caminho percorrido há anos pelo trabalho competente dos cineastas brasileiros – ou seja, não se trata de que ganhamos respeito e reconhecimento internacional agora, mas sim de que já o estamos fazendo há um bom tempo, e este filme representa um avanço ainda maior neste caminho.
Por tudo isso, deve-se assitir à “O Jardineiro Fiel” com o nível de exigência no ponto certo. Nem todo artista nasceu para fazer história: a grande maioria está aí para contribuir na medida certa para o engradecimento da cultura e da arte.