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“Feriado de Mim Mesmo”, de Santiago Nazarian

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Jovem tradutor, que tem o hábito de passar a maior parte do tempo sozinho no seu apartamento, começa a desconfiar de que alguém o está invadindo, ainda que admita a possibilidade de que isso talvez seja fruto de sua imaginação.
O terceiro livro publicado pelo paulista Santiago Nazarian constitui-se em uma história econômica na exploração de espaço e de personagens, possuindo uma estrutura fortemente teatral. Mas enquanto qualquer obra desta monta tem como fundamento o diálogo entre os personagens, o livro de Nazarian prima pela exploração do diálogo internalizado, pela construção deste na mente do protagonista que habita sua história. Nela, o leitor é levado à um acreditar e desacreditar constantes, suspenso na atmosfera de uma narrativa que mesmo tendo os pés bem fincados no real explora de modo primoroso aquilo que aparentemente não o é – mas seria mesmo apenas aparente? Afinal, tudo – as impressões do “eu”, os vestígios do “outro”, as até um tanto inofensivas perturbações cotidianas – seria fruto de um estado de alteração perceptiva ou sintoma de um invasor sorrateiro?
É certo que muitas histórias já foram escritas versando sobre a substância com a qual “Feriado de Mim Mesmo” lida, mas a abordagem dada por Nazarian à esta substância é seu grande diferencial: este “monólogo mental”, por assim dizer, é fruto de uma escrita direta e sucinta, expressa em períodos curtos de caráter bastante objetivo que procuram a maior parte do tempo afastar-se de metáforas. Assim, essencialmente, “Feriado de Mim Mesmo” desenvolve um enredo que lida com a umidade complexa do psicológico paradoxalmente construído sobre a secura pragmática da linguagem realista.
Contudo, a consequência mais interessante que se obtém da leitura de “Feriado de Mim Mesmo” – ao menos na minha leitura – é outra: o jogo arquitetado entre as noções de biografia e ficção. Se iniciada a apreciação da obra depois de obtidas as informações sobre o seu autor em uma das orelhas do livro, haveremos de encontrar algumas prováveis similaridades entre o escritor e o protagonista da história, o que faz a leitura ser contaminada pela idéia de que a trama parte de alguns pressupostos biográficos. Porém, à medida que as páginas avançam os resquícios biográficos vão desmanchando suas formas, que passam a ser tomadas paulatinamente pela substância própria de uma ficção que alimenta-se destas, assimilando-as numa antropofagia narrativa visceral e violenta – não à toa a própria conclusão da trama materializa a noção antropofágica de modo bastante literal. É desta devoração da biografia pela ficção que nasce uma narrativa de dinâmica complexa, uma “ficção de si mesmo” que se utiliza dos artifícios tradicionais da literatura para subvertê-los em um jogo meta-ficcional e meta-literário que pulsa em uma esquizofrenia narrativa ascendente. É dessa forma que o sonho e pesadelo da produção cultural pós-moderna são materializados simultaneamente na escrita de “Feriado de Mim Mesmo” – um livro que ilustra com maestria como uma trama que lida com as conflitos e terrores do “supra-eu” contemporâneo podem interessar ao público, ao contrário do que foi feito no mais recente longa-metragem de Murilo Salles.

P.S.: Alguém me disse certa vez, não recordo se foi o ou o Pelvini, que faltava ao meu blog resenhas de livros. Bem, este é o post que inaugura minha tentativa de suplantar com sinceridade a minha vergonhosa preguiça de manter o hábito da leitura – também ofuscado pelas toneladas de músicas, filmes e informação ofertados na internet. Daqui em diante procurarei manter uma frequência razoável na publicação de textos sobre literatura – particularmente sobre livros de ficção.

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“Cadê a tesoura?” ou “Não quer? Tem quem queira!”

E aí que, não tendo mais esses sites de celebridades o que fazer, a revista Quem, assim como o Ego – tudo a mesma coisa, diga-se -, fizeram copy & paste do post do blog Just Jared do “flagra” de Ben Affleck com seu visual incomum – para seu histórico, claro: cabelos longos e barba densa.

Há poucas semanas o Ego, com a sensibilidade que lhe é comum , sem nem desconfiar do fato de que Ben ainda é um ator e que eles costumam preparar seu visual para algum personagem, publicou a foto abaixo dele, com um texto que dizia parecer “que os tempos de galã de Ben acabaram com a paternidade”.

Pausa para os comerciais:
1) adoro o carimbo do “Flagra”. Ninguém na redação do Ego percebeu que ele sabia que estava sendo fotografado? Flagra de quê? OI? Até parece que eles conseguem convencer alguém de que isso foi exclusividade de um stalker do globo.com
2) a ambiguidade da frase ficou fabulosa – afinal de contas, quem a lê também pode entender que ele foi um péssimo pai enquanto tinha o status de galã.

Pois bem. Agora os estúpidos que trabalham para Ego-e-companhia-limitada descobriram (duh!) que ele estava se preparando para compor um desleixado qualquer em uma bobagem hollywoodiana desinteressante.
Mas não é sobre isso que quero falar.
O fato é que Ben Affleck – que foi já uma das minhas grandes taras…e ainda é, né? -, mesmo depois de casado, de ter trezentos e cinquenta mil filhos, de não ter mais aquele corpo malhado, de colocar a carreira como ator em ponto morto, e de provavelmente ter descoberto que nunca foi exatamente um bom ator, ainda continua muito gato, mesmo cabeludo e barbudo. E olha que eu já disse aqui zilhões de vezes que tenho tanto pavor de homem com cabelos longos que já vou logo perguntando, “cadê a tesoura?” Obviamente que eu prefiro ele um big-bang de vezes com aquele visual comportado, mas até nessa situação ele me parece apetitoso. Se o pessoal do Ego acha mesmo que ele deixou de ser galã só por conta de uma barba, não tem problema não. Melhor ainda se a Jennifer Garner começar a partilhar qualquer hora da mesma opinião. Não quer mais? Tem quem queira, ué. Manda pro meu apartamento por FedEx que eu estou aceitando e mando até cartão com flores de agradecimento, pôxa. Chegando a encomenda, é só fazer uma retífica no material seguindo essa receita:
– algumas doses de Bloody Mary ou qualquer drink que seja da preferência do moreno (chegado que ele é numa “cana”, é mamão-com-açucar fazer o gajo ficar manso);
– um pouco de água;
– um estojo de Prestobarba;
– uma boa loção pós-barba (pra fazer um agrado no gatão e já preparar o terreno, digo, a cama);
– e, claro, a grande protagonista desse processo de beautification, uma tesoura. Caso ele se mostrasse um tanto indisposto a arrancar aquele aplique, no problem at all: era só cair naquele dossel translúcido, deixar o moço bem exausto com o “esforço” e aí, sem ter como protestar por ter todas as suas forças exauridas, sacar de uma outra tesoura estrategicamente colocada debaixo do travesseiro pra então, ZAPT! Fazer a tosa da juba-aplique na calada da noite. Ah…aí, com esse deus morenão de cabelo cortadinho, inerte placidamente na sua cama, qualquer um veria que tem mesmo coisas que não tem preço. Pra todas as outras existe o rentboy.com®!
Ah, aproveite aí as fotos das duas versões despojadas do Affleck, nos seus tamanhos originais.

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Emiliana Torrini – Me and Armini. [download: mp3]

Emiliana Torrini - Me and ArminiA islandesa Emiliana Torrini, depois de dois álbuns lançados internacionalmente – o primeiro, Love In The Time of Science, passeando pelo pop eletrônico enquanto o segundo, Fisherman’s Woman, divagando por sonoridades folk suaves – demonstra, com o lançamento do seu mais novo disco, que já não é mais uma artista com potencial, mas uma compositora amadurecida e em pleno controle e poder de sua capacidade criativa.
Em Me and Armini, a cantora exibe-se segura em compor não apenas dentro dos domínios do rock alternativo, que é a tônica maior do disco, mas de versar com toda tranquilidade e beleza em outros gêneros. A faixa título do disco, por exemplo, é um reggae recheado pela brandura do vocal de Emiliana, além do gingado tranquilo e carinhoso da bateria e guitarra – a letra também agrada aos ouvidos, tecendo uma ironia sutil ao dar voz à uma mulher que aguarda pacientemente que seu amante abandone a sua companheira em detrimento de sua própria companhia, a despeito de todos lhe dizerem que ela perde seu tempo. E as primeiras faixas só preparam os ouvidos para a qualidade inquestionável do trabalho que se testemunha à frente.
“Birds” chega arrasando sem qualquer necessidade de pisar fundo na melodia: com a segurança de quem sabe muito bem o que está fazendo, Torrini e seu produtor, Dan Carney, empregam no instrumental da canção violões, bateria, guitarra e baixo – este último dando um show à parte na “fuga” melódica da canção – manuseados com considerável parcimônia, além de algumas frugalidades à cargo de coisas como um teremin e piano, conferindo à canção uma tonalidade sonora que acaricia os ouvidos de modo fulminante. Faz sentido: a letra é de uma poesia ímpar, fascinando o ouvinte com a comparação tecida entre o desdobrar de um novo dia e a encenação de uma peça teatral a ponto de ninguém resistir acompanhar o canto da voz macia e doce de Torrini nestes versos. Na faixa seguinte, “Heard It All Before”, a islandesa já tinge o disco com as cores do seu rock: as guitarras, baixo, teclado e bateria escandidos com energia, as palmas e mandolim pra dar um tempero lúdico e o vocal no timbre e potência ideais servem como a carga inicial do armamento rock da compositora. Antes de prosseguir, porém, a garota faz graça ao colocar violão e guitarra ao mesmo tempo serenos e secos em “Ha Ha” para sonorizar o sarcasmo de uma mulher que desdenha de um sujeito que é incapaz de levar qualquer coisa à cabo, muito graças à sua boemia. “Jungle Drum” retoma a verve rock de Emiliana apresentando baixo, bateria e guitarra envenenados por um ritmo frenético, onde o vocal da cantora faz uma parceria imprescindível para compor o andamento e ilustrar com onomatopéias sonoras a louco pulsar de um coração intoxicado pela paixão, comparado nas letras à cadência feroz de tambores da selva. Mais à frente, “Gun” – que trata dos crimes e pecados de homens e mulheres mergulhados em relações fracassadas e ilegítimas – desacelera no ritmo, mas não no fervor de sua atmosfera rockeira: pontuada por gemidos, sussuros e por uma respiração ofegante carregados de erotismo, nada além de baixo e guitarras rascantes, com inserção ocasional de uma bateria febril, são usados como instrumentos para a concepção de uma melodia ferina e sensual. Algumas faixas a mais e chegamos ao fim do disco com “Bleeder”, uma canção profundamente delicada, que com a ajuda de piano de acordes ligeiros e distantes, de alguns acordes simples no violão e de uma orquestração de cordas de sutileza cativante serve ao propósito de registrar as confidências de uma mulher que tenta confortar o homem que ama, mostrando que ele é tão sujeito à ser rendido pela manifestação de emoções fortes quanto qualquer outro ser no mundo.
Comparada no ínício da carreira à conterrânea Björk por alguns críticos musicais apressados, Torrini logo reduziu essas declarações à vozes sem eco, afirmações sem relevância que merecidamente caíram em descrédito já no lançamento do seu segundo álbum. Com Me and Armini, Emiliana Torrini sedimenta de vez uma identidade musical própria – a de uma artista que ignorou o porto de idiossincrasias que a crítica musical enxerga existir na arte produzida na sua terra natal para singrar com sua nau à procura de mares e oceanos de sonoridades versáteis, porém mais simples, deixando para trás e à deriva o estereótipo com o qual os islandeses costumam ser embalados.

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The Boy / Setembro 2008: todo Felipe Torretta [fotos]

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Quando olhei para a primeira foto – esta aí em cima – do ensaio apresentando o modelo Felipe Torretta no The Boy este mês, pensei de imediato: “Berenice, segura!”. A impressão que se tem olhando essa primeira imagem, com um modelo de feições aparentemente viris, com um corte de cabelo perfeito, levantando de modo insinuante a camisa para revelar um corpo que parece ser espetacular, é de que o rapaz é estonteante e de que o ensaio ficou fabuloso. Mas aí você olha a segunda sessão de fotos e, apesar da “comissão de frente” ficar linda empacotada em uma cueca branca da Calvin Klein, você fica achando que o rosto dele não é aquilo tudo e que ele é até um pouco magro demais. E logo vemos a terceira sessão de fotos, com o rapaz posando sob luz natural do sol, e já voltamos a achar ele interessante. Não demora muito e temos, depois de longo tempo, uma sessão de fotos com a famosa sunga Adidas, mas não apenas “faltou perna ali” – palavras de meu amigo Samir -, como também faltou um bocado de sensibilidade da equipe de produção sobre o melhor look do modelo, que certamente não é aquele com o cabelo arrumadinho de nerd – e assim se repete esse bate-e-volta de impressões positivas e negativas no ensaio todo.
Concluída completamente a desgutação, fica uma certeza: esse ensaio tão irregular do fotógrafo Felipe Lessa, com um modelo de beleza tão assimétrica – às vezes lindo, em outras bem pouco atraente – me levou a pensá-lo como a própria analogia da situação do The Boy nos últimos tempos: o site tem tanto a capacidade de surpreender maravilhosamente quanto, não duvido mais, de derrubar qualquer expectativa no momento seguinte. Pode ser que tenha sido sempre assim e só agora estou notando, mas fico com a impressão que não, até mesmo devido à algumas mudanças na estrutura e composição dos ensaios – vocês notaram, por exemplo, que desde o mês passado o número de fotos diminuiu consideravelmente? Sendo assim, é bom irmos nos acostumando com o fato de que toda a gama de possibilidades de equívocos que testemunhamos nos últimos meses – modelos fantásticos desperdiçados em ensaios pouco inspirados, ensaios muito inspirados desperdiçados com modelos nada fantásticos, falhas na seleção de modelos e no trabalho da equipe de produção – pode vir a se tornar a prática no melhor site de ensaios de toda a internet. Portanto, só resta aproveitar o que for bom em cada ensaio lançado, certo? Vamos começar por este aqui: aproveite o que lhe parecer interessante no ensaio aberto e deguste aquilo que for o melhor do ensaio nas fotos só para assinantes.

Clique neste link para conferir todo o ensaio do site The Boy com o modelo Felipe Torretta.

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Sharleen Spiteri – Melody. [download: mp3]

Sharleen Spiteri - MelodyExuberantemente pop. Essa é a definição mais breve e exata do primeiro disco de Sharleen Spiteri, vocalista da banda escocesa Texas. Com o lançamento de Melody, temos mais uma cantora se embrenhando no filão do pop nostálgico que virou a nova e mais rentável aposta das gravadoras e produtores da música britânica. E, se por um lado temos a repetição de uma fórmula já garantida de sucesso, por outro ela é feita com uma competência que garantiu um bom punhado de faixas irresistíveis no álbum – algumas até flertando com outras vertentes do pop, igualmente nostálgicas.
“It Was You”, que abre o disco, é uma delas: recheada com orquestrações de metal e sopros luxuosos em um swingue acelarado, puxado pela bateria, Sharleen já começa sem pudor de ser confessional, exorcizando o fim de um relacionamento de 10 longos anos ao declarar na letra da canção que, se algo morreu dentro dela, foi aquele que a abandonou. “All the Times I Cried”, onde vemos Sharleen dando voz à uma mulher desiludida com a mudança de comportamento do seu companheiro, continua investindo nas melodias cobertas de metais e cordas pomposas, ainda que agora, devido aos acordes delicados no piano, que é solicitado pela melodia no contraponto reflexivo da música, o tom seja ligeiramente mais triste. Já em “Stop, I Don’t Love You Anymore” a música não sossega um minuto sequer, já começando com arranjo de metais a pleno vapor e bateria e guitarra de pontuações dramáticas nos primeiros segundos da canção.
E já que se trata de um disco calcado na música pop, não poderia faltar em Melody baladas de fazer fechar os olhinhos e ficar perdido em devaneios românticos, certo? Sharleen sabe disso, pois caprichou em duas das baladas presentes no disco. Em “I Wonder” ela não deixa barato, colocando pra trabalhar um coro gospel, teclado, guitarra, baixo e bateria, todos com a malemolência do soul, dando ainda robustez ao refrão com orquestração de cordas e com o seu próprio vocal, crispando em sentimento, para sonorizar as queixas de uma mulher que diz ao companheiro que a abandonou que ela não esquecerá o sofrimento que passou quando eles se encontrarem novamente. E “Françoise” não faz por menos, explorando uma outra tonalidade, menos grandiloquente e mais sutil: apesar de ter sido feita em homenagem à cantora Françoise Hardy, o sabor que a brandura da guitarra e a docilidade do piano deixam é o daquelas músicas delicadas e de atmosfera idílica que ganharam fama em romances do cinema italiano dos anos 60, algumas das mais notórias na voz de Gigliola Cinquetti.
Contudo, é a vibrante alegria de “Don’t Keep Me Waiting” que faz desta a melhor faixa do disco: desavergonhadamente pop, a melodia transborda, sem medo de ser feliz, num ritmo intoxicante para o corpo, onde tudo, o arranjo pulsante de metais e cordas, a vivacidade do piano, da bateria e principalmente dos vocais, faz da vontade de dançar o imperativo ao ouví-la já nos seus primeiros segundos – e, diga-se, é difícil resistir à este convite.
Melody é um disco sem segredos: melodias harmonicamente perfeitas nos seus momentos inspirados, feitas sem qualquer ambição que não fosse a de colar nos ouvidos o dia inteiro e fazer quem as ouve cantarolá-las descontraidamente à qualquer momento – mesmo nos mais impróprios. Não é um álbum pra entrar na sua lista de obssessões favoritas, mas apenas pra ficar lá, na sua estante ou no seu acervo de mp3, prontinho a qualquer hora pra ser desfrutado pelo que ele é, um disco com algumas boas canções pop, sem surpresas e sem rodeios.
Baixe o disco utilizando o link abaixo e a senha para descompactar os arquivos.

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“Nome Próprio”, de Murilo Salles.

Nome PróprioGarota nos seu vinte e tantos anos, enquanto alimenta a esperança de vir a publicar um livro, passa seus dias entrando e saindo freneticamente de relações afetivas, das quais tira muito do que escreve em seu blog.
Em coisa de quarenta minutos de duração do filme “Nome Próprio”, me veio à cabeça as declarações de seu diretor no programa Sem Censura, onde ele afirmou perceber que seu longa versa sobre o feminino e sobre a idéia de que a internet, e particularmente o blog, estão irremediavelmente transformando a produção literária. Depois disso, passei todo o restante da projeção de “Nome Próprio” agradecendo que a noção de feminino de Salles e que a sua idéia de transformação da literatura sejam realidade apenas dentro da ficção por ele criada.
Se o feminino, esta identidade que Murilo acredita ser a força motriz por trás das grandes revoluções sociais dos últimos anos, se resume ao desatino comportamental sexual e afetivo e à sustentação de uma relação sempre parasitante, inconsequente, invejosa e displicente no que tange a vivência e os sentimentos alheios, estaríamos cercados de vadias – e vadios – que passam seus dias “atropelando” e desprezando o outro de forma gratuita tão somente para sustentar suas necessidades e seu modo de vida agressivos. Não por um acaso, isso é ao mesmo tempo a essência daquilo que o filme prega como a nova revolução na produção literária – uma literatura egocêntrica e egoísta, que nos brinda com um interminável jorro do fluxo emocional de alguém que acha que o que interessa para o mundo são as divagações e os conflitos do eu, eu, eu.
Felizmente, ambas as idéias que embasam o longa se resumem à um imenso equívoco sobre a contemporaneidade, já que o feminino, fosse ele materializado em uma figura humana, esta seria regida pela coerência, pela sensatez e por uma sensibilidade suficientemente racional, enquanto o status da literatura contemporâneia, graças à tudo que é sagrado, não apenas ultrapassa e muito as fronteiras do “supra-eu” como, mesmo quando limita-se à este âmbito, é bem mais do que um “vômito lírico” pós-adolescente sofrendo de delírios de grandeza que nem a pior corrente do romantismo ousou produzir.
Há o que se possa considerar válido na produção de “Nome Próprio” – pode-se tirar algum prazer ao testemunhar o trabalho de direção, de enquadramentos e de movimentação de câmera interessantes e competentes -, mas nada é capaz de suplantar a sensação do espectador desvendar, sem nenhum deleite, a verdadeira identidade do longa de Murilo Salles, que se revela uma apologia irritante ao pior estereótipo da “geração web 2.0” – os “posers”, aquelas criaturas mergulhadas em uma ilusão e estupidez tão colossais que os faz acreditar piamente que, a exemplo do filme, são todos a mais legítima reencarnação de, ora vejam…Clarice Lispector.

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Duncan Sheik – Phantom Moon. [download: mp3]

Duncan Sheik - Phantom MoonEu já disse por vezes aqui que alguns artistas e discos levam tempo pra crescer entre minhas preferências. Alguns eu conheço e ouço há anos, mas quando perguntado do que eu gosto, não chego a citá-los prontamente porque não atingiram ainda o ponto em que podem ser considerados artistas favoritos. Contudo, há pouco um deles saiu da minha lista de ostracismo cultural e se aproximou dos que perfazem as minhas preferências – o cantor e compositor americano Duncan Sheik. De todos os discos que lançou, só ouvi até hoje seus três primeiros álbuns – onde seu trabalho exibe uma enorme atmosfera pop/folk -, e apesar de que Humming é o que mais escutei, foi Phantom Moon que me fez olhar novamente para o artista, de lá de seu local de repouso na minha cultura musical. O disco é um trabalho requintado e cuidadoso tanto de melodias quanto de letras – estas, por sinal, escritas pelo dramaturgo e poeta americano Steven Sater -, nas quais ainda que variem consideravelmente em tonalidade e intensidade, acabam por compor um todo de homogênea melancolia. Na faixa “Mouth On Fire”, por exemplo, para transmitir na melodia a mesma magnânima estupefação do eu lírico das letras – que vê tudo o que entende e crê perder todo o seu sentido diante do que vive no momento -, Duncan pôs em serviço violões de acordes suplicantes e ligeiros para trabalhar com bateria, arranjo de cordas e com as várias camadas de seu vocal, construindo uma música que só reduz sua densidade melódica sôfrega no seu último minuto e meio. É justamente o oposto do que nos é apresentado em “Lo and Behold”, onde o cantor e compositor se utiliza de piano, orquestração de cordas e da beleza inequívoca de sua voz jovem, macia e pungente para, de modo supremamente fabuloso, construir na música e nos sentidos do ouvinte um crescendo melódico que suplanta de modo inevitável todas as suas sensações – algo que condiz com as letras, inspiradas na enorme emoção de Simão ao ser apresentado à Jesus no no templo de Jerusalém, passagem do evangelho de São Lucas. Em outras canções, no entanto, a variação é menos intensa, já que Sheik cultiva uma sutileza maior no andamento delas. Exemplos disso estão na melodia fulgurante de “Time and Good Fortune”, que com matizes criadas por violas, bateria e orquestrações evoca a placidez de um cenário bucólico esplendorosamente invadido pelos raios do sol, na cadência suave e gentil da guitarra, bateria e piano da balada “Far Away”, que exibe o calor ameno de uma paixão madura, na perfeição do compasso folk/rock graciosamente vigoroso entre violões, órgão, percussão e vocal da faixa “A Mirror In The Heart”, que imprime sensações de revelação e urgência, e na plangente serenidade dos violões e do vocal de Duncan em “Requiescat”, que explora sonoramente a mesma resignação da súplica, nas letras, pela paz de espírito de alguém que se foi, e pelo equilíbrio de quem ficou.
Phantom Moon é nitidamente daqueles discos que não se repetem na carreira de alguém – ficam lá aprumados em sua inatingível superioridade, resultado de um momento ímpar no qual o artista encontra-se imbuído de uma inspiração inigualável. Ao mesmo tempo que isso é uma verdadeira preciosidade para um músico, pelo simples fato de que tal obra foi concebida, também se converte em um empecilho, uma vez que dificilmente se consegue superar, ou mesmo atingir, igual nível de qualidade em obras posteriores. Mas essa busca é, felizmente, o “santo Graal” que é a força-motriz por trás de todas as expressões artísticas, o alimento mais que necessário para sua continuidade.
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“Vem cá meu puto!” ou “Joga água gelada que separa!”

César Cielo: vem cá meu puto!
Adoro Olímpiadas – acho divertidíssimo, assim como acho a Copa do Mundo. Até poucas horas o Brasil era o país do bronze nas olímpiadas – estava morrendo de medo de que essa olimpíada tivesse uma vibe Sydney 2000 para o Brasil -, mas não mais: o nadador César Cielo ganhou a medalha de ouro na prova dos 50m livre da natação e diminuiu ao menos um pouco a dimensão desse possível déjà vu desastroso.
Foi lindo o rapaz vibrando na chegada, foi emocionante ele não conseguindo segurar o choro na hora do hino – e confesso ter chorado junto com ele -, mas o melhor do evento todo não foi isso e nem mesmo o fato de que aquele mala do Michael Phelps ficou meio que apagado no meio de tanta simpatia que o rapaz despertou no público do chamado Cubo d’Água. Teve coisa MUITO melhor.
Mais estranha, ao menos.
Eu diria até que não foi uma, mas duas coisas muito estranhas.
A primeira: foi só eu ou alguém mais aí viu, na saída dos três primeiros colocados da prova dos 50m, o nadador francês Alain Bernard puxando o zíper nas costas do colant do César Cielo pra baixo? Juro que fiquei sem entender na hora. Tá, depois pensei que pode ser que aquela roupa especial seja muito justa e o rapaz – um francês muito simpático, por sinal -, de posse da própria experiência pessoal, se compadeceu do brasileiro e queria dizer pra ele se livrar logo daquilo. Não acho difícil que esse traje seja assim tão desconfortável a ponto de “deszipar” o companheiro de piscina ser prática entre os nadadores, mas não deixa de ser estranho e aí estraga a piada, né? Assim, pra não desperdiçar a deixa, não descarto as outras possibilidades. Na hora que eu vi o acontecido minhas impressões foram outras, e nelas o Bernard me pareceu ter incorporado uma Paula Toller cantando “diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério, tira essa bermuda que eu quero você sério”. Em uma delas, tive a sensação de que o francês queria que o brasileiro tirasse o colant e ficasse de dorso nú pra platéia, pra fazer a linha “narciso exibicionista”, como alguns nadadores fazem logo que saem da piscina – essa, definitivamente, não torna a coisa menos comprometedora para o francês, já que ele também seria platéia, e privilegiada. Pode ter sido um ato falho, um “vem cá meu puto” instântaneo e efêmero de euforia de Alain Bernard. Meu sarcasmo não me permite pensar outra coisa.
E é a euforia que nos leva a segunda coisa estranha: Gustavo Borges nos comentários da vitória de César na transmissão da Globo. E ex-nadador brasileiro ficou tão, mas tão animado que chamou ele de boa-pinta, disse que ele vai voltar para o Brasil mais bonito do que ele já é e que ia até beijar o rapaz na congratulação da vitória – só faltou chamar o César de gostoso, tamanho o tesão do Gustavo Borges em meio a euforia. Fiquei até meio constrangido – porque, vamos combinar que o Gustavo podia ter passado a transmissão da Olímpiada sem essa salivação toda pelo rapaz. Tá certo que os dois são muy amigos, chapas chegados mesmo, mas convenhamos que o Gustavo se excedeu. Se a puxada de zíper do Alain Bernard no colant do César Cielo pode ser subvertida como um ato falho, a excitada euforia – pleonasmo necessário – de Gustavo Borges teve o agravante de ser um ato falho de longa-duração com prefácio e notas de rodapé. E ele não se conteve: mesmo não sendo permitido por fazer parte da imprensa em Pequim, desceu e foi lá abraçar o rapaz na hora da comemoração. Galvão Bueno ficou com medo dele ser preso por quebrar o protocolo. Eu fiquei é com medo de que fosse necessário jogar água gelada no Gustavo naquele momento – nada a ver o líquido aqui com a natação em si, mas sim com aquele velho hábito de dar um susto nos cachorros quando eles, errr…”grudam”.
Agora, assistam vocês o episódio da “deszipada” do Bernard no Cielo – é só olhar em 2:06min deste vídeo no YouTube – e divirtam-se tirando suas próprias conclusões aqui nos comentários do blog. Se alguém achar algum vídeo com as declarações impágaveis do Gustavo avise que eu coloco aqui também.

P.S. 1: aos trolls de plantão que não entenderam nada, eu dou uma dica: a palavra chave é…ironia! Não precisa ter mais que meio cérebro pra notar – mas pra facilitar a vida dos que tem menos do que isso, até adicionei depois uns marcadores de discurso – tipo, “OI? Isso é uma piada. Lá vem outra, tá?”. Como tem internauta que é retardado de nascença e que, portanto, vai escrever qualquer lixo nos comentários de qualquer jeito, também informo que meu Akismet é uma belezinha pra jogar qualquer asneira dita direto no porão do spam. E quem não gostou da brincadeira que vá ler a Folha Universal.

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“Fim dos Tempos”, de M. Night Shyamalan. [download: filme]

The HappeningEm New York, um professor, sua esposa, seu melhor amigo e a filha deste são surpreendidos por uma série de mortes repentinas que assusta a população da cidade. Pelo temor do evento ter sido originado por uma arma biológica, eles decidem fugir da cidade. Logo, os quatro percebem que o acontecimento começa a espalhar-se por outros locais, atingindo cidades e comunidades cada vez menores.
O argumento de “Fim dos Tempos” é sem dúvidas promissor: uma onda epidêmica de mortes por conta de um distúrbio psicólogico que afeta o mecanismo de preservação da vida de cada indivíduo, evento este causado por um agente até então aparentemente indefeso e inofensivo – e este último elemento é, na verdade, a grande idéia do argumento, que subverte a própria identidade de “Fim dos Tempos” como thriller apocalíptico: ao invés do horror e estupefação ser causado por sequências de destruição faraônicas, o terror tem como origem o símbolo do silêncio, da placidez e do pacifismo. Partindo-se desta idéia genial, era só uma questão de compor um roteiro sóbrio, que ao menos lidasse de forma adequada com os artifícios típicos do gênero e contratar um elenco que impusesse peso à história. Infezlimente, não foi isto o que aconteceu.
O roteiro, apresenta dois problemas que saltam aos olhos já em coisa de 20 minutos de filme. O primeiro podemos encontrar em filmes de qualquer gênero: trata-se da qualidade dos diálogos dos personagens. No texto, que pra variar foi escrito pelo diretor/produtor, os diálogos dos personagens tem um sabor tão natural quanto um combo de Big Mac com Ki-Suco, tão rasteiros, simplistas e infantis que soam saindo da boca de personagens adultos – possivelmente nem na boca de uma criança eles soariam adequados. O outro problema é mais comun ao gênero: o eterno recurso de temperar a trama apocalíptica com atribulações pessoais. Isso é algo intrínseco à esse tipo de história, e embora possa funcionar em alguns longa-metragens, aqui soa extremamente aborrecedor e inócuo, ainda mais por ganhar o “auxílio” nada bem-vindo do elenco equivocado – que já tinha sido de “boa ajuda” nos diálogos. O que nos leva ao segundo elemento problemático do filme: os atores escalados para desempenhar os poucos papéis que encabeçam a trama mostram um desempenho fraquíssimo, próximo do constrangedor – em especial Mark Wahlberg, que se tinha como objetivo soar um completo idiota robotizado sofrendo de uma grave crise de insolação ao, por exemplo, falar com uma planta de plástico e tentar negociar com uma velhinha esquizofrênica, devo confessar que teve enorme êxito na empreitada.
“Fim dos Tempos” só não é um fiasco tão retumbante quanto foi “A Dama na Água” porque o argumento base da história é uma grande idéia – embora ela seja destruída pelo trabalho conjunto de roteiro e elenco – e porque o filme apresenta sequências que unem de modo eficiente beleza e terror. Mas estes dois elementos não representam garantia de qualidade suficiente para o longa-metragem e, assim sendo, ele acaba se somando à crescente galeria de equívocos de M. Night Shyamalan. Ao menos, porém, não tivemos que aturar mais uma vez o diretor inserindo-se como personagem dentro da história, nem mesmo em uma ponta sequer – só mesmo pra evitar que “Fim dos Tempos” se transformasse realmente no retrato do apocalipse.
Baixe o filme utilizando os links a seguir.

legendas (português):
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Muse na Paulicéia Desvairada.

São Paulo - MetrôVamos pela cronologia dos acontecimentos.
Transporte por metrô é mais simples e divertido do que eu pensava. É comprar o ticket, consultar suas estações e baldeações, quando necessárias, e pegar o dito cujo. Se você perde um quando está descendo de outro, não dá nem tempo de vociferar enputecido “Porra! Caralho!” que já para outro logo na sua frente. Minha única crítica fica para o fato de que não há um aviso luminoso em um letreiro de qual estação o metrô está fazendo a parada, só há a comunicação em voz do condutor do carro – aí não tem muito como você ficar em paz ouvindo música no iPod, já que tem que ficar atento ao aviso ou de olho em qual estação você está no momento.
E subi ao centro de São Paulo.
São Paulo - Av. PaulistaIntervalo para os comerciais: como me disse pessoalmente o , a Paulista é só uma Avenida, a Alameda Santos é lindamente arborizada mas cheia de gente que só vive de aparências e a Frei Caneca e a Rua Augusta…err, prefiro não comentar. São Paulo é uma metrópole – de um modo ou de outro, todas as metrópoles são iguais: interessam culturalmente, mas tirando-se isso só resta…a metrópole…com todos os seus problemas e sua feiúra explícita. E já que falei em cultura, diga-se que o que valeu mesmo na cidade foram as duas horas dentro do Masp – um acervo de respeito com um curadoria bem interessante, capaz de alinhar diferentes obras em uma única temática para montar uma exposição. De resto, não vi quase nenhuma atração de São Paulo. A ponte Estaiada é enorme, o Theatro Municipal é lindo, o Viaduto do Chá uma graça, a Estação Júlio Prestes um arroubo, o Minhocão é medonho, mas vi isso tudo no melhor estilo city tour – uma prática turística que, todos sabem, nasceu inspirada na famosa piada dos dois tomates atravessando a rua.
“Olha, o teatro! Que lindo!”
“Teatro?!? Onde?”
Você se sente um retardado porque não viu nada.
São Paulo - TremVamos nos encaminhando ao grande evento. E pra chegar lá eu usei os trens. Ainda que seja um transporte interessante, há mais críticas que elogios. Alguns carros são o diabo de lentos e suas chegadas e partidas não são tão frequentes quanto as do metrô. Por conta disso, achei que assentos nas estações seriam mais do que necessários, mas não havia nenhum por onde passei – lamentei aquele mundo de gente, que passou o dia inteiro trabalhando e ainda fica uns 20 minutos em pé esperando chegar o próximo carro. E por falar na quantidade de pessoas, é mais gente querendo entrar na condução do que espaço dentro dela – é um tal de empurrar pra ver se entra, e um tal de se ficar espremido no meio de uma pá de gente que você já repensa o status do ônibus no mundo do transporte urbano. Mas há um elogio: ao menos nas estações pelas quais passei, só vi oficial de polícia de encher os olhos d’água – de onde tiraram aqueles homens lindos pra ficar cuidando de estação de trem, e para quê, eu não faço idéia. Deve ser pra manter todo mundo anestesiado pra evitar qualquer menção de um incendiamento básico nos coletivos por protesto. Engraçado que, em uma das vezes que tentei fazer algum malabarismo em meio aquela vida de sardinha pra ver a cara do policial que estava quase encostado na janela do trem, percebi que o rapaz que estava na minha frente fazia exatamente o mesmo. Ele se deu conta pelo reflexo na janela que eu notei e tentou disfarçar, mas eu olhei pra ele, que era o tipo de suburbano do qual você não esperava tal ato falho e pensei: “Considere isso uma lição. Na próxima seja mais discreto.” E desci para ver o show do Muse.
Esperando para entrar fiquei conferindo a fauna da fila: diferentemente do que possa acontecer com outras bandas, achei os fãs do Muse uma gente com a cara mais normal do mundo, muito distante da bandalheira poser que integra o público de muitas bandas da atualidade – é sem dúvidas um pessoal interessante, que entende de música, vestido com bom-senso, tranquilo e inteligente. Ah, e tem um plus aí: e não é que tem um número considerável de gatos em meio aos fãs dos britânicos? Eu topava casar com pelo menos uns 15 dos que cheguei a ver na fila – porque vamos combinar que homem bonito e com bom gosto musical é o mesmo que ganhar na loteria.
E adentrei o recinto. Do lugar onde fiquei, no segundo andar da casa, a visão do palco era fantástica – pensei imediatamente que valeu cada centavo gasto no ingresso pra não estar vivenciando por horas na pista o mesmo que vivenciei no trem. Agora era esperar o show começar. Logo a turma lá embaixo, que ia entrando em doses homeopáticas até lotar a casa, pouco antes de Muse entrar no palco, ensaiou uma animação. Como era cedo eu pensei, “mas, quê??”. Aí lembrei que, na fila, ouvi do senhor dono da comunidade Muse Brasil no Orkut, que estava logo a minha frente, que Jay Vaquer ia fazer a abertura. Pensei, “Ai, porra. Canta metade de uma música, diz obrigado e vaza, faz favor!” Mas foi mais do que uma música – uns 30 minutos, eu diria. As canções do rapaz até que são bacaninhas e ele canta bem, mas elas tem um ranço daquele rock “adolexentchí” que infesta o mundo hoje, o rapaz tem péssima presença de palco e vez ou outra ele desafina um bocadinho – mas admito que ele pode surpreender com o vocal, já que em certo momento ele ajoelhou e segurou um falseto estridente que eu pensei que a bicha fosse explodir em pedacinhos no palco. “Tá, viado. Você já apareceu. Agora sai, coadjuvante”, pensei. E o público foi simpático e agradeceu – inclusive eu, civilizado que sou.
Muse - São PauloAinda bem que foi até rápido tirar a tralha musical do rapaz e arrumar o palco para a verdadeira atração da noite. O montagem não era nada mais além de um telão e os instrumentos do trio britânico. E não era preciso mais do que isso mesmo: quando a banda entrou, ao som de uma peça clássica fantástica, todo mundo, inclusive eu e a adolescente que estava sentada na mesa comigo, acompanhada dos pais modernetes, caiu numa histeria-êxtase-delirante-coletivo. Minha garganta já estava baleada com a rinite recente e a poluição de São Paulo, mas pensei: “Meu, foda-se a minha garganta! Eu vou é gritar e cantar o show inteiro feito um condenado à morte estrebuchando nos seus últimos estertores de vida”. E com o quê, por deus, eles abriram a apresentação? “Knights of Cydonia”. Eles queriam ver toda a área VIP desabar em cima do público logo no início do show, ah, queriam. Se eu morresse na queda, só ia morrer infeliz por não ter visto o show inteiro – porque morrer ao som de “Knights of Cydonia” é uma morte dignamente apoteótica, fiquem sabendo. Apesar de tremer feito o território da China, o segundo andar não caiu na geral e pude conferir porque os três garotos britânicos foram apontados por deus e o mundo na crítica musical como os detentores da melhor apresentação ao vivo no rock da atualidade em todo o planeta. Matthew Bellamy parecia ainda mais baixo e magrinho naquela camisa vermelha, mas na hora que o rapaz abre a boca e toca na guitarra, cresce feito Golias e ninguém consegue fazer outra coisa se não cantar com ele cada verso da canção, chegando ao ponto até de cantar o incantável na faixa de abertura, imitando a guitarra com a voz – e isso se repetiu por várias vezes durante o show, incluindo aí imitação de piano, baixo e bateria. Uma demonstração de que o público há muito esperava por ver os rapazes no Brasil – e a banda notou isso, respondendo com uma energia fabulosa no palco. Muse - São PauloMatthew exibia-se enlouquecido na guitarra e piano, mostrando uma destreza inigualável, Cris, mesmo sendo o mais fleumático e tímido da banda, sapateou no baixo e fez o público perder as estribeiras no backing vocal da eletrizante “Supermassive Black Hole” e Dominic só faltou usar a cabeça como baqueta na bateria, exibindo uma habilidade nada menos que formidável – por sinal, ele mostrou-se, como já era esperado por todos, o mais comunicativo da banda: além de soltar diversos “obrigado”, Dominic ainda fez questão de ir ao microfone antes de deixar o palco para agradecer toda a vibração do público – que, obviamente, entrou em um estado “gozante”, se é que ainda havia o que gozar depois de duas horas de um show que não foi menos do que irresolutamente impecável, cujo setlist concentrou-se em faixas dos discos Origin of Symmetry, Absolution e Black Holes & Revelations. A vibração foi tamanha, tanto do público quanto da banda, que eu pensei várias vezes durante o show que quem estava lá fora do HSBC Brasil devia pensar que aquilo era uma arena romana, tomada por loucos que estavam entregando centenas de pessoas para ser devoradas por leões lá dentro. Ou pensava que aquilo só podia ser a gravação de um filme pornô apresentando uma suruba com pretensões de figurar no Guiness Book como a mais numerosa da história. E eu não duvido que a rua não estava tremendo devido ao incessante pulo sincronizado do público que lotou do primeiro ao último andar da casa.
A viagem foi sofrida, mas Muse ao vivo foi, assim, como vou dizer, uma experiência de vida – fez todo o esforço valer a pena e ainda fiquei com saldo a dever. Por isso é que eu digo: ser mãe o caralho – a melhor sensação do mundo é mesmo a de conferir um espetacular show de rock, porra.
Câmbio, desligo.

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