Repetindo a experiência de treze anos atrás, inclusive no que tange ao papel desempenhado por cada um em Dance Hall at Louse Point – ele encarregado por compor melodias e lidar com os instrumentos, ela em criar as letras e dar voz a elas -, PJ Harvey e John Parish lançaram há alguns dias seu segundo álbum colaborativo, A Woman A Man Walked By. Apesar do espaço de tempo razoavelmente grande tomado entre os dois álbuns e da quantidade de experiências solo de variadas naturezas que Harvey trouxe a vida desde o lançamento de seu primeiro disco em parceira com Parish, esta nova empreitada tem bem visíveis as características nascidas no trabalho anterior, algumas delas inclusive ressurgindo ainda mais ásperas e esdrúxulas. É o que acontece com o orgão e a bateria entorpecidos de “Is That All There Is?”, que são retomados no novo disco na canção “April”, porém acompanhados de um vocal de Harvey que, em ao menos um terço da música, especialmente no seu início, soa enfadonhamente anêmico e titubeante. As guitarras fartas e maciças de Parish também voltam a dar as caras em canções como “Pig Will Not”, e à imagem do que acabou ocorrendo em “April”, os resultados poderiam ter sido menos claudicantes – a princípio a atmosfera confusa e encolerizada fascina os ouvidos, mas depois de algumas audições se mostra repetitiva e simplista.
No entanto, o disco tem sim seus momentos altamente inspirados, em que a retomada da parceria entre os dois britânicas prova ser válida. É o caso de “Black Hearted Love”, que abre o disco com uma melodia rock perfeita e redonda com guitarras, baterias e vocais que liberam vapores de delicada sensualidade para fazer par ao vocal doce e suplicante de Harvey que dá vida ao versos sobre o êxtase de uma mulher tomada por uma intensa paixão. Mais adiante, em “The Soldiers”, Parish dá uma guinada melódica, fugindo do rock ao inspirar-se na sonoridade obtusa e etérea do folk de PJ Harvey em White Chalk: o piano de toques esparsos e o violão e o vocal de tonalidades agudas e distantes remontam sem erros a obscuridade do disco anterior de Harvey. Em “Sixteen, Fifteen, Fourteen” a dupla encontra o exato ponto de equilíbrio entre estas duas sonoridades, o rock que se ouve de uma faixa a outra e a idiossincrasia folk que permeia todo o disco: apesar de naturalmente díspares, a sonoridade exaltada do bandolim meio desafinado de notas agudas entra em pefeita comunhão com a bateria intrépida, quase bélica, e com as guitarras e o baixo que surgem exasperantes no refrão encerrado por um grito eufórico de PJ Harvey. Na faixa título do disco – que na verdade é uma canção em duas, sendo imediatamente sucedida por um interlúdio instrumental que não é bom o suficiente para lhe fazer companhia – Parish também extrai uma melodia esperta e bem-acabada das guitarras e baterias, mimetizando com vigor compassivo a fúria e o sarcasmo denotados pelo vocal de Harvey e suas letras delirantes sobre um “homem/mulher” com orgãos feitos de fígado de galinha. Pouco depois desse devaneio, mais ao final do disco, Harvey e Parish pisam um pouco no freio com a bela balada “Passionless, Pointless”, em cuja harmonia letárgica e difusa que emana da guitarra, da bateria e do vocal de Harvey apreende-se algo do rock/pop que tanto ocupava a faixa noturna das FMs nos anos 80.
Com um soluço aqui e alguns engasgos ali, pode-se dizer que A Woman A Man Walked By não desagrada os ouvidos por conta dos momentos verdadeiramente saborosos que pontuam esse cardápio extravagante que algumas vezes soa intratável. Mas esso é o risco que corre uma artista inquieta, que não se permite estacionar no conforto e na segurança de combinações e misturas já consagradas. Com essa atitude, por mais que se erre, o saldo sempre acaba altamente positivo – afinal, é logo depois de experimentarmos algo que destoa de nossa preferência que aquilo que vai de encontro ao que apreciamos invade os sentidos como algo ainda mais apetitoso.
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